sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Trama Fantasma

NOTAS DA SESSÃO:

- Reynolds (Daniel Day-Lewis) tem uma personalidade incrível, muito coerente bem explorada pelo filme (as manias, o perfeccionismo, o elemento antissocial, etc).

- Mas é uma abordagem Naturalista em partes, no sentido de que o filme descreve o personagem muito bem em termos de comportamento, em suas características aparentes, mas não revela pra plateia suas motivações mais profundas - não "explica" o personagem totalmente pra gente. Quando ele começa a flertar com a garçonete (Alma) nós não sabemos qual sua motivação - por que um cara como ele ficaria fascinado por uma mulher de um universo tão diferente. Será que ele é do tipo de intelectual que se sente amaldiçoado pela própria inteligência, e por isso se atrai por pessoas mais comuns? Ou teria ele desenvolvido um certo desprezo pela alta sociedade, e se sinta atraído pela simplicidade de alguém como Alma? Ou será que ele é inseguro, e o fato dela ser de uma classe social inferior o faça se sentir em vantagem? Ou será que tem algo a ver com a memória da mãe? Ou será que ele simplesmente ficou fascinado pelas proporções dela, e não está nem aí pra quem ela seja? Não sabemos.

- Ainda assim não é um filme pobre psicologicamente... Alguns diálogos são interessantíssimos, como quando Reynolds explica por que não gostaria de se casar. O personagem nos parece original, diferente, mas familiar ao mesmo tempo, consistente com um arquétipo universal.

- A direção, o elenco e todos os aspectos técnicos do filme são muito sofisticados.

- Muito boa a sequência em que o Reynolds começa a testar tecidos em Alma pela primeira vez. Ele não a vê com um interesse romântico - o que ele sente é quase que uma apreciação estética, o desejo de transformá-la em uma de suas obras. Ele dá a ela toda a beleza do mundo, mas nem um pingo de seu afeto.

- O melhor do filme são esses inúmeros elementos de caracterização: quando Reynolds afirma que Alma não tem seios, sem a menor sensibilidade, ou quando ele começa a se irritar com os barulhos no café da manhã, etc.

- Lindíssimos os figurinos na cena de sessão de fotos, ou depois no desfile. E a "depressão pós-parto" que ele tem depois do desfile é um detalhe interessante também.

- Hilário ele pegando de volta o vestido que fez pra senhora na festa. Certamente é um exagero ele querer controlar a ética das pessoas que usam seus vestidos, mas é uma boa forma de retratar o perfeccionismo do personagem e a seriedade com que ele encara seu trabalho.

- Alma se demonstra uma idiota ao preparar essa surpresa pro Reynolds, quando já é óbvio pra todo mundo que ele não iria gostar. A reação dele ao jantar é ótima.

- SPOILER: Forçado a Alma envenenar o chá de Reynolds. Em nenhum momento ela mostrou ser o tipo de personagem que faria algo tão monstruoso assim, alguém tão desequilibrada emocionalmente que não aceitaria uma rejeição.

- SPOILER: Irritante o Reynolds ir caindo na emboscada dela... Pedi-la em casamento, sem saber que foi ela que o envenenou. Mas pelo menos traz certo suspense pra segunda metade da história.

- O problema é que o filme vai se tornando indigesto. Pois Alma é uma das personagens mais desprezíveis vistas no cinema nos últimos anos, e o filme mostra ela se dando bem cena após cena, sem indicar pro espectador que haverá justiça no final.

- Ótima a cena em que o Reynolds vai reclamar do casamento pra Cyril, e a Alma está atrás ouvindo tudo (a essa altura, qualquer ação que prejudique esse casamento é um grande alívio). A personagem da Lesley Manville (Cyril) é fantástica, lembra a Mrs. Danvers de Rebecca - A Mulher Inesquecível (1940). Merecidíssima a indicação ao Oscar.

- SPOILER: Depois dessa briga é totalmente falso o Reynolds continuar com Alma. O filme corta pra Alma preparando o jantar, os dois convivendo como se nada tivesse acontecido. E ela vai envenená-lo de novo?! Quantos filmes esse ano precisam mostrar mulheres "empoderadas" envenenando a comida de homens "opressores" (Lady Macbeth, O Estranho que Nós Amamos...)? É uma cena revoltante. Não só Alma é uma personagem desagradável, como Reynolds vai perdendo nossa simpatia também por continuar com ela. Não há ninguém inocente mais na história pra gente se apoiar.

- SPOILER: De uma hora pra outra Alma se torna a personificação do mal. Ela não quer nem que Reynolds morra - quer apenas enfraquecê-lo, torná-lo dependente, depois reerguê-lo, pra daí enfraquecê-lo de novo. E o pior é que o filme tenta torná-la meio "cool", como se sua maldade tivesse algum tipo de justificativa. 

- SPOILER: Os personagens no fim agem de forma totalmente irreal. Reynolds no começo era um homem extremamente independente, forte, não tolerava qualquer tipo de perturbação vinda dos outros, não tinha interesse em relacionamentos - e agora está aceitando uma tortura que nem um homem mais dependente toleraria. Quando Alma ganhou esse poder todo sobre ele? Quando começou a envenená-lo e ele ficou doente? Ele se tornou tão grato assim pela ajuda que se apaixonou de verdade? Não convence. O filme teria que ter oferecido alguma explicação pra tornar isso aceitável. Mas Paul Thomas Anderson adora apelar pro Subjetivismo e pro Pessimismo no final de seus filmes pra torná-los mais "artísticos". Qual a mensagem? Que relações entre homens e mulheres são destrutivas? Que mulheres são seres perversos que transformam os homens mais independentes em suas marionetes? Não fica claro - fica apenas o senso vago de que relacionamentos tendem a ser trágicos e doentios, sem motivo algum. 

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CONCLUSÃO: Lindamente realizado, com performances incríveis de Daniel Day-Lewis e Lesley Manville, mas a história se torna um tanto forçada e insatisfatória no terceiro ato.

Phantom Thread / EUA / 2017 / Paul Thomas Anderson

FILMES PARECIDOS: O Estranho que Nós Amamos (2017)

NOTA: 7.0

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