domingo, 22 de outubro de 2017

Doentes de Amor

NOTAS DA SESSÃO:

- Kumail não é um protagonista muito atraente. O personagem não tem talento como comediante, não é muito engraçado (os coadjuvantes que fazem stand-up com ele têm momentos bem melhores), nem bonito como par romântico, nem especialmente inteligente. No máximo fofo e realista (o que não é uma grande virtude).

- O filme tem certa sensibilidade ao retratar pessoas, relacionamentos, mas ainda dentro da premissa Naturalista de que realismo é mais importante que talento, imaginação, diversão, etc. Pegue por exemplo o início do romance entre Kumail e Emily: ele vai mostrar o filme favorito dele pra ela, e ela começa a achar um tédio, então eles desistem e resolvem fazer sexo. Certamente é algo que acontece na vida real, mas não é algo que torna o romance mais atraente pro espectador. Pelo contrário - sugere que eles não são tão compatíveis quanto gostariam, que ela não respeita o gosto dele o bastante nem pra assistir o filme até o final... E mesmo assim a relação segue em frente, pois "nada é perfeito", "a vida requer sacrifícios", etc.

- Constrangedor o show do Kumail sobre a vida dele no Paquistão! E é horrível de propósito - o filme parece achar legal o fato do protagonista ser um completo loser, um artista sem a menor vocação pro que está fazendo. Se o show fosse de um personagem coadjuvante sem importância, seria uma cena divertida, mas não há graça em ver o protagonista se humilhando dessa forma. É outro desses toques realistas que o filme acha que o tornam mais "maduro".

- De mau gosto a cena em que a Emily precisa ir ao banheiro no meio da noite. É mais realismo desnecessário que só serve pra desglamourizar o romance. Referências a fezes são aceitáveis em comédias escatológicas, em certos filmes cult feitos para chocar... Mas não num filme onde devemos admirar os personagens. Eu já tive um mau pressentimento em relação a esse filme desde que li o título (jamais colocaria "Sick" num título; falar de doença num espaço tão nobre, ainda mais num filme que pretende falar de amor).

- A história da doença de Emily surge apenas em 1 hora de filme, e é uma reviravolta desnecessária que não ajuda a desenvolver em nada o conflito central do filme (as diferenças pessoais e culturais entre o casal). Não é como em Enquanto Você Dormia, onde o fato do cara estar em coma era um elemento indispensável pra trama. A partir desse ponto, o filme abandona a história central do romance e foca na relação entre Kumail e os pais da Emily, o que não desenvolve em nada a história (há várias cenas aleatórias, como a briga da Holly Hunter no bar, etc). O conflito principal do filme era o fato do Kumail ser paquistanês e que sua família não permitiria que ele se casasse com Emily, uma americana. Dentro desse contexto, seria muito melhor pra história que o Kumail ficasse internado, forçando a Emily (a americana) a conviver com os pais paquistaneses dele - e aos poucos ir quebrando o preconceito da família. Isso serviria bem à trama. Agora o Kumail conviver com os pais da Emily não ajuda em nada o desenvolvimento da história. Os pais dela não eram um grande obstáculo pro romance, então tanto faz Kumail se tornar amigo deles ou não (pelo menos a Holly Hunter e o Ray Romano são presenças agradáveis no filme).

- O grande problema do filme é que ele é baseado numa história real, e escrito/atuado por pessoas reais que viveram a história. Eles estão partindo do princípio de que, como essa história realmente aconteceu, ela merece ser contada para o público, com todos os detalhes irrelevantes incluídos. Mas o público não está nem aí pra vida pessoal dos cineastas - a não ser que esses eventos sejam lapidados até formarem uma história envolvente e agradável de assistir, o que não é o caso.

- A paquistanesa bonita do casamento arranjado acaba parecendo mais interessante pro Kumail do que a Emily - que nem sabemos se gosta mais dele. Parece um desperdício ele rejeitar essa menina. O romance com a Emily não era tão especial assim pra gente torcer incondicionalmente pelo casal.

- A Emily vai ficar doente o filme inteiro? Qual o propósito dessa doença no filme? Pra que eu quero ficar horas vendo um loser num hospital esperando a "namorada" acordar do coma, pra daí talvez eles darem continuidade a um romance que já era bem meia-boca? Se fosse uma relação única, inesquecível, um casal fascinante, o espectador estaria envolvido, torcendo pro retorno dos dois. Mas não era! Essa sequência do hospital deveria ser uns 10 minutos de filme, uma breve crise no meio da história, e não o filme inteiro praticamente.

- Kumail tem uma série de atitudes tolas que vão tornando o personagem cada vez menos admirável. A forma como ele mente pra própria família, ou então a tolice de tentar impedir a mudança de hospital da Emily, como se ele tivesse direito de interferir na decisão dos pais dela. Ou então quando ele fica histérico no drive-thru e maltrata o funcionário do restaurante. Ou cena em que ele dá vexame no show de stand-up - ele destrói toda a diversão da plateia do show pra falar de seus dramas pessoais. Kumail parece achar um mérito entediar a plateia pra enfiar suas histórias pessoais goela dos outros abaixo... Lembra do "one man show" dele sobre sua vida no Paquistão? Bem, pense que o cara que criou aquele show horrível, não é apenas Kumail o personagem do filme, mas também Kumail, o ator/produtor/roteirista desse filme Doentes de Amor que estamos vendo agora!

- Quando Emily acorda do coma, ela não tem nenhuma vontade de ver Kumail ou de voltar a se relacionar com ele... Mas o filme acha que como Kumail se sacrificou tanto por ela enquanto ela estava no hospital, foi tão atencioso, que agora ele "merece" tê-la de volta, que a plateia estará automaticamente torcendo pelos dois. Eu não estou!

- Kumail mostra pra Emily tudo que ele fez enquanto ela estava em coma na tentativa de ganhá-la de volta (os cartões de visitante do hospital, etc). É uma atitude medíocre. Ele está dizendo "veja como eu gosto de você, como isso prova que eu me esforcei". Ele quer que Emily fique com ele não por ele ser um homem interessante, admirável, por ter um ótimo caráter, por ser honesto, por ela estar de fato interessada - mas simplesmente por ele desejá-la intensamente. Ele quer que ela se sacrifique, faça algo que não quer apenas em nome do sentimento dele - fique com ele por um ato de caridade, não por uma paixão pessoal autêntica.

- SPOILER: O filme tem uma atitude em relação ao amor que é anti-autoestima, anti-felicidade, baseada em altruísmo. Eles eram um casal comum, sem grandes compatibilidades, sem grande paixão... Daí, a menina ficou em coma, e por algum motivo, o fato dela ter adoecido fez com que Kumail se apaixonasse ainda mais por ela. Não virtudes novas que ele descobriu, mas o fato em si dela ter sofrido no hospital. Daí, depois que Emily acorda do coma, ela não está nem um pouco interessada em Kumail. Só que daí ela entra no YouTube e vê a apresentação horrível que ele fez no show de stand-up e que arruinou sua carreira... Agora, sensibilizada pela fraqueza, pela derrota e humilhação dele (não por novas virtudes que ela tenha descoberto), ela se apaixona de volta por Kumail e corre atrás dele!

- SPOILER: O reencontro final (quando Emily aparece no show dele em Nova York) soa falso. O filme todo era realista, enquanto isso já parece uma cena tirada de uma comédia romântica mais leve, escapista. Não combina com o relacionamento que tínhamos visto antes. A mudança de atitude dela foi muito rápida, sem fundamento (apenas viu um vídeo no YouTube). E eu como espectador não me emocionei, pois não tinha grandes motivos pra torcer por esse retorno.

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CONCLUSÃO: Tem bons atores e certa sensibilidade em termos de caracterizações, mas é uma história mal estruturada, mal desenvolvida, sobre um romance pouco empolgante.

The Big Sick / EUA / 2017 / Michael Showalter

FILMES PARECIDOS: O Bebê de Briget Jones (2016) / Ligeiramente Grávidos (2007) / Casamento Grego (2002)

NOTA: 4.0

2 comentários:

Anônimo disse...

Se o cara tivesse ficado com a paquistanesa, poderia até fazer sentido, mas o filme perderia seu apelo multicultural, que é a base de sua aclamação crítica, e de sua provável indicação a vários Oscars. Não seria o filme anti-Trump do momento.

Caio Amaral disse...

Ah sim.. começa a chegar o fim do ano, começam a surgir esses filmes levantando diversas bandeiras.. todos atrás da indicação ao Oscar, rs.