sábado, 18 de junho de 2011

Meia Noite em Paris


O filme mais imaginativo e original que eu vejo em um bom tempo - provavelmente o melhor filme de Woody Allen desde a "era dourada" de sua carreira. O filme é um ataque divertido à nostalgia - aquela sensação que temos de que o presente é sempre desimportante, banal, enquanto as eras passadas eram necessariamente mais ricas e interessantes. O filme não tenta descobrir os MOTIVOS disso acontecer - ele simplesmente expõe essa ideia e a concretiza numa trama (que eu prefiro não comentar, pra não estragar as surpresas) misturando comédia, fantasia, filosofia e história. Woody parte de um argumento simples, interessante, e o desenvolve com total clareza, objetividade e criatividade, num filme onde nenhum minuto sequer parece acidental ou dispensável, como toda obra de arte deve ser.

O filme se passa todo em Paris (que eu nunca vi tão bonita e tão bem explorada no cinema) e não tem Woody Allen no elenco - quem interpreta "Woody" é Owen Wilson, que se mostra um excelente substituto, por incrível que pareça. Rachel McAdams também está ótima, assim como Marion Cotillar, Michael Sheen e todas as participações especiais (Kathy Bates, Adrien Brody, etc).

Mas por que o passado parece mais glamouroso do que o presente? A postagem vai ficar gigante, mas eu queria entrar mais nessa discussão que o filme levanta.

Em primeiro lugar, acho que nostalgia não se aplica a todas as atividades. Se falarmos em medicina ou informática (talvez até esporte), ninguém vai achar que houve uma era dourada há 100 anos atrás! Mas no que diz respeito à arte, certamente este é o caso.

Um dos motivos é que o passado é condensado, resumido na nossa mente, enquanto o presente não. Quando olhamos pro presente, pensamos por exemplo nos filmes que estão em cartaz essa semana - quando pensamos no passado, pensamos em eras. Ninguém pensa em "filmes que estrearam em 18 de Junho de 1941" - nós pensamos em anos, em décadas, ou até em séculos, dependendo da arte, e é claro que nenhum instante do presente pode competir com isso (daqui a 50 anos, nós vamos lembrar que vivemos nos tempos gloriosos de Steven Spielberg, Martin Scorsese, Michael Jackson, Madonna - e vamos esquecer das Ke$has e dos Robert Rodriguez).

Outro motivo é que as pessoas valorizam muito a própria infância (as memórias são mais fortes, não só por características naturais da infância, mas também por esse processo de "condensação"). Então o que acontece? Nossos pais nos convencem de que a época da juventude deles era mais importante que a nossa, e nós tentamos convencer nossos filhos de que a nossa juventude era mais importante, criando uma eterna sensação de que o passado era maior (uma coisa que Woody poderia ter feito pra zombar disso seria ir até o futuro e mostrar a Britney Spears como um símbolo do requinte do passado!). Filhos que respeitam e admiram os pais costumam também ter uma relação melhor com o passado.

Mas claro, nada vai tornar uma composição medíocre superior à uma obra-prima, só porque a medíocre foi composta 100 anos antes. O filme não se posiciona claramente quanto a objetividade ou a subjetividade da arte. É meio contraditório. Por um lado, a trama parece sugerir que é tudo relativo - o que é antigo é bom, o que é novo é ruim, e não se pode julgar uma obra de arte racionalmente. Por outro lado, o filme mostra que no passado os artistas eram muito mais inteligentes, cultos e habilidosos - sugerindo que a nostalgia no fundo é justificável, afinal no passado eles REALMENTE eram melhores!

No cinema americano e na música há de fato uma decadência. Mas não acho que isso seja um problema fixo, eterno, uma tendência da humanidade. Pra mim a culpa é da cultura e da tecnologia. Os filmes dos anos 40 não são piores que o dos anos 30. E o dos anos 50 não são piores que o dos anos 40. A coisa começou a descambar no fim dos anos 60, e isso por esses 2 motivos - porque a cultura mudou (pra pior na minha opinião) e porque a tecnologia foi tornando a produção cada vez mais fácil (no caso de cinema por exemplo). Hoje em dia, qualquer um pode fazer um filme - nos anos 50 era tão difícil que apenas alguém competente chegaria lá.

A tecnologia apenas facilita a execução e a divulgação da arte - mas não ajuda em nada na criação. O que você tem hoje é um monte de gente que PODE gravar um filme a qualquer momento, que PODE gravar uma música e jogar no YouTube - mas que não teve necessariamente que passar pelo esforço de aprender o que é isso.

Será que Leonardo Da Vinci teria feito tanta coisa se ele estivesse vivendo hoje, com entretenimento disponível no celular a qualquer instante? Será que teria se esforçado pra inventar tanta coisa, se todas as respostas já estivessem disponíveis no Google? Me parece que certa dificuldade é um fator essencial do desenvolvimento. Será que quanto mais fácil a vida se torna, menos as pessoas precisam pensar? E será que o nível de exigência das pessoas também cai, na medida em que elas se tornam menos capazes de criar?

Fico imaginando um futuro onde algumas pessoas jamais terão sofrido e também não correrão nenhum tipo de risco - elas serão fisicamente perfeitas, saudáveis, e não terão que trabalhar para os seus sustentos, pra preservar suas vidas - e por consequência, não se interessarão em compreender a realidade de nenhuma forma, pois não será necessário.

Arte, nesse mundo, serão cadeiras de massagem automáticas, projetadas por pessoas que também nunca tiveram que entender nada, equipadas com luzes coloridas e agradáveis que serão projetadas em suas retinas, enquanto elas ouvem sons harmônicos e indefinidos, sem qualquer tipo de melodia ou estrutura.

Nesse contexto, não é tão difícil de imaginar a Britney como um símbolo do requinte do passado!

Enfim, isso tudo é só uma pontinha das coisas que passam pela nossa cabeça vendo Meia Noite em Paris. Pra mim, é o filme do ano por enquanto.

Midnight in Paris (ESP EUA / 2011 / 100 min / Woody Allen)

INDICAÇÃO: Quem gostou de Desconstruindo Harry, Tiros na Broadway, A Rosa Púrpura do Cairo, etc.

NOTA: 9.0

3 comentários:

renatocinema disse...

Não sou grande fã de Woody Allen. Porém, você dizer que Owen Wilson foi bem....me deixou motivado e curioso a assistir a obra.

Acho ele um ator apenas razoável para merecer seus elogios fiquei intrigado para conferir.

Allen me agradou em A Rosa Púrpura do Cairo. Esse site não foi o único a dizer que esse realmente é um grande filme de Woody Allen.

Vou engolir meu pré-conceito e encarar a obra.

Caio Amaral disse...

Woody Allen como ator tb não é nenhum Marlon Brando, mas fazia perfeitamente aquele tipo dele meio neurótico e carismático ao mesmo tempo.. Vários atores já substituiram o Woody nos filmes dele e acabam parecendo imitadores.. Achei que o Owen foi o que fez mais naturalmente e que teve o melhor resultado.. Não significa que é uma "grande performance", hehe.

Anônimo disse...

Se o Da Vinci mal terminava suas coisas na época dele, imagine na nossa...