quarta-feira, 15 de junho de 2011

Herói envergonhado


A maneira em que os heróis têm sido retratados no cinema revela um dos conflitos mais presentes na cultura popular hoje em dia: a necessidade de projetar algum tipo de virtude, de capacidade, de figura admirável, brigando com o fato de que a cultura se tornou anti-ambição, anti-autoestima - ou seja, os valores que tornam os heróis possíveis. Os anos 80 e 90 foram décadas em que a cultura foi dominada por projeções inspiradoras e romantizadas do ser humano, tanto no cinema quanto na TV e na música. A partir dos anos 2000 as coisas foram mudando. Os heróis não foram abandonados por completo, pois isso seria impossível: é da natureza humana querer ter algo pra aplaudir, admirar e servir de inspiração - mas agora isso briga com o medo de ser acusado de ser arrogante, superior, ou pior: de ferir os que se sentem fracos. Então os heróis dos filmes, da TV e da música estão sendo diminuídos - eles demonstram certas virtudes, mas de uma maneira corrompida, disfarçada, envergonhada, misturada com algum elemento subversivo, que serve como um perdão por suas qualidades.

Existem vários tipos de "heróis envergonhados", mas eles revelam sempre a culpa da parte dos artistas em projetar autoestima, habilidade, nobreza; um senso de orgulho e ambição que muita gente considera nocivo hoje em dia.

Isso tudo é muito evidente nos filmes de super-heróis, por exemplo, que começaram a ficar cada vez mais sombrios e realistas. Os heróis, em vez de serem figuras de destaque, personagens carismáticos, maiores que a vida, passaram a ficar mais "humanos", comuns, apresentando todo tipo de fragilidade e de distúrbio psicológico.

As animações infantis também revelam claramente essa mudança. Em vez das princesas belas e inocentes
dos tempos da Branca de Neve ou mesmo da Pequena Sereia, você tem figuras muito mais simplórias: príncipes e princesas sem glamour, cínicos, às vezes de caráter ambíguo, que falam e gesticulam de maneira comum, fazem caretas, estão frequentemente em situações e poses ridículas, não têm a nobreza que caracterizava os personagens Disney de antigamente.

Há também uma série de programas de TV e artistas pop que levantam a bandeira dos "losers", como Glee, afirmando que agora é a vez dos fracos conquistarem os holofotes.

Não estou dizendo que um herói não possa apresentar fragilidades ou desvantagens. Muito pelo contrário - acho importante que um herói tenha vulnerabilidades e pontos fracos, pois seria impossível para o público se identificar com um ser perfeito e indestrutível. Alguém infalível que realiza um grande feito não diz nada para o espectador. Só pode ser uma inspiração alguém que tenha limitações humanas naturais e mesmo assim supere essas limitações e conquiste seus objetivos. Mas há uma diferença grande entre ter limitações, fragilidades, e ser um "herói envergonhado". A principal é que, no primeiro caso, o foco está na projeção das virtudes e não na projeção das falhas - as qualidades e as conquistas do herói são dramáticas, convincentes, empolgantes, memoráveis, criativas, as fragilidades estão presentes apenas pra dar um senso de realismo e tornar a superação ainda mais intensa. Já num filme de "herói envergonhado", toda atenção é dada às fragilidades, às inseguranças, ao lado "humano" e "realista" do herói, mas nunca vemos uma apresentação dramática de suas virtudes, daquilo que faz dele digno de ser admirado (é comum essas figuras fazerem parte de um grupo, onde a atenção é diluída entre vários personagens, o foco seja o trabalho em equipe, e o protagonista não ganhe crédito demais por suas conquistas).

É importante também diferenciar entre desvantagens, fragilidades, e falhas de caráter. Enquanto desvantagens e fragilidades são aceitáveis e criam uma ponte pro espectador se identificar com o herói, falhas de caráter são no fundo uma tentativa de corromper o conceito de herói.

Outra maneira de diminuir o herói é através do uso de humor. Não que o herói não possa ser divertido ou 
ter senso de humor. A pergunta a ser feita aqui é: você está rindo com o personagem ou do personagem? Não há problemas em rir de coisas que o personagem faz intencionalmente e que não diminuem sua estatura. Mas rir às custas do herói é quase sempre errado, a não ser que você esteja vendo uma paródia.

Heróis são feitos pra provocar inspiração - as crianças saem do cinema motivadas, imitando seus gestos, querendo ser como eles. Já um "herói envergonhado" é feito pra amenizar a baixa autoestima, dar um senso de conforto pro espectador, de "inclusão", dizendo que ninguém é grande demais - que todo mundo é inseguro, tem falhas, portanto não há por que se sentir inferior. O problema é que eles fazem isso de uma maneira destrutiva, mal intencionada: se você quer celebrar humildade, igualdade, o lado simples e não-heroico do ser humano, há várias formas de fazer isso sem precisar ser hostil em relação a virtudes positivas. Mas o que esses cineastas querem é contar histórias grandiosas, de superação, de integridade, de reis e princesas - ou seja, primeiro criar heróis, pra daí mostrar que eles não são tão heroicos assim. A intenção não é inspirar o fraco e dizer que ele é capaz de se superar - mas destruir o forte e trazer todo mundo pro nível do comum.

Esse elemento pode surgir de várias maneiras e em vários graus diferentes, nem sempre comprometendo o total do trabalho. Às vezes de maneira óbvia, explícita, às vezes de maneira menos evidente. Em casos onde há uma mistura de heroísmo com elementos de "herói envergonhado", meu critério final é: no fim das contas a figura é admirável? Inspira um senso de desafio, de ambição? Tem habilidades que encantam? Uma criança ficaria inspirada - gostaria de evoluir pra ser um dia como ela? Se a resposta for sim, pode ser possível perdoar o resto.

43 comentários:

lcattapreta disse...

Obrigada por me explicar porque eu odiei scott pilgrim rs

mas sério, muito bom.

Caio Amaral disse...

Legalll Laura... Hehe, Scott Pilgrim tem muito disso sim! Só gostei em parte por causa da quantidade de idéias originais, que não deixa de ser uma virtude (que não tem a ver com os personagens e sim com os autores). Mas é um caso beeeem misto mesmo, rs.

renatocinema disse...

Adorei a reflexão.

Relevante, intrigante e inteligente.

Quando você cita que o espectador pede ao artista que Mostre a sua conquista - não a minha - é a mais profunda realidade da arte.


Parabéns.

Só não serei a favor no caso do filme Scott Pilgrim. Achei entretenimento razoável e concordo quando diz que ele merece crédito por suas idéias originais.

João Flores disse...

Cara, você ignora completamente o fenômeno da identificação, que é algo fundamental para compreendermos os mecanismos usados por nosso cérebro para nos importarmos com um personagem.

Se não houver vulnerabilidade, humanidade, não há identificação. E sem identificação, porque gostar de Cinema?

Todos os grandes movimentos cinematográficos de vanguarda da história partiram desse princípio, da irritação de querer se ver na tela, ao invés de semi-deuses felizes e intoáveis que não dizem nada ao dia-a-dia de ninguém.

P.S.: Scott Pilgrim é um grande filme.

Caio Amaral disse...

Oi João, você não entendeu o que eu disse. Não há nenhum problema - nenhuma contradição - em uma pessoa ter vulnerabilidades e mesmo assim fazer algo admirável.

É só comparar o Karatê Kid com o Kung Fu Panda. Ambos têm vulnerabilidades, mas só o primeiro é um herói - o Panda busca recompensas não merecidas.

Citei o Woody Allen como um "herói" - um herói do humor, da psicologia... Os personagens dele são fracassados em VÁRIOS outros aspectos, mas não naqueles que são a razão dos filmes existirem - se tudo fosse fracasso no filme, não só os personagens como a história, a própria execução do filme, e as piadas fossem fracas, então pra que ele existiria?

Nem todos os filmes devem ser sobre o Superman - e mesmo esse tem suas vulnerabilidades - mas um filme não pode ser construído em cima de uma contradição. E um filme precisa mostrar alguma virtude. Na pior das hipóteses, ele precisa pelo menos QUERER mostrar alguma virtude.

Agora, o que é uma virtude real e o que não é, eu deixo pra uma outra postagem, rss.

João Flores disse...

Aham, eu tinha entendido sim, e concordo em partes. Só que a discussão descambou para Scott Pilgrim, por exemplo, que não se aplica a este conceito que você está explorando aqui.

Em Cinema, o "como" é muito mais importante que "o que", assim, filmes de superação (já que esse parece ser o assunto) podem ser feitos de forma inteligente, sutil e competente, ou, de forma clichê, formulaica, sem imaginação.

Eu só acho que discordo de você em relação à sua visão dos objetivos da arte. Pra mim, arte é tudo aquilo que foi criado do nada através de um processo que, se repitido, não gerará outro resultado igual, e consegue causar emoções (sejam elas quais forem) em alguém. Assim, o alcance de um filme, por exemplo, pode ser ilimitado; ele pode nos fazer sentirmos apaixonados, dar medo, causar reflexão social, perturbar, etc.

Fora isso, e - claro - forma casos específicos (como X-Men, por exemplo), gosto do seu blog e te incentivo a continuar escrevendo.

Avraço!

Caio Amaral disse...

Esqueça Scott Pilgrim que não é um bom exemplo dessa contradição... No fim eu até curti o filme - o que eu não gostei nesse caso foi mais o fato do romance não convencer muito bem, e isso prejudicar o interesse da história.

Definir o que é arte também fica pra uma outra discussão, hehe - mas não acho que tudo que seja uma criação autêntica e provoque emoções seja arte, se não os rabiscos de uma criança poderiam cair nessa categoria. Arte precisa representar fielmente uma visão de mundo - não pode ser o produto acidental de alguém que não sabe o que faz, como os rabiscos da criança por exemplo.

Mas veja bem - eu não disse que o que não é arte "Romântica" não é a arte! Existem outros tipos de arte sim - eu só estou dizendo qual, pra mim, é o *melhor* tipo, o mais justificável.

Verdade, arte é tanto o COMO quanto o O QUE - e quando eu digo que um filme deve demonstrar algo de bom, não tem que ser necessariamente nos personagens centrais. Pegue "Barry Lyndon" - é um filme sobre um homem desprezível. Mas COMO o filme é feito é algo magnífico.

É uma discussão que vai longe, hehe. Mas valeu pelo incentivo. Abração!

Laís e Alex disse...

Glee? Por que Glee?

Caio Amaral disse...

Glee é um grande símbolo disso tudo.. Estrelas com o L de "loser".. É o primo musical do "Kung Fu Panda", rs. A série é sobre validar as inseguranças das pessoas, os defeitos, etc. Nas performances, o holofote está no defeito, e não na qualidade. O que a série diz não é "supere os obstáculos e atinja seus objetivos" e sim "não existem obstáculos, somos todos iguais, portanto somos todos estrelas".

http://www.youtube.com/watch?v=Widfun4HjPY

Laís e Alex disse...

a série é exatamente sobre superar os obstáculos...por isso vemos ela retratando as consequencias do bullying para o personagem de Chris Colfer, como ter que mudar de escola e se sentir medo.. vemos a personagem de Lea Michele insegura com sua aparencia...Eles infrentam obstáculos o tempo todo...e as conquistas deles nunca são grandes, na série eles estão aprendendo a não só aceitar os defeitos dos outros mas tbm o seus próprios defeitos.

Caio Amaral disse...

Não vou entrar em detalhes porque não assisto Glee.. Vi alguns episódios da primeira temporada que me bastaram - lembro do segundo episódio, onde eles iam contra a idéia do professor de fazer uma apresentação 'disco' e inventavam algo bem mais "ousado", cheio de insinuações sexuais, com o único propósito de agradar o público - um público composto justamente dos "bullies" que eles tanto detestavam... Ou seja, isso não é sobre superar nada, e sim sobre aceitar uma condição de inferior, de achar que o importante é ser aceito pelos outros, mesmo quando estes estão completamente errados.

Quer um exemplo de algo vagamente parecido com Glee mas que não tem o problema do "herói envergonhado"? A origem de Glee - High School Musical.

Laís e Alex disse...

então em todo os filmes e seriados os herois devem ser perfeitinhos que não comemtem erros?
No caso do episódio da coreografia ousada de Push It, no final das contas foi apenas uma lição para Rachel, ela aprendeu que não deveria tentar fazer as coisas do jeito dela sem pensar em ninguém (apesar de ela ainda continuar assim)e o sentido de eles quererem agradar os bullies seria exatamente pelo fato de eles terem tanto medo de serem inferiores e quererem parecer melhores.

Anônimo disse...

A origem de Glee é Grease, não High School Musical

Caio Amaral disse...

Hehe.. A origem de High School Musical é Grease.. Mas provavelmente foi por causa do sucesso de HSM em 2006, 2007 e 2008 que. em 2009, surgiu Glee - não por causa do sucesso de Grease nos anos 70.

Caio Amaral disse...

Não precisam ser sobre heróis perfeitinhos que não cometem erros.. Podem cometer erros.. Podem até PERDER no fim se for justificável.. O que não pode é a FINALIDADE ser o erro.. uma celebração da fragilidade humana (não numa série musical como essa, que vende noções de auto-estima, etc).

Essa apresentação de Push It mostrava uma completa insegurança e falta de valores da parte deles... Se o episódio mostrasse aquilo tudo num tom de "crítica", seria correto. Mas não - era como se eles estivessem arrasando no palco, surpreendendo a platéia, fazendo algo admirável, quando na realidade estavam se afundando ainda mais.

Caio Amaral disse...

Se eles subissem no palco e fizessem algo REALMENTE incrível - sem ironia - algo original, divertido, que mostrasse talento, inteligência, capacidade artística, seria bem mais aceitável (pode até ser que a série tenha mudado - eu é que não acompanho mais então não sei).

Seria uma cotradição da natureza da Lady Gaga, que se chama de monstro, freak, e ao mesmo tempo tenta ser a mais loira, sexy, talentosa, inteligente, bem sucedida, etc. Mas pelo menos deixa algo de valor no meio dessa confusão toda.

Matheus Dix disse...

Quando você cita que o espectador pede ao artista que Mostre a sua conquista - não a minha - é a mais profunda realidade da arte. [2]

Eu acho considero Lady Gaga a artista mais incongruente de todas. Ela possui estética e mensagem excelentes por trás de seus clipes, fotografias e apresentações, mas se mostra totalmente vazia e fraca em questão musical, que não se encaixa de forma alguma com o estilo musical a que ela se propõe.

Caio Amaral disse...

Também acho que existe um conflito terrível na Lady Gaga. Mas que mensagens excelentes são essas que você acha? Eu já acho que ela é boa por causa das músicas mesmo... Hits como Poker Face, Bad Romance, Telephone... E todo o lado 'entertainer' (as performances surpreendentes, os clipes, etc).

Matheus Dix disse...

Toda uma crítica social e religiosa que ela mostra em seus clipes, photoshoots e etc...
Um amigo me falou de uma garota que estava fazendo um TCC sobre os símbolos por trás da Lady Gaga, onde ela ia decifrando todos esse códigos sibliminares e ia restruturando. Bem interessante, pena que não cheguei a ver o projeto.

Anônimo disse...

Já na internet é possível encontrar pessoas que acham a Rapunzel de Enrolados, que ilustra este post, uma heroína perfeita demais, uma "Mary Sue" (uma expressão que, ao que parece, surgiu em fanfictions de Star Trek, como caricatura de herói/heroína perfeitos). Provavelmente prefeririam que ela fosse grossa como a Fiona, ou burra como a Anna de Frozen.

Caio Amaral disse...

Moralmente pode até ser que ela seja perfeitinha.. não me lembro.. mas falta elegância.. ela passa o filme todo fazendo careta, tropeçando.. uma vez coloquei o filme sem som e fiquei pulando aleatoriamente entre as cenas, tentando achar uma imagem dela com uma postura/expressão digna de princesa.. não é fácil..

Anônimo disse...

Talvez o "herói envergonhado" resulte da "Cultura da Reclamação" denunciada pelo crítico de arte Robert Hughes, num livrinho com esse título, publicado em 1992, e que saiu no Brasil editado pela Cia. das Letras, no qual ele criticava o ambiente político-cultural americano. Cito um trecho que me parece oportuno:
"A generalizada alegação de vitimização derruba a cultura da terapêutica há muito acalentada nos Estados Unidos. O fato de alguém parecer forte só pode ocultar uma instável estrutura de negação, mas ser vulnerável é ser invencível. A lamentação dá poder - mesmo que seja apenas o poder de chantagem espiritual, de criar níveis antes despercebidos de culpa social. Basta proclamar-se inocente que sua cabeça rola.As mudanças produzidas por isso podem ser vistas em toda parte, e sua curiosa tendência é fazer convergirem a "direita" e a "esquerda"."

Caio Amaral disse...

Não conheço o Robert Hughes... só por esse trecho não sei dizer se a teoria dele tem a ver com essa tendência do herói envergonhado.. Mas achei interessantes algumas frases.. "Basta proclamar-se inocente que sua cabeça rola.". É bem isso mesmo. A parte da esquerda e direita convergirem não entendi..

Anônimo disse...

Depois do sucesso da Fiona, acho que vai ser difícil a Disney fazer uma princesa elegante à moda clássica, porque uma personagem assim seria alvo de escárnio fácil. Na imprensa americana já tem gente escrevendo que esse filme live-action da Cinderela seria um "retrocesso" em comparação às princesas modernas.
Falando da Disney, uma coisa que se nota é que, além dos heróis, os vilões também vem sendo apequenados, não sei se para equilibrar a situação. Alguns dos vilões mais sem graça da Disney vieram em produções recentes, o Alameda Slim de "Nem que a Vaca Tussa", o Goob, o homem de chapéu-coco de "Família do Futuro" (esse era um completo idiota ), e o Hans do Frozen(que nem mesmo era culpado das coisas ruins que aconteciam). Nenhum deles tem nada daquelas figuras más impactantes das produções da Disney de um tempo atrás, não eram assustadores e nem mesmo engraçados. E não ajudavam a fazer com se torcesse pelos heróis.

Caio Amaral disse...

Isso mesmo..! A escola Romântica lida com valores... bom vs. ruim, certo vs. errado, bem vs. mal... Os vilões existem muitas vezes pra criar um obstáculo desafiador pro herói superar... mas a intenção geralmente é a de enfatizar as virtudes do herói... Agora, quando você não quer mais enfatizar o herói, perde-se um pouco a necessidade do vilão também... Isso pode explicar alguns desses vilões sem graça.

Estou curioso pra ver a nova Cinderela.. estreia depois de amanhã já.

Anônimo disse...

Talvez o herói envergonhado seja fruto da enorme influência da psicanálise na cultura moderna, hoje muitas pessoas parecem gostar de personagens que sejam ou pareçam cheios de problemas e conflitos internos. Parece ter sido esse o motivo de tanto sucesso daquele seriado Smallville, que o pegou o Superman - justamente um personagem que muita gente achava 'certinho demais' e 'sem graça' - e encheu-o de conflitos. Além de transformar o Lex Luthor em mais uma vítima de um papai malvado que o deixou carente de amor.

Caio Amaral disse...

Sei lá, acho que a psicanálise já era bastante influente nos anos 70, 80, 90.. e mesmo assim o Senso de Vida da época era outro.. eu acho que no fundo tem mais a ver com "americanismo" e "anti-americanismo".. com a "autoestima" dos EUA, a imagem do país diante do mundo, etc.. quando ela está positiva, a cultura tende pra coisas mais idealizadas, inspiradoras.. quando está negativa, tende pra coisas mais cínicas, "realistas".. abraço..!

Anônimo disse...

O curioso é que nos anos 80 e 90 a auto-estima dos americanos suportou bem revezes como o dos atentados terroristas que mataram mais de 200 soldados americanos em Beirute, em 1983, e o fracasso no enfrentamento com as milícias da Somália, em 1993, retratado no filme "Falcão Negro em Perigo". Noa dois casos, as tropas americanas se retiraram, e isso parece ter sido aceito com naturalidade pela opinião pública americana, na época. Não sei se a diferença foi porque se trataram de fatos em países distantes, ao contrário do 11 de setembro, ou talvez fosse a lembrança ainda recente do Vietnã que os dissuadiu de alguma reação em maior escala.

Caio Amaral disse...

É.. em todas as décadas acontecem coisas boas e ruins né.. mas apenas alguns eventos têm a força de alterar a cultura de maneira significativa.. é um tema que me interessa e que gostaria de entender melhor.. o que é que de fato provoca essas mudanças..

Anônimo disse...

Em certo sentido, os heróis 'envergonhados' parecem ter a intenção de ser inspiradores, já que eles, pelo menos na minha impressão, sempre vencem no final, de alguma forma. Nisso eles se diferenciam dos heróis tradicionais, que podiam até mesmo ser derrotados, mas permaneciam heroicos, por terem valores nobres e estarem do lado certo. O Atticus Finch, considerado por muitos o maior herói do cinema americano (aliás, viu o que fizeram agora com ele? parece bem típico dos tempos atuais), não foi vitorioso no plano concreto, já que não conseguiu impedir que Tom Robinson fosse condenado injustamente, mas venceu no plano moral.
O herói tradicional, a meu ver, enfatizava mais o caráter, o herói 'envergonhado' enfatiza mais a vitória tangível. A intenção talvez seja a de dizer que você pode sempre vencer, mesmo com todas as falhas e fraquezas. E, mais especificamente, que os americanos, mesmo que se sintam ou pareçam fracos e incompetentes, sempre vão vencer.

Caio Amaral disse...

Sim, em geral esses 'heróis envergonhados' vencem, mas sempre de maneira pouco convincente.. através de uma habilidade que surge do nada e não parece bem fundada.. um "poder" genérico que não tem nenhum paralelo com habilidades humanas palpáveis.. ou quando são ajudados pelos amigos.. não sei se a intenção disso é inspirar.. acho que a intenção é a de passar a mão na cabeça do espectador e dizer que "vai dar tudo certo".. o universo será bom com ele, e ele não precisa ter nada de especial pra vencer.. ele já "é" especial só por ser, etc.. não chega a ser uma "inspiração" isso eu acho.. é um senso de conforto, de aceitação.. que pode ser agradável pra quem assiste.. mas não acho que seja algo que motive alguma ação no espectador.. um desejo de evoluir, de criar, de mudar, etc.. Não vi ainda o que fizeram com o Atticus Finch..! abs!

Caio Amaral disse...

(eu não sou um grande fã de O Sol É Para todos, só pra constar.. mas sem dúvida como exemplo de integridade, etc, o Atticus é um personagem respeitável..)

Anônimo disse...

Com relação ao Atticus Finch, o que houve foi que no ano passado saiu um outro livro de Harper Lee, autora de "O Sol é para Todos", intitulado Go, Set a Watchmen, que se passa 20 anos após a história de "Sol...", onde um Atticus envelhecido aparece como defensor da segregação racial e crítico do movimento dos direitos civis dos negros. Esse livro gerou muita polêmica nos Estados Unidos, segundo algumas notícias, essa teria sido a história originalmente escrita pela Sra. Harper Lee, só que um editor sugerisse mudanças na histórias, e foi com essas mudanças que surgiu "O Sol é para todos" que rendeu a Lee um prêmio Pullitzer, e virou o filme com o Gregory Peck. Há quem diga que esse livro só saiu porque a advogada que cuidava dos direitos autorais de Harper Lee queria faturar mais algum dinheiro, e teria se aproveitado do fato que a autora, muito debilitada pela idade, não tinha mais condições de vetar a publicação.

Caio Amaral disse...

Que estranho... meio mal contada essa história né... como é que um livro racista se transforma no oposto disso apenas por algumas sugestões do editor...? :-/

Anônimo disse...

Realmente, essa história está bastante mal contada, a própria origem desse novo livro não foi esclarecida direito pela advogada da Harper Lee, sendo que a autora estava entrevada por causa de um derrame, cega e quase completamente surda quando "Go, Set a Watchman" foi lançado, e não podia dar mais explicações por conta própria, e morreu em fevereiro deste ano.

Aqui tem um artigo do New York Times sobre o tema:
http://www.nytimes.com/2015/07/25/opinion/joe-nocera-the-watchman-fraud.html

Caio Amaral disse...

Tá me lembrando o caso do álbum póstumo do Michael Jackson "Michael"... que a própria filha diz que é uma fraude.. nem é o pai cantando.. foi só pra gravadora lucrar em cima do nome dele, etc.. rs. Não duvido de nada.

Anônimo disse...

Falando de heróis envergonhados, uma vítima desse conceito parece ter sido a animação Constant Payne, que a Nickleodeon desistiu de pôr no ar, em 2001. A julgar pelo piloto, no Youtube, os protagonistas passavam longe de serem heróis envergonhados.
Pedro.
https://www.youtube.com/watch?v=o7fR6gLQ2C8

Caio Amaral disse...

oi Pedro.. também não vi problema de "herói envergonhado" aí, hehe.. pena que não rolou a série.. abs!

Anônimo disse...

O herói envergonhado pode ter aparecido no começo do séc. XXI, mas desde uns dez ou quinze anos antes o público já havido começado a se queixar de que personagens muito certinhos eram chatos. O herói como modelo a ser seguido perdeu lugar na atual cultura da auto-aceitação, onde as pessoas acham ofensiva a idéia de que precisam se tornar algo melhor.Nem as famílias cobram mais aprimoramento da parte dos filhos. Até um passado recente, uma criança que ia mal na escola era cobrada para estudar mais. Hoje, quando os alunos vão mal os pais cobram dos professores.
Pedro.

Caio Amaral disse...

Sim Pedro, esse fenômeno existe desde sempre, é que a partir dos anos 2000 começou a virar algo muito mainstream.. quase um pré-requisito pro filme virar respeitado e popular.. abs!

Anônimo disse...

Os personagens idealizados e romantizados dos anos 80 e 90 foram um reflexo do contexto da época. Nos anos 80 havia a intenção deliberada de sair do espírito americano dos anos 70 de Vietnã, contracultura, Watergate e crise econômica. Os anos 90 foram um certo exagero de otimismo por parte dos americanos, com fantasias de prosperidade sem fim com a "nova economia" e de hegemonia global americana, o chamado "MacWorld", que foram abaladas neste começo de século. De certa forma, está agora a surgir um novo tipo de otimismo à sua maneira, na linha do discurso liberal antitrumpista, baseado na idéia de que a diversidade salvará o mundo. Os heróis desse novo idealismo são do tipo da Rey de Rogue One e da faxineira de A Forma da Água, aquela fábula da correção política.
Pedro

Caio Amaral disse...

Sim Pedro, acho que os anos 60/70 podem explicar em partes essa mudança nas décadas seguintes.. agora quanto ao presente.. melhor achar um novo nome então pra esse "novo idealismo", pois ele é praticamente o oposto do antigo hehe.. abs!

Anônimo disse...

No caso da Rapunzel, parece que a Disney quer acentuar ainda mais suas imperfeições. Ontem vi numa loja uma boneca dela com sardas enormes no rosto, como se estivesse maquiada para uma quadrilha de festa junina. Se ela tinha sardas em Enrolados, só dava para ver com lupa.
Pedro.