sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O Regresso

NOTAS DA SESSÃO:

- Começo sensacional: as locações são deslumbrantes, a fotografia é excelente (a nitidez da imagem, o uso de planos-sequência e as lentes grande angulares tornam tudo muito imersivo, como se nós estivéssemos ali presentes na ação). A sequência do ataque dos índios é tensa e muito bem feita.

- SPOILER: Chocante o ataque do urso!!! Quando você acha que já acabou, a situação consegue piorar mais um pouco. Tecnicamente brilhante. Mas na hora que DiCaprio é encontrado pelos amigos (que começam a tratar os ferimentos) a violência do filme começa a ficar apelativa.

- Em termos de narrativa o filme é simples, quase minimalista, mas tem o básico pra deixar a gente interessado até o final (luta pela sobrevivência num lugar inóspito, e mais tarde o tema de vingança, etc). E a caracterização do DiCaprio também é simples, mas funciona, pois sabemos o mínimo pra simpatizarmos por ele: é um cara "do bem", e não merecia estar passando por isso.

- SPOILER: Imperdoável matarem o filho do DiCaprio dessa forma depois de criarem empatia por ele. A relação do DiCaprio com o garoto era a única coisa mais positiva na história. O filme começou a me perder a partir de agora.

- SPOILER: O ataque inicial dos índios já foi cruel, depois veio a cena do urso, depois matam o filho do protagonista, agora tentam enterrar ele vivo... O filme é um exemplo extremo do que eu chamo de Culto à Dor. O filme parece ter sido feito não porque havia uma boa história pra ser contada, mas porque o personagem sofreu intensamente, e isso pro cineasta já é o bastante em termos de conteúdo. Já justifica a existência do filme. Até então meu exemplo favorito desse fenômeno era Biutiful, outro filme do Iñárritu, o que nos diz algo a respeito desse diretor.

- DiCaprio apenas grita, faz cara de dor, se mostra sujo e feio. Mas não é de fato uma grande atuação (o roteiro não permite que ele faça muito além disso).

- DiCaprio come restos de carne podre do esqueleto, depois põe fogo no corte do pescoço pra cicatrizar, depois tem que entrar na água congelante e acaba caindo na cachoeira... A estratégia do filme é mostrar algo violento a cada 5 minutos pra compensar a falta de imaginação e manter a plateia impressionada.

- Tanta coisa é inventada nesse roteiro que é desonesto vender o filme como se ele fosse uma história real. Por que a insistência na ideia de que esta é uma história real? Porque se fosse tudo ficção, as pessoas iriam perceber que o cineasta é sensacionalista, apelativo, mal intencionado. Mas sob o pretexto de que "isso realmente aconteceu", o filme subitamente ganha certa respeitabilidade. O espectador se sente impelido a acompanhar a história até o fim em respeito ao sofrimento que este homem passou na vida real.

- Com o que o DiCaprio se alimentou esse tempo todo? Quando ele começa a caçar peixes e comer as primeiras coisas mais nutritivas, ele já está relativamente bem, a perna que estava quebrada agora está boa... Devem ter se passado semanas. Como ele não morreu de fome antes?

- É legal que o Fitzgerald mente pro capitão que ele enterrou o DiCaprio. O interesse da história não está apenas na sobrevivência do protagonista, mas em desmascarar o vilão e acertar as contas. É uma narrativa bem básica, sem muita inovação ou surpresa, mas eficiente.

- Alerta Vermelho: o filme tem um tom de crítica ao capitalismo e ao homem branco, que estupra as índias, caça os animais, destrói a natureza, coloca o dinheiro acima da vida (Fitzgerald abandona DiCaprio) - e tem certo prazer em vê-lo sendo punido por sua "ganância" (os índios contra-atacam, o urso ataca o DiCaprio, etc).

- SPOILER: Um exagero ele cair do precipício com o cavalo. O personagem já estava começando a ficar bem, então agora o cineasta precisava de um novo acidente pra mantê-lo agonizante até o fim do filme. A cena dele tirando os órgãos do cavalo e entrando dentro pra se aquecer chega a ser ridícula. Ele está há meses sobrevivendo nesse lugar, tem roupas quentes, por que de repente a necessidade de entrar num cavalo pra se aquecer??? Simples: porque é grotesco e irá mostrar pra plateia como o filme é de "macho".

- O filme é longo demais e começa a ficar repetitivo depois de 1 hora e pouco.

- Esse lado onírico, meio Terrence Malick (as visões do protagonista) não se encaixam bem no filme. A história não é sobre questões internas, espirituais, filosóficas... É apenas uma experiência física, bruta. Essas cenas ficam deslocadas.

- A ideia do cantil do DiCaprio ser roubado e depois reconhecido pelos amigos parece meio forçada (ainda mais numa história que pretende ser verídica). E a forma que eles encontram o DiCaprio depois parece fácil demais.

- SPOILER: No final vira um filme de vingança, o que prende a atenção, mas não deixa de ser um apelo pra violência, brutalidade. Não há nada de positivo pra se esperar, apenas mais sangue (mesmo que ele mate o cara, o DiCaprio continua com o corpo mutilado, sem filho, com a vida destruída). O pôster do filme diz "Blood Lost. Life Found." - há 1 frase em excesso aí.

- SPOILER: A ideia do DiCaprio colocar o capitão montado no cavalo como se fosse ele parece um pouco forçada. Toda vez que o roteiro sai do minimalismo e tenta algo mais engenhoso ele mostra que não é tão brilhante assim (pelo que li, essa parte não tem nada a ver com a história original, pois o Glass não se vingou do Fitzgerald). A luta final é apenas mais uma oportunidade de chocar com violência, mas a essa altura eu já não me impressiono com mais nada.

CONCLUSÃO: Produção impecável visualmente, tecnicamente, mas patética em sua tentativa de substituir conteúdo por violência.

The Revenant / EUA / 2015 / Alejandro González Iñárritu

FILMES PARECIDOS: Os Oito Odiados / Beasts of No Nation / Mad Max: Estrada da Fúria / Onde os Fracos Não Têm Vez

NOTA: 4.5

4 comentários:

Anônimo disse...

filmes ditos baseados em histórias reais sempre costumam tomar liberdades com os fatos. Há casos até de filmes cuja história toda é na verdade inventada, como foi o Fargo dos irmãos Coen, e como parece ter sido o de Sleepers, com Brad Pitt e Robert de Niro, que se disse baseado num caso real, só que ninguém nunca localizou registro de um julgamento semelhante ao do filme.

Caio Amaral disse...

Ah sim, é que o The Revenant me chamou a atenção por colocar "inspirado em eventos reais" abaixo do título tanto no pôster quanto no trailer.. dando uma enorme ênfase nisso pra atrair público.. mais do que muito filme que é fiel à história real.. então me pareceu meio desonesto.. já que na prática ele ia inventar tanta coisa, chegando a parecer mais forçado do que muito filme de ficção.. abs.

Anônimo disse...

"'Blood Lost. Life Found.' - há 1 frase em excesso aí." Você está errado. A quantidade de frases está correta. Só está invertida. Para se perder sangue é necessário encontrar seres vivos. Senão o filme só teria o dicaprio e o diretor extrairia sangue das pedras, do chão, das árvores.

O diretor "encontrou" personagens e fez eles perderem sangue. O oposto não dá. Machos sabem disso. Você não é macho se tiver emoções. Nós machos somos máquinas de matar desprovidas se sentimentos, críticos intelectuais e humanizados como você jamais entenderiam.

Caio Amaral disse...

Eu teria q ser uma pessoa mais engraçada pra responder isso direito, rs.