quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Gravidade: por que achei bom, mas não vibrei

Hoje no trabalho uma funcionária chegou da rua com os olhos cheios de lágrimas e veio logo explicando: ela tinha acabado de assistir Gravidade. Fiquei surpreso, pois nem havia me passado pela cabeça a ideia de chorar nesse filme. Numa associação aparentemente casual - mas que depois vi que fazia sentido - lembrei do filme O Impossível (com a Naomi Watts, sobre o tsunami). Na estréia de O Impossível, quando vi as pessoas saindo aos prantos do cinema, tive uma sensação parecida com a que tive hoje. Claro que a reação da funcionária não foi padrão, pois a maioria das pessoas não chora em Gravidade (acho eu) mas chora em O Impossível. Mas achava que uma coisa estava ligada a outra de alguma forma, e que o caso merecia mais análise. Resolvi então assistir o filme uma segunda vez - e dessa vez percebi algo interessante que parece explicar por que, embora eu tenha gostado de Gravidade em vários aspectos, não tive esse tipo de conexão emocional com a história:

- Quando a gente vai ao cinema, existem alguns valores abstratos que a gente busca, conscientemente ou não. Pra mim, existem 4 ou 5 principais que, na medida em que eles estão presentes ou ausentes, eu gosto ou não de um filme (pelo menos num nível emocional). Gravidade tem alguns deles, mas...

- Um dos mais fundamentais desses valores, pra mim, tem a ver com autoestima: a experiência de admiração (e ao mesmo tempo de orgulho, pois num filme você se sente na pele do personagem) que você sente ao ver uma pessoa com certas características especiais.

- A personagem da Sandra Bullock, embora seja uma astronauta atraente sobrevivendo a situações
difíceis (ou seja, aparentemente uma mulher pra ser admirada), no fundo é caracterizada como vítima, uma "pobre coitada", o que, pra alguém como eu que está atrás de força e confiança, acaba gerando certo distanciamento. Tudo é uma questão de ênfase. Nenhum personagem convincente é 100% vulnerabilidade nem 100% força. A cena do extintor em Gravidade, por exemplo, é um momento de inteligência, feito pra aplaudirmos Bullock (se é que aquilo é possível). Mas é preciso ler as entrelinhas - ver a intenção principal por trás do filme. E em Gravidade, o desejo do cineasta não me pareceu ser o de mostrar Sandra Bullock, a sobrevivente (como faria um James Cameron, que aliás é amigo de Alfonso Cuarón), e sim Sandra Bullock, a sofredora abandonada, vítima de um mundo cruel (a história da filha que ela perdeu, os monólogos cheios de auto-piedade, o momento de quase suicídio, as lágrimas flutuantes, etc). Este é o elemento que, embora pareça sutil, me impediu de embarcar totalmente na história e me conectar emocionalmente com a personagem.

Não estou dizendo que, se você se comoveu com o filme, foi necessariamente por se enxergar na posição de vítima de Bullock. Mas, do meu lado, foi isso que me impediu de curtir o filme ainda mais. Não foi o fato do roteiro ser pura ação e não ter um conteúdo mais profundo (Encurralado é pura ação e eu adoro), não foi o fato do filme ter certas imprecisões científicas (muitos dos meus filmes favoritos têm imprecisões científicas). Foi especificamente a falta de ênfase nas forças da protagonista (num tipo de história onde parecia quase impossível evitar isso) e a caracterização dela como sofredora (o que me leva de volta a O Impossível, outro filme bem feito, mas que não me emocionou, pois é feito pra gente sentir pena dos personagens, chorar por vítimas numa realidade "injusta").

Ainda assim, acho que Gravidade é um filme com vários méritos e que tem valor real como entretenimento. Este é apenas um elemento que me distanciou um pouco da história, e achei interessante expor aqui.

2 comentários:

lcattapreta disse...

Que engraçado, eu tive essa sensação também quando o filme acabou: que eu tinha gostado muito, mas não choraria no filme.

Pensei que era porque a situação dela de ter perdido a filha era muito específica pra eu ter me identificado. Não era uma everyday person perdida no espaço, era a história daquela mãe que tinha perdido a filha e ficou perdida no espaço.

Caio Amaral disse...

Oi Laura! Só uma coisa.. Não quis dizer que, caso a personagem fosse mais forte, eu teria CHORADO no filme necessariamente.. Só sei que teria tido mais empatia.. Torcido mais, vibrado mais, etc. Se emocionar é algo mais particular.. A história da filha pra ser emocionante teria que ser algo mais integrado na história, acho eu.. Mostrado em flashback talvez.. Não apenas uma história que ela conta no meio do filme pra encher linguiça.. Até A Escolha de Sofia, que é uma situação muito mais horrível, teve que mostrar a cena famosa em flashback.. pra gente viver a experiência. Mas um detalhe: muito da emoção depende da REAÇÃO do personagem à dor.. da gente se identificar.. O lance da Bullock ser meio passiva, cheia de auto-piedade, é algo que me distancia, particularmente. Pq eu reajo mal a esse tipo de atitude.. Já um personagem tentando ser forte, resistindo à dor da melhor forma que consegue, é algo que me comove mais (tipo o final de E.T. ou Laços de Ternura). A tal funcionária que falei que chorou o filme inteiro disse que assim que a Bullock começou a contar a história da filha ela já estava chorando.. Ou seja.. Não precisou de introdução nenhuma, não precisou conhecer a filha, ver a cara da menina nem nada.. O que eu acho é que ela estava no fundo se identificando de maneira abstrata com a personagem da Bullock e sua ATITUDE em relação ao próprio sofrimento.. não ao fato isolado dela ter perdido uma filha.. Se não ela choraria em qq filme que alguém perdesse uma filha.. Pode ser também, sei lá.. Tem gente que é louca, rsss.