Como disse nas postagem
Os 4 Pilares do Idealismo e
O Que nos Atrai à Arte?, a Objetividade além de ser um valor em si e uma das coisas fundamentais que buscamos na arte, é o pilar que permite a expressão de todas as emoções mais intensas e todas as grandes qualidades estéticas na arte.
No entanto, alguns artistas desejam ir contra a escola Idealista, e podem fazer isso de diversas formas. Uma delas, como no caso do Subjetivismo, é rejeitando o pilar da Objetividade (e, numa tacada só, impedindo todos os outros pilares de existirem).
Subjetivismo (filmes Anti-Estrutura, como diria Robert McKee) em sua forma mais pura, aparece no cinema naqueles filmes de "vanguarda" onde as pessoas saem do cinema cada uma com uma versão completamente diferente do que foi que aconteceu, sem poder provar qual foi o propósito do filme ou mesmo se houve algum. São filmes que se rebelam contra a objetividade, negam que a comunicação clara entre artista e espectador seja uma virtude, negam que um filme precise passar uma mensagem, e defendem uma visão completamente desintegrada e arbitrária da arte - como um cozinheiro que se nega a adaptar suas criações à "ditadura" do paladar humano, querendo ser livre pra usar coisas não comestíveis como ingrediente se ele estiver a fim.
Em geral são filmes sem tramas coerentes, onde os personagens centrais não têm objetivos claros, personalidades consistentes. São comuns cenas longas onde nada de relevante acontece, os enquadramentos são esquisitos, muitas vezes ações importantes acontecem fora de quadro, como se houvesse um desinteresse crônico por parte do fotógrafo. A trilha sonora é frequentemente dissonante, não há senso de ritmo na narrativa, estrutura, os diálogos são incompletos, misteriosos, raramente há um clímax, e o filme termina muitas vezes em um momento inesperado, sem um grande senso de conclusão, deixando a platéia intrigada, tentando entender a mente "profunda" do artista por trás daquilo.
São filmes que veem um grande valor na estranheza, em quebrar as regras, não pra mostrar algo superior, não pra ser mais eficiente que os filmes convencionais em contar uma história, em emocionar, mas pelo simples prazer de não se conformar, de "questionar" o sistema, de ser anti-convencional. É a rebeldia pela rebeldia. Não são filmes experimentais ou de "vanguarda" de fato como muitas vezes tentam se classificar, pois eles não estão de fato tentando levar a arte adiante, criar técnicas novas e melhores que as já conhecidas - o que eles querem é apenas quebrar com as regras, ir contra as técnicas já provadas por outros artistas, apenas pra mostrar um falso senso de independência e não-conformismo. O Subjetivismo de hoje muitas vezes tem a mesma cara do Subjetivismo de 30, 40 anos atrás. Não é algo inédito, inovador, que irá transformar a arte do futuro. E sim um movimento que sempre irá existir paralelamente à arte mainstream, questionando e desconstruindo tudo o que ela faz.
O foco desses filmes em geral é a figura do autor e a expressão de suas preferências subjetivas, de sua personalidade excêntrica, rebelde - não há um verdadeiro interesse em entreter o espectador, transmitir uma mensagem, provocar um efeito específico - o estilo acaba tendo mais valor que o conteúdo.
Nos casos mais radicais não há nem como saber se o que foi apresentado no trabalho foi cuidadosamente planejado ou se foi fruto de decisões aleatórias. Nas artes plásticas isso é bem mais comum do que no cinema, chegando a ser o mainstream hoje em dia (afinal um filme custa muito caro, envolve dezenas de profissionais, o que acaba servindo de filtro contra experimentos desse tipo, que raramente são lucrativos).
Muita gente acaba sendo respeitosa em relação a esse tipo de trabalho por puro complexo de inferioridade - por medo de não ter sido capaz de compreender a mensagem do artista e de ser considerada burra. O resultado pode ser visto neste experimento, onde pessoas numa galeria de arte analisam um quadro abstrato, sem saber que na verdade ele foi pintado por crianças de 2 anos:
http://www.youtube.com/watch?v=Pj4MVtoNWZc&feature=youtu.be
Subjetivismo total nunca é muito popular (o público sempre prefere histórias e mensagens palpáveis - são em geral os críticos e intelectuais que se interessam por esse tipo de coisa), mas muitas vezes podemos encontrar Subjetivismo em filmes mais acessíveis, quando ele aparece em doses menos extremas, e ainda sobra Objetividade o bastante pra prender a atenção do público: filmes que na maior parte são compreensíveis, mas têm finais abertos, inconclusivos, tramas que começam coerentes, mas em certo ponto se tornam ambíguas, contraditórias de propósito, borrando a linha entre o objetivo e o subjetivo, personagens que agem às vezes de maneira anti-natural, incompreensível, sem justificativa alguma - tudo apenas pra criar um senso de estranheza, mostrar que o artista não está jogando o mesmo jogo que os outros, passar um falso senso de sofisticação intelectual (como discuto na postagem
Trazendo Inteligência para o Entretenimento).
Podemos chamar esses de Subjetivistas reprimidos talvez - pois eles consideram o Subjetivismo uma qualidade, uma espécie de "requinte" artístico, mas não têm coragem de ir até o fim, e ainda se vêem comprometidos em partes com a objetividade.
Coloco Subjetivismo dentro da categoria de
Não-Idealismo, em vez de na categoria Anti-Idealismo, pois ele não faz um ataque direto ao Idealismo, e sim um ataque indireto. Um filme Anti-Idealista é aquele que ataca o Idealismo de forma explícita (corrompe o conceito de herói, zomba da felicidade, etc). Só que, como o Anti-Idealismo ainda deseja passar uma mensagem específica para o espectador, quer persuadi-lo de que o Idealismo é maligno, ele precisa manter o pilar da Objetividade em pé pra comunicar suas ideias - então nesse caso ainda temos filmes com histórias compreensíveis, mensagens claras, porém que servem pra atacar os outros valores Idealistas.
Subjetivismo já pretende ser uma rejeição mais completa e consistente do Idealismo, rejeitando-o em sua raiz: na Objetividade.
O Anti-Idealismo seria como um nadador que, no desejo de afogar os outros nadadores da competição, ainda precisa nadar rápido atrás deles, e fazer uso de algumas de suas virtudes no processo. Subjetivismo (Não-Idealismo) seria o nadador que simplesmente se recusa a participar da disputa, se nega a reconhecer a legitimidade da competição e a demonstrar qualquer virtude real. Pra ele, uma pessoa que nada mais rápido que a outra não é melhor do que ela em nada. Todo o princípio do esporte é questionado. Então ele simplesmente se joga na piscina e fica lá fazendo coisas aleatórias, que não terão sentido algum para o espectador que foi atrás de emoção, virtude e espetáculo - comunicando seu protesto de forma indireta, passiva (o que não significa que ele seja mais racional e coerente que o Anti-Idealista, apenas menos violento).
A única virtude que os Subjetivistas costumam exibir com orgulho é o dom deles pra criar estranheza, confusão, que nos melhores casos acaba refletindo um certo nível de criatividade, estilo, domínio técnico, e pode até gerar humor intencionalmente.
Nota final: é importante saber diferenciar casos de Subjetivismo de filmes que são apenas menos literais, menos óbvios - casos onde você possa simplesmente não ter entendido a trama de primeira, o sentido explícito do filme, mas que ainda seja um filme com significado, com valores concretos sendo apresentados - como digo sobre
2001: Uma Odisséia no Espaço na postagem
Simbolismo e Filmes Interpretativos.
Pra finalizar, vou postar a definição do Robert McKee pra "Filme de Arte" que ele dá no livro
Story: Substância, Estrutura, Estilo e os Princípios da Escrita de Roteiro - com a qual eu concordo plenamente e que tem tudo a ver com o que escrevi acima:
---------------------
FILME DE ARTE - Robert McKee
A noção vanguardista de se escrever fora dos gêneros é ingênua. Ninguém escreve num vácuo. Após milhares de anos de histórias sendo contadas, nenhuma história é tão diferente que ela não se assemelha com nenhuma outra coisa já escrita. O Filme de Arte se tornou um gênero tradicional, divisível em dois subgêneros, Minimalismo e Anti-Estrutura, cada um com seu próprio complexo de convenções formais de estrutura e cosmologia. Assim como o Drama Histórico, o Filme de Arte é um supra-gênero que engloba outros gêneros básicos: Romance, Drama Político, etc.
Filmes de Arte são convencionalizados por uma série de práticas
externas, como a ausência de astros (ou de salários de astros), produções que ocorrem fora do sistema de Hollywood, geralmente em uma língua que não a inglesa - todas essas práticas se tornando ítens de venda conforme a equipe de marketing encoraja os críticos a exaltarem o filme como um "azarão".
As convenções
internas primárias são, em primeiro lugar, uma celebração do "cerebral". O Filme de Arte favorece o intelecto, sufocando emoções intensas sob uma coberta de "atmosfera", enquanto através de enigma, simbolismo, ou tensões não resolvidas, ele convida interpretações e análises do público nos rituais de crítica com café após a sessão. Segundamente e essencialmente, o design de história de um Filme de Arte depende de 1 grande convenção: inconvencionalidade. A inconvencionalidade é a convenção característica do Minimalismo e da Anti-Estrutura.
Sucesso no gênero Filme de Arte resulta geralmente num reconhecimento instantâneo, embora passageiro na maioria dos casos, do autor como um artista. Por outro lado, o longevo Alfred Hitchcock trabalhou unicamente dentro de estruturas clássicas, convenções de gênero, sempre visou o grande público, e frequentemente o encontrou. Ainda assim, hoje ele está no panteão dos grandes cineastas, é aclamado no mundo todo como um dos grandes artistas do século, um poeta do cinema cujos trabalhos ressoam com imagens sublimes de sexualidade, religiosidade, e sutilezas de ponto de vista. Hitchcock sabia que não há uma contradição necessária entre arte e sucesso popular, nem uma conexão necessária entre arte e Filmes de Arte.