domingo, 26 de novembro de 2017

Boneco de Neve / O Livro de Henry

Sempre que um filme que tem tudo pra ser um sucesso subitamente recebe péssimas críticas e é mal recebido pelo público, eu fico ainda mais interessado em assistí-lo pra entender o que é que deu errado. Nesses casos, se o filme vai bem até a primeira meia hora, eu já sei que o problema estará em eventos específicos na história: um final frustrante, uma morte indesejada, uma reviravolta não convincente, etc. Será um problema de conteúdo. Mas no caso de Boneco de Neve, em 2 minutos de filme você já consegue perceber o que há de errado. Não é nada relativo à história, a algum acontecimento - e sim à maneira como a história é contada, à estética do filme como um todo - é um problema de estilo. Não estou dizendo que a história em si é excelente, e só foi arruinada pela direção... Se o filme tivesse sido dirigido de uma maneira mais convencional, ainda seria uma história de serial-killer tola, cheia de psicologia barata, reviravoltas forçadas, uma narrativa confusa, etc. Mas ainda estaria dentro de algo aceitável e familiar pro público (Garota Exemplar também tinha coisas forçadas, mas funcionava como entretenimento e foi um sucesso mesmo assim). Mas aqui, o cineasta estava tão preocupado em provar o quanto ele é autoral, o quanto estilo próprio ele tem, que ele acabou destruindo o filme... Tudo é forçado pra parecer bizarro, subversivo, onírico: todos os personagens agem de maneira estranha, irracional, a edição é imprevisível, a trilha sonora é inadequada - e isso dentro de uma história e um gênero de filme que não pedem bizarrices... Pelo contrário... O elenco estelar, a fotografia bonita, a trama policial, tudo sugere um suspense tradicional, elegante, uma narrativa clara... Mas eles entregaram o filme nas mãos de alguém que aparentemente odeia esse tipo de história, e aceitou o trabalho apenas como uma oportunidade pra subverter o material, inserindo seus toques niilistas na produção (é um daqueles casos onde eles deram uma produção Hollywoodiana pra um estrangeiro alternativo dirigir, na expectativa de tornar o filme mais "artístico"). O espectador compra o ingresso esperando um tipo de experiência, mas quando começa o filme, ele percebe que foi enganado pelos pôsteres, trailers, etc. Eu gosto de cineastas diferentes, com estilo próprio, mas apenas quando isso não arruina os pilares que sustentam história: quando ainda é possível simpatizar e se identificar com os protagonistas, quando há uma trama envolvente, compreensível, etc. No caso de Boneco de Neve, o cineasta coloca o estilo acima disso tudo, não se importando se a plateia irá conseguir se importar por alguém na tela, se o universo do filme será convincente, atraente, etc.

O Livro de Henry já é um caso diferente. Não foi o diretor que arruinou o filme, e sim o material original que já era bizarro (quando o filme saiu, muitos ficaram preocupados com o fato do diretor Colin Trevorrow ter sido o escolhido pra dirigir o próximo Star Wars, e não duvido nada que o fato dele ter sido demitido tenha a ver com o fracasso de O Livro de Henry). Mas não acho que Trevorrow seja um mau diretor - se fosse uma história minimamente sensata, ele teria feito um ótimo trabalho: o elenco é muito bem dirigido, a produção é bem feita, caprichada em diversos aspectos, a narrativa é clara - superficialmente parece um filme digno de prêmios. O problema é que, após um começo promissor, a história começa a apresentar uma série de reviravoltas insanas - a pior delas sendo a morte de um personagem central no meio do filme, deixando o espectador simplesmente estarrecido, sem saber mais o que desejar daí pra frente. O artista pretensioso nesse caso foi o roteirista, não o diretor. Me parece um erro mais inocente que o de Boneco de Neve, onde havia uma atitude destrutiva, uma intenção de corromper o gênero... Aqui, parece mais uma combinação de ambição exagerada com imaturidade e falta de experiência (o roteirista é estreante e escreveu o filme há 20 anos - então tem cara de ser um daqueles "passion projects" fadados ao fracasso). Ele quis inserir tanto no filme, ser tão impactante, misturar tantos conceitos, ser tão diferente de tudo já feito, que acabou criando uma aberração.

O elemento em comum nos 2 casos é uma falta de respeito pelos fundamentos do cinema... Um desejo tão grande de inovar, de fugir do convencional, que o artista acaba jogando fora não só os clichês e as regras superficiais do gênero, como também os ingredientes básicos que fazem um filme funcionar.

Ainda assim, acho preferível ver desastres cinematográficos como esses, causados por excesso de ambição e energia criativa, do que coisas como continuações de Transformers, onde o problema é apenas convencionalidade, falta de talento, etc.

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Boneco de Neve (The Snowman / Reino Unido, EUA, Suécia / 2017 / Tomas Alfredson)
NOTA: 2.0

O Livro de Henry (The Book of Henry / EUA / 2017 / Colin Trevorrow)
NOTA: 3.5

9 comentários:

Anônimo disse...

Realmente "O Livro de Henry" cai numa série de inconsistências e absurdos. Um grande problema foi mesmo terem centrado demais a história no personagem-título para mata-lo só para carregar no drama. Pro espectador, é como se Matilda morresse no meio de filme e deixasse um manual ensinando a mãe boboca dela a matar a Agatha Trunchbull. Talvez tivesse sido um pouco melhor se o filme começasse com ele já morto e só aparecendo em flashbacks, mas provavelmente nem assim daria certo. Mesmo porque o resto dos personagens acaba nem interessando muito. De qualquer jeito, virou uma espécie de "O Sexto Sentido" onde uma superinteligência impossível conduz a história, em lugar de comunicação mediúnica com os mortos.
E muitas coisas que acontecem por só por conveniência da história, como o personagem-título entrar na loja de armas justo na hora certa para descobrir que lá bastava dizer que se veio por conta de um suposto chefão para comprar qualquer coisa. Ou porque o supergênio não foi capaz de perceber que tinha uma doença grave, mesmo quando parecia saber mais sobre a doença que o médico? E tantos absurdos. Porque é melhor planejar matar o vizinho em vez de colher provas dos malfeitos dele? E um número de dança pode servir como evidência de estupro?
O estúdio deve ter achado o roteiro genial, mais devia ter feito consertado.
Pedro.

Anônimo disse...

O maior problema é mesmo que faria mais sentido obter provas dos crimes do vizinho que fazer um plano absurdo para mata-lo. Além do que a doença e morte do protagonista acabou parecendo um truque barato para fazer o espectador chorar, e tentar fazer o filme parecer "diferente".
Pedro.

Caio Amaral disse...

Eu nem consigo lembrar mais desses detalhes da trama.. só lembro que virava uma grande bagunça mesmo. E que existia uma dissonância pelo fato do filme ter uma estética de filme convencional.. mas o roteiro ser pretensioso, experimental demais.. quem sabe se tivessem dado pra um diretor tipo Wes Anderson teria funcionado melhor.. pq o estilo não seria convencional, e já te deixaria preparado pra algo excêntrico, uma história pra vc ver de forma distanciada, sem esperar veracidade. abs!

Anônimo disse...

É que esse filme passou na TV por assinatura no último domingo. Foi um filme que quis realmente ser muita coisa e se perdeu no caminho. Foi um erro terem centrado demais no personagem-título para mata-lo no meio da história, quando nenhum outro personagem era realmente interessante pro público. E a trama de assassinato subsequente ficou absurda e mal justificada. Histórias que envolvem assassinar criminosos já são controversas mesmo quando deixam óbvia a culpa deles, como no "Tempo de Matar", e no "Livro de Henry" ficou pior porque a culpa do vizinho não ficou tão evidente. Alguns espectadores até esperavam alguma reviravolta que revelasse que o vizinho não tivesse cometido nenhum crime.
Falando em Wes Anderson, o Henry em alguns aspectos lembrava o Max Fischer de Rushmore, na excentricidade e no agir como se pudesse tudo.
E a menina do filme depois fez o Music da Sia. Não sei é pé frio ou mau assessoramento.
Pedro.

Caio Amaral disse...

Às vezes o cineasta pensa: o Hitchcock matou a protagonista e o público não reclamou.. então vou fazer igual - mas não enxerga as condições narrativas que fizeram Psicose continuar interessante depois disso..

Nossa nem lembrava q a Maddie Ziegler estava no filme.. achei q Music tivesse sido a 'grande' estreia dela, hehe.

Anônimo disse...

Se o protagonista morresse assassinado como em Psicose, já haveria um interesse sobre o desfecho. Morrer de doença só serviu para querer forçar o espectador a chorar, e como conveniência de roteiro para manter o protagonista "limpo" depois de planejar um assassinato. Se ele não morresse no mínimo ia precisar de uma pessoa adulta pra comprar a arma, a mãe ou a personagem inútil da Sarah Silverman. Aliás, do jeito que a história foi escrito, acho que talvez teria sido melhor a Sarah Siverman ser a mãe. A Naomi Watts não me parecia convincente como uma pessoa tão largada que preenchia a vida bebendo, jogando videogame e trabalhando como garçonete num restaurante barato.
O filme tinha também problemas sérios de tom, querendo ser leve e pesado ao mesmo tempo. Devia ser uma coisa outra, ou tentava ser uma coisa na linha Matilda, ou no máximo talvez um "Meus Vizinhos são um Terror" (The Burbs, com o Tom Hanks, que na minha opinião derrapou no final mostrando os vizinhos como assassinos) ou ser todo sombrio, deixando logo claro que o vizinho era um estuprador.
Pedro.

Caio Amaral disse...

Eu realmente lembro muito pouco pra comentar detalhes.. mas concordo que o filme parece equivocado em muitos desses níveis (trama, tom, caracterizações, gênero..). Quando isso ocorre em um filme de baixo orçamento, desconhecido, você ignora e põe tudo na conta do amadorismo.. o que chama atenção aqui é o contraste entre as qualidades da produção e esses equívocos mais grosseiros. Às vezes penso em filmes assim como tendo "dupla excepcionalidade" estética (emprestando o conceito da psicologia hehe). abs.

Anônimo disse...

Às vezes dá a impressão de que há dinheiro demais em Hollywood, e não se cuida direito quando se faz determinados filmes.
Só mais uma coisinha: aquele comentário do "Trovão Tropical" poderia ser complementado, dizendo que num filme ir "full genius" pode ser tão ruim quanto "full retard". Ou até pior, porque o público, principalmente o americano, tem uma tendência a adorar "idiotas com coração de ouro", e ver intelectuais como presunçosos ou simplesmente chatos.
Muita gente parece ter visto Henry dessa forma, a julgar por diversas críticas. De qualquer forma, sua inteligência foi tão exagerada que o filme funcionaria melhor se fosse uma comédia, algo no nível de um "Laboratório de Dexter" ou "Os Simpsons", já que Hnery e sua mãe lembravam Lisa e Homer, com os sexos trocados. Talvez, para o filme se sair melhor, devessem ter feito Henry um "savant" que pudesse inspirar simpatia e compaixão nos espectadores, ou então alguém mais disfuncional, como o "gênio indomável" do Matt Damon, que era até mais exageradamente sábio que Henry (Henry ao menos lia e estudava vez por outra, ao contrário do Will Hunting de Damon que ninguém via fazendo isso), mas trabalhava como faxineiro, arrumava brigas e era incapaz de lidar com os próprios problemas, e acabou fazendo tanto sucesso e ganhando Oscar de melhor roteiro.
Pedro.

Caio Amaral disse...

Não lembro de ter tido essa impressão de q o filme fracassou porque o personagem do Henry não se conectava com o espectador, por ser brilhante demais.. minha lembrança é de um personagem como o do Tão Forte e Tão Perto, não tão autista talvez.. mas tb não tão prodígio ou invulnerável a ponto de gerar uma reação negativa do público. Precisaria rever.. mas pra mim o ator e o personagem tavam funcionando bem, até q o filme resolveu mudar de tom e a trama começou a descambar. Tem q ver as críticas e comentários do público pra entender qual foi a reclamação predominante né..