sábado, 22 de agosto de 2015

Alerta Vermelho

É o alerta que dispara na minha cabeça quando o artista demonstra, de maneira consistente, antipatia ou ódio por alguns dos seguintes conceitos (que deveriam ser vistos como coisas boas e desejáveis por uma pessoa bem resolvida):

- autoestima / orgulho / ambição
- prazer / diversão / entretenimento
- otimismo / felicidade
- mérito / talento / habilidade / força
- fama / popularidade
- carisma / beleza física / sensualidade
- julgamentos morais / certo vs. errado / bem vs. mal
- razão / objetividade
- capitalismo / cultura ocidental / EUA
- dinheiro / ricos / sucesso
- propriedade privada / conforto material
- civilização / progresso / tecnologia

É importante notar que muitas dessas coisas, quando interpretadas de maneira errada, podem de fato ser ruins. Por exemplo: enquanto autoestima é um conceito positivo e saudável, o narcisismo ou a arrogância já não são (e não são “excesso” de autoestima, mas, sim, a falta dela). Enquanto entretenimento é algo bom, produtos enlatados e estúpidos feitos só pra vender não são (e raramente divertem muito). Enquanto o otimismo é algo positivo, uma pessoa superficial e tola não é (e não permanecerá otimista por muito tempo quando as consequências de sua tolice vierem cobrar o preço). Enquanto riqueza é algo bom, ficar rico roubando, sendo corrupto e desonesto não é (e nem fará a pessoa ter uma real qualidade de vida) — e por aí vai.

Então se você quer criticar a arrogância, por exemplo, é importante deixar claro que o que você está atacando não é o conceito de autoestima, e sim o “mau uso” dela (uma boa forma de fazer isso é incluindo na sua história um exemplo positivo de autoestima, contrastando com o exemplo ruim). Quando a pessoa não faz isso, quando ela não deixa claro o que ela está atacando e o que ela está defendendo, deixando a crítica vaga e sem definições, provavelmente é porque ela deseja atacar o valor positivo em si, e está motivada por ressentimento, preconceito e outros sentimentos destrutivos.

Os artistas raramente fazem ataques a essas ideias de maneira direta, pois ficaria óbvio que eles estão mal-intencionados. O jeito então é esconder o ataque por trás de algo mais aceitável: vamos supor que você tenha um ressentimento contra pessoas bem-sucedidas. Se você disser por aí “eu odeio o sucesso”, provavelmente você não será muito respeitado. Mas se você disser “eu odeio a ganância” e caracterizar todas as pessoas de sucesso como corruptas, imorais, de forma generalizada, juntando as duas ideias num mesmo saco, você parecerá moralmente respeitável, e ainda conseguirá causar o dano no seu verdadeiro alvo: as pessoas de sucesso.

Essa é a essência do Anti-Idealismo, e em termos de Senso de Vida, é uma das coisas mais maligna que eu posso perceber em uma obra.

4 comentários:

Mateus disse...

Você deve odiar Clube da Luta...

Caio Amaral disse...

Deve ter uns 15 anos que não assisto.. na época gostei, vi umas 3 vezes.. Mas não to lembrado de "Alertas Vermelhos" no filme..

Mateus disse...

- autoestima / orgulho / ambição / individualismo
“You are not special. You're not a beautiful and unique snowflake. You're the same decaying organic matter as everything else. We're all part of the same compost heap. We're all singing, all dancing crap of the world.”

- sucesso / habilidade / força
A mensagem do filme é que vencer no clube da luta não é nem interessante. Eles não estão lutando para ver quem vence. A luta é uma autodestruição. De jogar todas as ambições de sucesso, em um mundo capitalista, no lixo, pois nada importa o sucesso aqui, uma vez que ninguém é realmente livre.

- fama / popularidade
“We've all been raised on television to believe that one day we'd all be millionaires, and movie gods, and rock stars. But we won't. And we're slowly learning that fact. And we're very, very pissed off.”

- carisma / beleza física / sensualidade
Quando estão em um ônibus, depois de já terem instaurado o clube da luta, Tyler e o Narrador olham para uma propaganda com um modelo da Calvin Klein e dizem: "É assim que um homem tem que ser?". “Maybe self-improvement isn't the answer, maybe self-destruction is the answer.”

- julgamentos morais / hierarquias / certo vs. errado / melhor vs. pior
Vandalismo está ok nos objetivos do Projeto Destruição. É o necessário para desconstruir essa sociedade consumidora. O personagem principal, inclusive, chantageia o chefe para receber salário em casa. No livro, fica ainda mais clara essa relação de desdém às hierarquias.

- razão / objetividade / certeza
O Narrador não dorme há meses e procura grupos de apoio onde ele pode chorar por nada. A vida insignificante, resultado de um anseio consumista, é uma razão subjetiva de mais para ele ter criado um transtorno bipolar dissociativo. Não há algo específico que desencadeie a insônia dele. Não há nem clareza em definir se as ações de tyler estão erradas. Por mais que o Narrador, quando descobre a realidade, lute contra o que ele mesmo criou, ele acaba aceitando essa autodestruição que ele causou.

- cultura ocidental / EUA / capitalismo
Esse é o alvo principal do filme. Tens que lembrar que é uma obra extremamente anarquista.

- dinheiro / ricos / conforto material / heranças / propriedade privada
O mesmo de cima.

- civilização / progresso / tecnologia / indústria
De novo.

- otimismo / felicidade
Em nenhum momento. É exatamente o contrário. O Narrador tenta algum escape buscando grupos de apoio, onde não tem nenhum resquício de felicidade (as pessoas vão lá para se aliviar chorando).

- prazer / diversão / entretenimento
Ok, o clube da luta começa como uma espécie de entretenimento para trabalhadores assalariados, um reduto de prazer para pessoas com vidas já predeterminadas, refém de uma ilusão de sucesso. Porém, é evidente que é contraditório buscar prazer se flagelando. E, por mais que exista diversão por parte dos vândalos do projeto destruição, o objetivo maior é a destruição de um sistema.

Enfim, acho que você devia assistir o filme de novo com esse olhar do Alerta Vermelho. Talvez você não concorde com a forma que eu olhei o filme, mas eu entendo que é uma crítica a todos esses conceitos que você trouxe, não exatamente ao "mau uso" (narcisismo, arrogância, produtos enlatados) mas, especificamente, à ilusão de liberdade que o capitalismo impõe. A questão é: Tyler é o bandido ou o mocinho, ou o Narrador é o mocinho, ou ninguém é e o filme só traz pessimismo mesmo?

De qualquer forma, gostei muito do seu site. Apesar de divergir em ideias e não concordar em muitas coisas (adorei La La Land justamente pelos defeitos que você apontou), você traz uma análise muito sóbria e embasada e, o melhor de tudo, sem cair no senso comum de repetir sempre o mesmo do resto da crítica. Falou.

Caio Amaral disse...

Obrigado Mateus!

Certamente o Senso de Vida do Clube da Luta não é dos mais benevolentes e eu provavelmente iria reclamar de algumas dessas frases se assistisse o filme de novo.. MAS é importante notar que no começo aqui da postagem Alerta Vermelho, eu digo que o Alerta dispara na minha cabeça quando o artista demonstra ódio por esses conceitos de maneira CONSISTENTE.. e acho que Clube da Luta não é muito consistente em atacar esses conceitos.. ele é contraditório..

Veja, embora os personagens DIGAM uma série de frases que sugerem anti-capitalismo e coisas do tipo.. você tem que julgar o filme como um todo.. que valores as atitudes do filme realmente revelam.. o texto que sai da boca dos personagens é apenas uma fração do que o filme é.. Recomendo que leia minha postagem Senso de Vida.. lá eu digo que o ESTILO muitas vezes é o que revela os verdadeiros valores de um filme:

"O ESTILO reflete os valores mais subconscientes (e geralmente mais reveladores e verdadeiros) da obra. Por exemplo: o artista comunica suas ideias de maneira clara, precisa, compreensível? Ou de maneira nebulosa, imprecisa, caótica? Se há uma história, ela é dramática, estruturada? Tem uma direção clara, propósito, clímax? Ou ela é monótona, os eventos são aleatórios e não caminham pra nenhuma resolução? O artista cria uma experiência estimulante, prazerosa, tanto pra mente quanto para os sentidos do espectador? Ou ele cria uma experiência desagradável? Escala atores admiráveis e virtuosos, ou coloca figuras comuns na tela? Ele demonstra suas virtudes como realizador, ou se coloca em segundo plano pra não se "exibir"?"

Ou seja, não adianta nada criticar a fama, beleza física (o anúncio da Calvin Klein que vc falou), se o filme ao mesmo tempo está glamourizando o Brad Pitt, um dos homens mais famosos e bonitos do mundo.. fazendo todo mundo na plateia querer ser como ele.. não adianta falar mal da razão, da objetividade, se o filme está contando com isso pra construir uma trama perfeitamente bem integrada e estimulante, etc.. Então esse tipo de filme me soa hipócrita.. meu Alerta Vermelho não grita como em filmes tipo Que Horas Ela Volta?, etc, que são mais consistentes no ataque. Abs.