segunda-feira, 10 de abril de 2017

A Cabana


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir são baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- O filme começa bem - tem um visual bonito, o mistério da carta e o sumiço da filha prendem a atenção, o protagonista é gostável e dá abertura pro espectador não-religioso se identificar com ele (por mostrar que tem senso crítico, que tem questionamentos a respeito de Deus, etc).

- Meio forçado ele ser levado de helicóptero até a cabana pra ver a cena do crime. De qualquer forma, é uma cena forte que cria uma base sólida pra história.

- Todo o trecho da volta dele à cabana é bem interessante: a mudança no clima, a cabana restaurada, a ideia dos 3 personagens representarem o pai, o filho e o espírito santo, etc. E a reação do protagonista é convincente, faz a gente comprar a ideia do que está acontecendo.

- O problema é que daí pra frente o filme começa a entrar em questões mais "técnicas" da religião e vai perdendo a força. O Sam Worthington levanta um ponto interessante quando pergunta pra Octavia Spencer por que Deus permitiu que a filha dele morresse de forma tão cruel, etc. Daí ela faz cara de sábia, diz uma série de frases confusas, e não responde nada.

- Por se basear em religião, o filme também acaba promovendo algumas ideias nocivas intelectualmente: a de que não devemos julgar o que é certo ou errado, que Deus é a única autoridade em questões éticas, que precisamos do sobrenatural pra termos qualquer senso de otimismo, etc.

- Um absurdo a cena da caverna com a Alice Braga. O que ela diz basicamente é que ninguém é culpado de nada - se um homem comete um assassinato, é porque seus pais devem ter tratado ele mal na infância, e assim por diante.

- O que prova o desafio que ela coloca pro Sam Worthington, de ter que escolher entre os dois filhos? O filme fica criando uns "twists" mentais pra confundir o espectador e conseguir se safar sem responder as questões difíceis. No fim nada é esclarecido, ficamos apenas confusos, com a sensação de que o universo é complexo demais pra entendermos, portanto melhor confiar no que Deus fala e parar de raciocinar.

- A Octavia Spencer no fim diz que o mal existe porque é obra do demônio, não de Deus. Então Deus não é todo poderoso? Não pode proteger quem acredita nele? Então por que a ideia Deus deveria dar conforto pra qualquer pessoa, já que ele não pode parar as forças do mal?

- Toda essa conversa não ajudou em nada o protagonista a superar a morte da filha. Não foram os ensinamentos que ajudaram ele no final, e sim o fato de que ele teve o privilégio de falar pessoalmente com Deus, teve a prova de que existe vida após a morte, pôde VER a filha com os próprios olhos e saber que ela está feliz no paraíso, etc. Assim qualquer um ficaria curado do sofrimento. Mas e todo o resto da humanidade que nunca terá esse tipo de experiência? Outro problema é que isso reforça a ideia de que, sem o sobrenatural, a realidade seria trágica e não haveria como ser verdadeiramente feliz.

- Não fica claro qual o propósito do reencontro dele com o pai. O filme é sobre a morte da filha. Encontrar o espírito do pai não tem nada a ver com a história - é só pra ter mais um momento de catarse e dar a impressão que a experiência na cabana foi ainda mais transformadora.

- Um absurdo ele ter que perdoar o assassino da filha. Não sentimos que houve uma real compreensão aqui da parte dele. Ele só perdoou o cara porque foi pressionado por Deus, mas foram palavras vazias.

- SPOILER: Como narrativa é interessante esse final meio Contato mostrando que ele nem chegou a voltar à cabana - que ele sofreu um acidente no caminho e tudo o que rolou aconteceu na cabeça dele. Ainda assim, é o velho apelo pro subjetivismo - Deus não pode ser provado, é tudo uma experiência pessoal, se a fé curou sua tristeza isso já prova que ela é real, etc. Saímos do cinema com as mesmas dúvidas que entramos.

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CONCLUSÃO: Bem realizado e com um começo envolvente, mas perde a força quando começa a querer justificar a religião racionalmente e a dar lições de autoajuda.

The Shack / EUA / 2017 / Stuart Hazeldine

FILMES PARECIDOS: Além da Vida (2010) / Um Olhar do Paraíso (2009) / Amor Além da Vida (1998)

NOTA: 5.5

4 comentários:

Karina disse...

Oi Caio! A cena dos filhos achei que queria mostrar que Deus não pode proteger todos sempre ao mesmo tempo, que assim como ele não conseguiu escolher um filho, Deus às vezes tbém não poderia, e talvez nessa hora a Missy tenha sido "abandonada" por Deus. O lance do pai dele achei que se relacionava por tratar muito a questão do perdão, mas tbém achei too much a justificativa dos erros de alguém nos seus pais até Adão, rs. Tbém concordo que ele não estava pronto e nem queria perdoar o assassino, o que esvazia o sentido do perdão.

Caio Amaral disse...

Oi Karina.. acho sempre difícil de conciliar a ideia de um Deus Todo Poderoso com esses problemas mundanos.. ter que sacrificar uma coisa em nome de outra, etc... Mas enfim... Se comparado com Deus Não Está Morto até que é um filme bem decente, hehe.

Dood disse...

Na verdade esse tipo de filme desfavorece a existência de um Deus assim.

Caio Amaral disse...

Difícil representar um Deus convincente né.. em qq filme..