quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Sete Homens e Um Destino

NOTAS DA SESSÃO:

- A produção é ótima (visual lindo, elenco estelar, equipe técnica de primeira, etc). Não há nada de muito artístico, mas é tudo feito com competência.

- A história é um pouco previsível. A maneira como eles conseguem juntar um time de homens habilidosos parece meio fácil, repetitiva. Todo mundo que surge já atira extremamente bem e está disponível, etc. Fica a impressão de que será fácil o combate. Não vimos ainda o tamanho do exército do vilão pra termos receio de que eles possam perder.

- Há também o problema da motivação dos personagens. É o que chamo de "filme de serviço". Falta uma dimensão mais emocional / intelectual pra história. Só mais pro final entendemos que há um passado entre o Denzel Washington e o vilão. Mas ao longo da história a plateia acompanha tudo como se fosse apenas um trabalho qualquer que eles foram pagos pra realizar.

- SPOILER: A história fica mais interessante quando eles começam a planejar a estratégia da batalha: treinando os moradores da cidade, a ideia de construir trincheiras, convocar os trabalhadores das minas (e usar os explosivos), etc. Embora o vilão continue ausente demais, sem representar uma ameaça forte na narrativa, o que diminui o suspense.

- SPOILER: Um pouco óbvio que o Ethan Hawke iria resolver voltar na última hora.

- Quando finalmente chega o vilão na cidade e vemos que ele tem um exército enorme, deixa de parecer que os mocinhos irão ganhar facilmente. Só acho que isso devia ter sido plantado desde o começo.

- Gosto que apesar do número grande de mortes, o filme mostra tudo sem apelar pra violência de forma desagradável.

- SPOILER: Um pouco frustrante a maioria dos heróis morrerem no final. Mas como os personagens eram meio distantes, não chega a ser um anticlímax terrível. Só fica a impressão de que o prejuízo foi maior que o lucro. Que toda essa matança no fim não resolveu a vida dos que sobreviveram (é o tipo de situação que faz a gente agradecer a existência do governo).

- Legal que nos créditos toca o tema famoso do Elmer Bernstein. Não poderia faltar.

------------------

CONCLUSÃO: Remake conservador, sem muita originalidade ou surpresa, mas bem produzido e eficiente.

The Magnificent Seven / EUA / 2016 / Antoine Fuqua

FILMES PARECIDOS: Os Infratores (2012) / Bravura Indômita (2010) / Inimigos Públicos (2009) / Os Indomáveis (2007)

NOTA: 6.5

sábado, 24 de setembro de 2016

Supermax - Primeiro Episódio


(Crítica "encomendada" por um leitor.)

Já reclamei aqui algumas vezes do fato dos reality shows atualmente não terem nada de "reality" e serem todos roteirizados, armados, tudo pra se criar mais conflito e entretenimento, o que acaba sendo uma fraude e traindo o propósito de um reality show (e destruindo o entretenimento). Agora eles deram um passo adiante... Resolveram assumir que é tudo ficção, contrataram atores famosos pra esse "reality fictício" - o que sem dúvida é mais honesto do que fingir que é tudo real. O problema é que, em vez dos criadores entenderem que agora eles estão de volta no campo da ficção - e que em ficção as regras são diferentes das de um reality show - eles continuaram apostando nas mesmas regras de um reality, e usando os mesmos recursos que realities usam pra prender a atenção do espectador! O que é um absurdo e não funciona.

Durante o episódio eu fiquei o tempo inteiro pensando: "Ok, legal, a história é sobre um grupo de pessoas que decide participar de um reality show numa prisão no meio da Amazônia. E agora, o que vai acontecer na história? Será que vai ter um desastre natural ou uma guerra nuclear e todos terão que sair da falsa prisão e parar na selva, pra de fato lutarem pela sobrevivência? Será que eles descobrirão que foram enganados, e que eles não estão de fato num programa de TV, mas nas mãos de sádicos que querem fazer um experimento humano, e que mesmo que eles queiram desistir, agora não podem mais sair da prisão?". Mas nada acontece! A "história" é de fato sobre um reality show - as provas de resistência, as relações entre os participantes, tudo o que está planejado pela emissora e que o público de casa também estaria vendo! Ou seja, nada acontece pra quebrar a ordem e dar início a uma história... O que acontece dentro do contexto do reality não é de fato um conflito pros personagens, afinal tudo não passa de uma gincana da qual eles podem sair quando quiserem pra suas vidas normais (não é como em Jogos Vorazes, por exemplo). Então é como filmar alguém num parque de diversões passando por diversos sustos, emoções, mas dentro do previsto e do seguro... Não há um "Incidente Incitante" que muda a situação dos personagens e os coloca numa verdadeira situação de perigo, de luta pela sobrevivência... É como se, em Jurassic Park, nunca houvesse uma tempestade e os dinossauros nunca escapassem! E o filme tentasse entreter o público mostrando os personagens participando dos "rides" e se impressionando com os dinossauros de forma segura do lado de fora da jaula, conforme o previsto pelo parque. Mas a jaula tem que abrir pra haver uma história, e é isso que os criadores desse programa parecem não ter percebido (me baseando nesse primeiro episódio). A produção é bem feita, os atores são bons, mas é sem dúvida uma das coisas mais malucas que já vi em termos de dramaturgia. Espero que as coisas mudem e que eventualmente as "jaulas" se abram ao longo da temporada (eu não pretendo acompanhar).

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Desculpe o Transtorno

NOTAS DA SESSÃO:

- Duvivier funciona no papel, mas sempre acho difícil de gostar / me identificar com esse estereótipo do cara loser que tem um emprego chato num escritório, vive uma rotina sem graça ("vítima do capitalismo"), e não parece ter nenhum sonho ou plano de mudar isso (exatamente o que falei sobre Walter Mitty).

- Divertido o elenco coadjuvante (Dani Calabresa, Rafael Infante).

- Legal a cena dele entrando em sua antiga casa, redescobrindo objetos de sua infância, a maneira como eles iluminam o lugar pra parecer algo nostálgico, etc (só é meio forçado o pôster do Che Guevara na parede!).

- Acho ruim essa premissa do personagem adquirir subitamente um transtorno de personalidade  sem explicação. Não é como em Um Espírito Baixou em Mim ou O Mentiroso, por exemplo, onde um evento sobrenatural justifica a transformação e permite que a gente embarque na história. Fica parecendo apenas o roteirista querendo chamar atenção pro "conceito" dele, como no filme Entre Abelhas.

- Duas reviravoltas importantes acontecem num espaço muito curto de tempo (o transtorno de identidade, e o encontro com a Clarice Falcão), deixando a narrativa confusa. (Qual é o "incidente incitante" que realmente motiva a história? São 2 elementos competindo entre si.)

- O humor em geral é apenas "simpático", mas com muitos clichês (a sequência na terapia de grupo, por exemplo) e sem grandes invenções, insights, etc. Funciona porque os atores são carismáticos, mas muita coisa é baseada em referências culturais, o que é uma forma mais preguiçosa de humor (por exemplo, fazer a plateia rir só por citar Ruth / Raquel de Mulheres de Areia).

- O roteiro é meio falso e impreciso. Não sabemos como funciona a memória dele exatamente (o que ele pode lembrar quando muda de identidade, etc). E às vezes não faz sentido ele ficar viajando toda hora entre Rio e São Paulo.

- Duvivier tem boa química com os amigos e até com a Dani Calabresa, mas a relação mais sem graça da história é a dele com a Clarice Falcão. O tipo de romance é meio tedioso. Eles entram em sintonia pois percebem que ambos têm uma "vida merda", e que podem melhorar um pouco a "vida merda" um do outro. Isso pode até ser realista, mas não dá pra dizer que é uma relação empolgante. Além disso eles já se gostam logo de cara... Não há nenhum conflito interessante, nenhuma dúvida de que eles darão certo. A relação atual dele com a Dani Calabresa é errada demais pra representar qualquer empecilho.

- Não acho esse personagem da Clarice Falcão muito gostável ou convincente. É meio artificial ela se fazer de tonta/loser, ter um sub-emprego desse, sendo uma menina tão bonita, sofisticada. Não parece uma pessoa de carne e osso com a qual ele poderia ter um relacionamento, e sim alguém que está constantemente "fazendo tipo", escondendo a verdadeira identidade, as verdadeiras motivações (até o Duvivier que tem 2 personalidades parece mais real que ela).

- O conflito do flime não funciona muito bem. De um lado, ele tem uma vida totalmente chata, um emprego que detesta, uma mulher que detesta. Do outro uma vida maravilhosa ao lado de uma mulher que gosta. Pra ter a garota que ele quer, ele precisa abandonar a outra vida por completo? Não basta se separar da Dani Calabresa? Tem que perder o emprego também? A Clarice não pode mudar pra São Paulo? O Duvivier, sendo rico e filho do dono da empresa, não pode conseguir um trabalho melhor?

- Outros clichês de comédia inseridos de maneira forçada: ele tendo que dançar zumba pra conversar com a namorada na aula; ele no avião dividido entre as 2 personalidades, uma lutando contra a outra.

- O discurso final é muito óbvio. A mensagem do filme é extremamente simples, didática, mas apesar disso ele se acha profundo o bastante pra precisar mastigar tudo pra plateia no fim, explicando o significado da história de maneira verbal e inconfundível. Não sobra nenhum subtexto, nada pra plateia conectar ou concluir sozinha.

------------------

CONCLUSÃO: Alguns atores divertidos, mas o romance não empolga, o humor não é dos mais inspirados, e a história é previsível, construída em cima de conflitos desinteressantes.

Desculpe o Transtorno / Brasil / 2016 / Tomás Portella

FILMES PARECIDOS: Entre Abelhas (2015) / A Vida Secreta de Walter Mitty (2013) / Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004)

NOTA: 4.5

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Bruxa de Blair

NOTAS DA SESSÃO:

- Os personagens são desinteressantes, sem personalidade (em particular o protagonista), e não são tão realistas e naturais quanto os do original, que realmente pareciam amigos, tinham personalidades definidas, etc. O filme não consegue chegar naquele grau de realismo (as entrevistas super convincentes com as pessoas na cidade, etc).

- O filme repete exatamente a estrutura do original, apenas com mais gente e com câmeras mais modernas. A mesma sequência de eventos parece acontecer: alguém some do meio da noite; os protagonistas ficam gritando o nome da pessoa; eles acordam no dia seguinte e a cabana está cercada por aquelas macumbas; conflitos surgem entre os amigos; eles descobrem que estão andando em círculos, etc, etc.

- Os sustos em geral são irritantes e forçados. As pessoas estão sempre aparecendo subitamente na frente dos personagens sem nenhuma lógica só pra assustar a plateia.

- Bizarro esse bicho dentro do pé da menina!!! O que isso tem a ver com a bruxa? As coisas tão começando a ficar mais interessantes - ou pelo menos menos previsíveis.

- Essa câmera subjetiva no meio da floresta apenas com iluminação da lanterna é desesperadora (ainda mais com esses personagens gritando, fazendo barulho, se expondo quando sabemos que há algo maligno ali). A cena em que o negro é atacado na floresta é bem tensa (os efeitos sonoros do filme são ótimos)! É legal que nesse filme algumas coisas de fato acontecem - se fosse igual ao primeiro onde nunca vemos nada até o final, seria meio frustrante (e ainda assim eles conseguem manter certo mistério, sem revelar de fato o que é o "monstro").

- SPOILER: Impressionado com o momento em que a Talia e o Lane aparecem sujos dizendo que estão há 5 dias na floresta! To começando a ficar com medo desse filme. Na primeira parte ele estava indo muito na linha do filme original, mas agora ele começou a explorar esse conceito de realidade distorcida e ficou bem assustador. É uma representação de medo com a qual eu pelo menos consigo me identificar (especialmente depois da minha experiência com ácido lisérgico). Eu não tenho medo nenhum de filmes que envolvem espíritos, conceitos que vêm de religião, etc - mas aqui o horror é simplesmente um senso de confusão, de desespero, de perda da noção do tempo, do espaço, da objetividade, com uma presença oculta e maligna por trás de tudo.

-  SPOILER: Muito bem feito (e nojento!!!) o bicho saindo da perna da menina.

- Meio falso a menina escalar a árvore machucada no meio da noite pra pegar o drone.

- Toda a sequência na casa é bem apavorante (a câmera subjetiva com as portas se abrindo, etc). Teve 1 ou 2 momentos nessa parte em que eu cheguei a berrar na sala! Rss.

- SPOILER: A menina passando pelo túnel é agonizante (lembra Abismo do Medo). Há poucos cortes, então realmente nos sentimos lá dentro presos com ela (parece que o diretor resolveu pegar todas as ideias mais desesperadoras que ele já viu nos filmes e juntar numa história só, rs).

- SPOILER: O clímax com os 2 no canto também funciona - o filme copia a estrutura do A Bruxa de Blair original, mas acrescenta esses elementos de realidade paralela que dão um novo sabor à história.

------------------

CONCLUSÃO: Artificial e pouco inventivo no começo, mas da metade pra frente se torna uma das experiências de terror mais viscerais que eu pessoalmente tive nos últimos tempos.

Blair Witch / EUA / 2016 / Adam Wingard

FILMES PARECIDOS: A Morte do Demônio (2013) / Sobrenatural (2010) / Abismo do Medo (2005)

NOTA: 7.3

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O Peso do Silêncio

Um dos filmes mais ridículos e desonestos que já vi. O "documentário" (que foi indicado ao Oscar e tem 96% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes) pretende denunciar o golpe militar que houve na Indonésia nos anos 60, onde milhares de supostos comunistas foram assassinados. O protagonista é um rapaz que teve membros de sua família mortos pelos militares na época, e que agora, décadas depois, decide ir atrás dos responsáveis (já idosos) para confrontá-los diante das câmeras. Uma ideia bastante ousada pra um documentário, exceto que tudo o que vemos na tela é uma farsa: todos as pessoas estão fingindo, e tudo o que acontece foi ensaiado e gravado como em um longa normal de ficção.

Eu tenho certa experiência com sets de filmagem e posso dizer, melhor do que a maior parte da população, o que é uma cena real e o que é uma cena ensaiada (baseado não só no comportamento das pessoas, mas também em questões técnicas como fotografia, edição, som, etc). Venho reclamando cada vez mais disso, que acho ser o aspecto mais assustador do cinema e da TV hoje em dia - a maneira descarada com que os produtores enganam o espectador, fingindo que algo armado está de fato acontecendo. Não sei se o mais assustador é eles estarem fazendo isso de maneira tão oficializada, ou se é o fato de praticamente ninguém do público perceber ou se importar!

Esse foi o motivo pelo qual dei nota 0.0 praquele filme Vovô Sem Vergonha do Jackass - a diferença é que em Vovô Sem Vergonha a situação era mais inocente. A intenção dos cineastas era apenas a de fazer a plateia rir e se divertir por algumas horas. Aqui, a farsa toda já tem um objetivo bem mais maligno: criar simpatia pelo comunismo e retratar seus opositores como assassinos religiosos perversos que matam por prazer e bebem o sangue de suas vítimas. E o culpado de tudo quem é? Os EUA, claro. Em uma determinada cena, um dos assassinos diz com todas as palavras: "nós fizemos isso tudo porque os EUA nos ensinaram a odiar os comunistas" (!).

Coisas para reparar no filme:

- Nas conversas entre o protagonista e os assassinos, repare nos inúmeros ângulos de câmera que são usados pra registrar as cenas, e lembre-se que pra cada ângulo, teria que haver uma câmera diferente (e uma câmera acabaria pegando a outra se fosse esse o caso, afinal algumas teriam que estar bem perto do rosto do entrevistado, e seriam vistas pelas câmeras que pegam a cena mais de longe). Ou (se só houvesse 1 câmera) teria que haver uma pausa longa na conversa toda vez que a câmera mudasse de ângulo. De qualquer jeito, não é possível, pela forma em que o filme é gravado, que essas conversas não sejam ensaiadas e dirigidas.

- Pense no quão provável é o cineasta conseguir convencer não só 1, mas 3, 4, 5 pessoas a confessarem alegremente diante de câmeras que elas são assassinas cruéis, e a descrever como matavam suas vítimas para o deleite do espectador (lembrando que eles estão falando isso tudo pra alguém que teve sua própria família morta por eles).

- Repare no comportamento incoerente dos supostos criminosos. Como eles perdem todos os "argumentos" facilmente, ou como às vezes eles sorriem sem motivo após dizerem algo extremamente sério, como uma criança que não consegue se brincar de ficar séria por muito tempo sem deixar escapar uma risada.

- Será que esse protagonista é de fato oculista (ou sei lá o que ele faz)? E que todos os criminosos estariam precisando de exame de vista coincidentemente na época das gravações? Ou será que o diretor simplesmente achou que ficaria "cool" esteticamente essas imagens como a do cartaz?

- Dê uma procurada no Google nos nomes dos responsáveis pelas mortes (Amir Hasan, Inong, Amir Siahaan...) ou então no nome do rio onde aconteceu o grande massacre ("Snake River"). Não achei nenhum Snake River na Indonésia (há um nos EUA) e os nomes dos "chefões" só aparecem em matérias relacionadas ao próprio documentário.

- Repare nas cenas em que o protagonista assiste TV (os vídeos "antigos" dos assassinos mostrando como matavam). Esses vídeos não são antigos. Aposto um rim que eles foram gravados na mesma época do documentário, e depois o diretor simplesmente aplicou um filtro e deixou a imagem quadrada pra parecer algo feito no passado, dando mais "autenticidade" pras imagens. Uma das evidências disso é que os homens que aparecem nesses vídeos "antigos" não envelhecem nada depois quando aparecem no tempo presente do documentário, sendo entrevistadas pelo protagonista (em 2 casos os caras estão usando toucas no presente, provavelmente pra disfarçar que o cabelo está igual ao do vídeo gravado uns 15 anos antes).

O filme inteiro é uma farsa tão ridícula que eu poderia ficar horas aqui listando tudo de absurdo que se vê nas entrelinhas. Pensei até em fazer um vídeo destrinchando o filme cena a cena, mas não tenho paciência nem tecnologia pra fazer isso direito.

E o mais revoltante é que as pessoas celebram uma monstruosidade dessa por sua "humanidade". Há uma cena numa escola onde o filme expõe um professor que mente pras crianças a respeito dos comunistas, os retratando como monstros, etc. Qual é a ética de se fazer isso, quando o próprio documentário está fazendo a mesma coisa, só que com os anti-comunistas?

Pegue as cenas onde o filme registra a rotina do idoso de quase 100 anos em sua casa (uma das vítimas, portanto alguém por quem o filme simpatiza), mostrando ele tomando banho, o pênis aparecendo, ele se rastejando pelo chão e mostrando demência (num quarto iluminado artificialmente pela produção)... Você exporia alguém que você respeita dessa forma tão humilhante? Por que expor um idoso frágil e miserável sob a luz menos elogiosa possível é algo "humano", "artístico"?

Fiquei me perguntando que tipo de ser humano faria um filme como esse... Mas quando vi o primeiro vídeo do cineasta Joshua Oppenheimer no YouTube, um frio me subiu pela espinha que pareceu responder todas as perguntas (Ele teve a cara de pau de gravar um vídeo falando sobre a importância da autenticidade! Repare no ato-falho no segundo 0:15, quando ele confunde "lie" com "truth").

Atualmente o filme está disponível na Netflix e eu recomendo que todos o assistam, no mínimo como um exercício de atenção e ceticismo.

----------------------

The Look of Silence / Dinamarca, Indonesia, etc. / 2014 / Joshua Oppenheimer

FILMES PARECIDOS: O Sal da Terra

NOTA: 0.0

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Cães de Guerra


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- Não gosto da visão de mundo cínica do filme (o homem é corrupto, guerra é lucro, etc). E ele deixa bem claro que é voltado para o público masculino, jovem, branco, conservador, que se julga superior ao resto da humanidade. Os negros que aparecem no filme são bandidos. Os idosos são inválidos em asilos que não merecem atenção. A mulher que aparece só serve pra engravidar e ficar em casa aguardando o marido. O gay que aparece é um cara patético tentando seduzir o protagonista (na cena da massagem). Não que o filme seja imoral necessariamente, mas já dá pra saber que estamos lidando com uma inteligência limitada.

- Miles Teller e Jonah Hill estão ótimos como sempre e têm boa química - embora sejam personagens tolos, com valores baixos (principalmente o Jonah Hill) e o filme irrite um pouco por retratá-los como pessoas carismáticas, mais ou menos como O Lobo de Wall Street (e a mensagem aqui é a mesma: o homem é imoral, o capitalismo é mau, poder corrompe, etc). O Miles Teller pelo menos nunca se corrompe totalmente, está sempre questionando o que eles estão fazendo, então ainda dá pra torcer por ele.

- A história é bem contada, interessante, até pelo fato de ser verídica e de certa forma ser uma história de aventura, sucesso, curiosa pra quem gosta de negócios, etc (a maneira como eles negociam a venda das Berettas, lidam com os imprevistos, se arriscam no Oriente Médio, etc). De qualquer forma é uma visão cínica de negócios - a ideia de que apenas os malandros vencem, que não basta ser honesto e criar algo de valor, etc.

- O filme também exalta a guerra, como se fosse uma grande diversão pros personagens estarem passando por situações de perigo, lidando com terroristas, traficando armas, fazendo coisas de "macho" que poderão contar pros netos depois ("Viva a America de Dick Cheney!"). Mostra dinheiro e o "sonho americano" como algo vulgar - assim que eles ficam ricos eles começam a gastar loucamente, cheirar cocaína, viver sem escrúpulos, etc.

- SPOILER: No começo faltava um conflito maior pra história (o maior risco que o protagonista corria de fato era o de perder o negócio e ter que voltar pra sua vida normal, o que não seria tão trágico assim). Mas mais pra frente as coisas ficam mais intensas e o filme melhora - a amizade dele com o Jonah Hill começa a entrar em perigo, a esposa ameaça ir embora, ao falsificar a munição chinesa eles passam a correr o risco de serem presos, etc.

- Hilário eles fechando negócio (por 100 mil dólares) com o cara que vai trocar as munições de embalagem.

- SPOILER: O Miles Teller se redime mais pro fim, quando decide sair do negócio, voltar pro seu antigo trabalho, para de mentir pra esposa, paga certo preço pelo que fez (fica em prisão domiciliar, etc). Por isso é possível ficar feliz por ele quando ele ganha o dinheiro do Bradley Cooper no final. Mas claro, a mensagem ainda é chata e cínica. A letra da música que toca nos créditos ("Everybody Knows") resume bem o Senso de Vida do filme - "Todo mundo sabe que a luta foi arranjada... que o jogo foi trapaceado... que os mocinhos perderam... que os ricos ficam ricos e os pobres continuam pobres...". O que irrita no filme é que ele é tudo aquilo que ele pretende criticar... O filme admira a guerra, é machista (vide o que falei no começo), gosta de dinheiro, mas conta uma história que aparentemente critica esses "valores republicanos" (talvez por culpa?).

------------------

CONCLUSÃO: História interessante, bem contada, mas com valores questionáveis e sem nada de muito original ou memorável esteticamente.

War Dogs / EUA / 2016 / Todd Phillips

FILMES PARECIDOS: A Grande Aposta (2015) / O Lobo de Wall Street (2013) / Selvagens (2012) / O Senhor das Armas (2005)

NOTA: 6.5

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

O Homem nas Trevas

NOTAS DA SESSÃO:

- Acho difícil de acreditar nesses filmes com jovens aparentemente saudáveis, bem criados que são bandidos. O que os levou a essa vida? Mas mesmo que faça sentido, não dá pra gente se identificar e torcer pelos protagonistas. O filme tenta criar certa empatia por eles mostrando a menina cuidando da irmã, revelando seus dramas familiares, mas nada disso justifica o fato dela ser uma criminosa. Enquanto os personagens não considerarem que o que eles estão fazendo é imoral, não vai dar pra plateia se colocar no lugar deles.

- "Jump scare" gratuito e idiota: o cachorro pulando na janela do carro.

- A casa do cego não é convincente. Por que todas as lâmpadas funcionam? Por que há porta retratos na casa inteira se ele não pode ver?

- Por que o Alex fica com medo quando descobre que o amigo tem uma arma? Eles já estão assaltando uma casa! Drogaram o dono! O amigo ter uma arma não torna a situação mais criminosa do que já é. Comportamento falso.

- SPOILER: Ridículo o cego conseguir tirar a arma do cara e matá-lo! E a amiga fica parada sem fazer nada? Essa premissa toda é forçada e inacreditável. Por que eles simplesmente não esfaqueiam o cara pelas costas?

- Ao mesmo tempo em que o filme quer retratar o cego como um "super-homem" que sabe de tudo mesmo sem enxergar (sente de longe o cheiro dos tênis, etc), em vários momentos o cego não percebe a presença clara de alguém no ambiente, mesmo com a pessoa fazendo barulho, respirando, etc.

- Já era óbvio que havia mais de 1 assaltante na casa. Por que o cego abre o cofre e expõe todo o dinheiro, sabendo que poderia haver mais gente na casa além do cara que ele matou?

- Não dá pra torcer pelos protagonistas, afinal eles são criminosos sem nenhuma justificativa, e também não dá pra torcer pelo antagonista, que apesar de ser uma vítima, é retratado como um monstro, não como uma pessoa real com a qual a gente possa se identificar. Ou seja, o filme é sobre um grupo de pessoas detestáveis em conflito, não há nada de positivo pra ser apreciado.

- Por que é tão difícil sair dessa casa? Precisam ir pelo porão? E as janelas? E a porta? Não tem chave? Ninguém ouve os tiros e chama a polícia? Ah, claro, o filme explicou que todas as casas da rua estão abandonadas por alguma razão...

- SPOILER: Que história é essa da mulher presa no porão?? Por que ela tem um recorte de jornal explicando a história dela? Como o cara conseguiu prendê-la e fazer isso tudo sendo cego? O filme é um insulto à inteligência da plateia. Nada mais irritante do que um filme burro que tenta se vender como criativo, engenhoso, etc.

- Se as janelas todas tinham grades, como o Alex conseguiu cair pela janela? E se dava pra sair pela janela, por que a menina iria entrar no sistema de ventilação?

- SPOILER: O cego vai fazer uma inseminação artificial na menina??? Por que ele tem reservas de sêmen em casa???

- "Não há nada que um homem não possa fazer quando ele aceita que não há Deus". Claro, a maldade do cego vem do fato dele ser ateu! A estupidez filosófica do filme combina com a estupidez da trama.

- O final todo com o cachorro, etc, nem merece ser comentado.

------------------

CONCLUSÃO: Dirigido com entusiasmo e em certos aspectos divertido, mas uma das histórias mais idiotas que já conheceram as telas.

Don't Breathe / EUA / 2016 / Fede Alvarez

FILMES PARECIDOS: Quando as Luzes se Apagam (2016) / Demônio (2010) / Os Estranhos (2008) / Vôo Noturno (2005)

NOTA: 4.0

domingo, 4 de setembro de 2016

Star Trek: Sem Fronteiras

NOTAS DA SESSÃO:

- O filme começa com um tom ligeiramente mais tolo, menos sofisticado que o dos últimos 2 (a luta com aquelas criaturas no início, a atitude mais cômica do Kirk, etc).

- Acho legal que o filme cria espaço pra apresentar o protagonista mesmo a gente já o conhecendo dos outros filmes: estabelecendo como é sua nova rotina, abordando questões emocionais como a morte do pai, como isso interfere em seus atuais objetivos, etc. Muitas franquias esquecem que cada filme é uma nova experiência, e que a conexão com os personagens tem que ser reestabelecida.

- Chocado que a Enterprise foi destruída! Essa sequência do ataque é um pouco longa e as cenas de ação do filme em geral não são das melhores, mas pelo menos é uma mudança dramática na situação dos personagens e cria uma motivação pra história (embora seja um pouco daquilo que eu reclamo, quando o herói não está buscando algo de positivo e atraente no filme, apenas tentando desfazer um mal ou uma situação ruim provocada pelos vilões).

- Os cenários, o estilo de direção, o ritmo, tudo parece ligeiramente retrô e às vezes até precário, como se fosse algo feito nos anos 70, 80, o que acaba dando certo frescor pro filme (ele não está copiando a estética de todos os blockbusters atuais). Há tempo pra diálogos mais abstratos, cenas com planos mais longos, e há uma leveza também que se vê na relação entre os personagens, na trilha sonora, que remete a coisas do passado e se distancia um pouco do Senso de Vida atual.

- O roteiro perde força depois que eles caem no planeta. Nada de muito interessante acontece por lá até que eles saem do planeta e voltam pra Yorktown pra salvar a cidade no final - e isso é TODO o miolo do filme (eles não passam por uma aventura marcante, não há cenas de ação memoráveis, a história do artefato é chata, o vilão é extremamente genérico, etc).

- SPOILER: Esse monte de naves que parece um enxame da abelhas não formam um "monstro" interessante. E elas são destruídas muito facilmente quando os heróis têm a sacada de usar ondas de rádio pra bagunçar o sinal delas. E por que elas explodem?

- SPOILER: Como a Uhura sacou que o Krall é na verdade o Edison? Só vendo o vídeo na TV? E por que esse vídeo tava passando? Meio forçado isso tudo. E não chega a ser uma revelação impactante. A gente nem sabia quem era esse Edison pra ficar surpreso com a descoberta. E o vilão fica até mais fraco agora que sabemos que ele é humano. A motivação dele é boba. Ele não guardaria esse ódio todo contra a Federação por tanto tempo. Teria que haver uma rivalidade mais convincente, entre ele e alguém específico. 

- Divertida a cena em que eles lutam sem gravidade (referências a A Origem?). 

- Fraca a maneira como morre o vilão. Nem dá pra entender direito o que aconteceu visualmente.

- Os toques de nostalgia e referências à série clássica são sempre bem vindos no final. 

------------------

CONCLUSÃO: Mais fraco que os últimos 2, mas ainda assim agradável pelo elenco, pela atmosfera, e por preservar um senso mínimo de caracterização e narrativa.

Star Trek Beyond / EUA / 2016 / Justin Lin

FILMES PARECIDOS: X-Men: Apocalipse (2016) / Star Wars: O Despertar da Força (2015) / Além da Escuridão: Star Trek (2013) / Prometheus (2012) / Star Trek (2009)

NOTA: 6.5

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Aquarius


(Esta crítica está no formato de anotações - os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- Legal a maneira do filme apresentar a história do apartamento (o que será importante depois pra justificar o apego da personagem ao lugar). O apartamento realmente ganha vida, parece fazer parte da história dessas pessoas. Até os móveis têm personalidade (chocado com as lembranças que a avó tem da cômoda enquanto os netos fazem a homenagem - a classificação 18 anos não tinha sido um exagero não!).

- Bizarro esse exercício de respiração na praia, todos deitados um em cima do outro. O cineasta tem estilo e retrata as coisas de maneira diferente, o que torna o filme mais interessante do que obras Naturalistas em geral.

- Me irrita um pouco que tudo no filme tenha um subtexto político. Vários detalhes são inseridos de maneira meio forçada só pra mostrar que a Sonia Braga (apesar de ter dinheiro) é uma mulher "do povo", que trata bem os empregados, se mistura com os pobres, aceita o filho gay, etc. E quando surge o Diego (o "vilão" da construtora - o coxinha, capitalista, etc), nós sabemos que ele está ali só pra representar tudo o que o cineasta odeia na sociedade. Não há nada de errado com a avaliação que o filme faz desses personagens em particular (a Sonia Braga realmente parece uma mulher admirável e o cara da construtora é de fato odioso), mas fica a sensação de que o filme é motivado primeiramente por ódio, e não pelo desejo de criar algo positivo pra plateia. Ele quer incitar ódio não apenas contra esse vilão em particular, mas contra "burgueses" em geral. Por exemplo, mostrando ricos como traficantes de droga na praia (o que é meio contraditório - a própria Sonia Braga não é uma mulher rica que fuma maconha?).

- A Sonia Braga está muito bem. É daquelas performances onde a atriz parece estar interpretando a si mesma, mas não deixa de ter o seu mérito. Há momentos de muita sutileza e autenticidade. E a personagem está certíssima em não querer vender seu apartamento. É direito dela, ela faz o que quiser com sua propriedade.

- Surreal a cena em que a personagem está dançando e a rede do prédio ao lado passa pela janela. O cineasta às vezes coloca estilo acima de conteúdo, mas não deixa de ser curioso.

- Naturalismo. Há muitas cenas irrelevantes, que servem só pra explorar a caracterização da personagem (ela indo ao baile com as amigas, ouvindo música, tocando piano, indo ao cemitério, etc). E daí, só a cada 10 ou 20 minutos acontece algum evento que realmente progride a "trama". É o que o Robert McKee chama de "minimalismo" ou "mini-plot". Mas o filme não chega a ficar totalmente chato, afinal a protagonista é interessante e o estilo do cineasta também ajuda.

- Mais ódio: a filha da Sonia Braga consegue ser um personagem quase tão detestável quanto o do vilão.

- SPOILER: Chocante a orgia no andar de cima. Ou mesmo a cena em que a Sonia Braga transa com o garoto de programa. O filme é cheio de imagens chocantes, o que não torna o filme necessariamente melhor, mas pelo menos o impede de se tornar monótono (o casal fazendo sexo na grama, ou até a fralda suja do bebê, etc).

- Quando há o grande bate boca entre a Sonia Braga e o Diego no estacionamento, ela se mostra pela primeira vez meio tola e preconceituosa. No fundo ela parece estar falando tudo o que o cineasta gostaria de falar pra essa "gente". A cena acaba tirando um pouco da nobreza e maturidade da protagonista, pois ela generaliza e condena não apenas o comportamento do Diego, mas de toda a "raça" dele.

- Só nos últimos 20 minutos a história começa a ganhar mais ritmo (ela resolve ir atrás dos papéis pra se defender contra a construtora, etc).

- SPOILER: Como reviravolta de roteiro, é interessante a ideia do cupim (mas existe mesmo um cupim capaz de demolir prédios?!?!). O final na construtora também é vagamente satisfatório.

------------------

CONCLUSÃO: Não sou fã do Naturalismo, não gosto do sentimento de ódio que permeia a história, mas ainda assim é um filme respeitável, com uma performance marcante da Sonia Braga e uma direção cheia de personalidade.

Aquarius / Brasil, França / 2016 / Kleber Mendonça Filho

FILMES PARECIDOS: Boi Neon / O Lobo Atrás da Porta / O Som ao Redor

NOTA: 6.0