sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Bingo - O Rei das Manhãs

NOTAS DA SESSÃO:

- Independentemente do filme ser bem feito ou não, ele já começa ganhando só por causa da premissa, por ter pego uma história tão curiosa pra contar, por se passar nesse ambiente fascinante que era a TV infantil brasileira dos anos 80/90. Só que além de ser uma das melhores ideias do cinema nacional dos últimos anos, é também o filme nacional mais bem realizado dos últimos anos. Tudo é um acerto, desde a performance fenomenal do Vladimir Brichta, até a trilha sonora 80's, a direção de arte, os efeitos gráficos fazendo referências a VHS, a fotografia, edição, etc. É uma produção nível Oscar certamente.

- Ótimo o começo. O filme engana o espectador dando a impressão que o Vladimir já é o Bingo e está prestes a entrar no ar, quando de repente descobrimos que é uma pornochanchada (o toque do filho estar presente torna tudo ainda mais cômico). O personagem é ótimo (ele improvisando falas na cena da novela pra ter mais tempo no ar, etc). Todas as peças do roteiro estão bem posicionadas: o personagem é gostável, tem um talento especial não reconhecido, está numa situação difícil, sabemos qual o desejo dele (é legal o diálogo com a mãe, quando ela diz que eles são como mariposas e precisam de "luz" = holofotes).

- Muito boa a cena da audição pro Bingo. A gente acredita na reação da equipe, pois vimos o Vladimir de fato fazer algo brilhante e inesperado em frente às câmeras. O filme mostra pra plateia por que o personagem é especial, por que ele se destaca dos outros e merece nossa atenção (não é como em O Palhaço, por exemplo, onde as crianças dão risada do Selton Mello no circo, mas nós no cinema não vemos graça nenhuma).

- Fantástica essa autoconfiança do personagem (ele querendo mudar o roteiro, discutindo com os produtores do programa, etc) - é como se ele estivesse num outro plano de consciência. Um cara como esse num ambiente tão quadrado e cheio de regras é uma situação divertida que automaticamente gera uma série de conflitos e cria interesse pela história (mais tarde quando ele usa drogas na igreja é mais um bom uso de contraste - de colocar o personagem num ambiente conservador pra enfatizar o comportamento libertino).

- As cenas dos primeiros programas ao vivo (quando ele começa a fugir do script) são muito boas. Só é meio desnecessário mostrar ele ir treinar humor com um palhaço de circo. O problema das crianças não estarem rindo não é o de ele não ser engraçado, e sim o fato do roteiro do programa ser ruim e ele não poder improvisar. Ele ir treinar com um palhaço profissional dá a impressão que ele ainda não estava seguro pra estrelar o programa, o que não é verdade.

- SPOILER: Vários momentos hilários durante os programas: o Bingo tocando "eu fui dar, mamãe" ao vivo, a ligação do menino que xinga ele pelo telefone, etc. E é legal que apesar do show dar certo, ainda sentimos que o filme está crescendo, que eles ainda não chegaram no auge, pois o programa ainda não tem a audiência ideal, eles precisam inovar, etc.

- SPOILER: Demais ele levar a Gretchen no programa. Ou depois se "vingando" da Xuxa. O filme é um sonho em termos de referências pop (toca "Tudo Pode Mudar" do Metrô!). É uma ideia divertida após a outra. E como é bom lembrar dessa época em que os programas infantis entendiam que crianças não são politicamente corretas.

- A dinâmica entre o Vladimir e a Leandra Leal é legal (ela dividida entre seu autocontrole e o encanto por ele). Na cena do restaurante, quando ela fala que sente prazer em dizer o nome de Jesus, ela realmente convence como uma mulher religiosa - se defende como um religioso inteligente realmente se defenderia, não parece uma personagem caricata.

- Não sou muito fã dessa estrutura típica de filmes biográficos, pois o terceiro ato costuma ser sempre sobre a decadência, e a história perde energia. Já vimos tudo o que tínhamos pra ver de bom, agora é só acompanhar o personagem se perdendo nas drogas, começando a fazer besteiras no trabalho, perdendo tudo o que conquistou, etc. O filme não chega a se tornar pessimista, mas é aquela atitude tediosa de mostrar os males do sucesso (o roteirista Luiz Bolognese também escreveu Elis que tinha o mesmo formato).

- O Vladimir tem aquela ideia de estrelar uma nova novela, mas depois o assunto é esquecido pelo roteiro.

- Muito boa a imagem da mãe do Vladimir indo embora derrotada pelo corredor da casa, enquanto do lado esquerdo da tela vemos a pintura dela nos tempos áureos. É o tipo de direção eficaz, que transmite ideias pra plateia de maneira objetiva.

- Os acontecimentos paralelos à trama principal (a morte da mãe, o drama do filho) não soam supérfluos como em muitos filmes biográficos, afinal estão todos conectados ao tema do filme, à questão do sucesso, do preço da fama (a mãe também era artista, etc).

- SPOILER: Quando ele é substituído por outro palhaço e é mandado embora, a cena é muito bem dirigida, econômica. Entendemos tudo visualmente, sem a necessidade de 1 palavra.

- Mesmo nesse ato final (que não é tão bom quanto o resto do filme), o filme tem algumas cenas interessantes. O filho bebendo whisky pra tentar se aproximar do pai... O soco que o Vladimir dá na TV é muito bem feito...

- SPOILER: Pelo menos o final não é uma derrota completa - ele decide voltar pros "palcos", há um pseudo final feliz... A ideia do tecido no fundo da igreja se parecer com o cabelo do Bingo é interessante, mas não foi usada da melhor forma. Se o personagem tivesse se transformado num cara totalmente diferente, tivessem se passado muitos anos, e aquele pano azul no fundo fosse um comentário sobre o passado, daí seria melhor. Como ele continua se vestindo de palhaço, continua usando esse cabelo, essa sacada visual não tem tanta força. Mas isso é um detalhe insignificante que não tira em nada o mérito da direção, que foi excelente do começo ao fim.

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CONCLUSÃO: Um dos melhores filmes nacionais que já vi.

Bingo - O Rei das Manhãs / Brasil / 2017 / Daniel Rezende

FILMES PARECIDOS: Elis (2016) / Cidade de Deus (2002)

NOTA: 8.5

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