terça-feira, 27 de março de 2018

Com Amor, Simon

Comédia romântica leve com cara de Sessão da Tarde (lembra muito coisas do John Hughes dos anos 80, o que é um elogio), mas com um roteiro de ótimo nível, elenco excelente (reparem como cada personagem coadjuvante é bem escrito e tem cenas importantes no filme), humor inteligente, sensibilidade emocional, e com a quantidade certa de realismo e maturidade pra tornar convincente o idealismo inocente da história.

Eu sou um espectador difícil pro gênero pois não me interesso tanto por romances, então sou uma boa "audiência teste" pra esses filmes, pois pra me prender, o filme realmente tem que ter um roteiro criativo, com bons recursos narrativos... Não pode contar com projeções românticas pessoais, preferências sexuais particulares do espectador, etc (se alguém acha que eu tenho um "bias" em relação a filmes gays, veja o que falei sobre Me Chame Pelo Seu Nome ou Moonlight).

Aqui, o filme nos prende basicamente por transformar o romance em um jogo - a história não é de fato sobre uma relação amorosa, e sim uma espécie de "whodunit", um mistério sobre um garoto tentando descobrir quem é a figura oculta com a qual ele conversa pela internet... É também um suspense sobre alguém que tem um grande segredo e precisa impedir esse segredo de ser exposto e de arruinar sua vida social. Nesse caso em particular, o segredo é o fato de Simon ser gay, mas poderia muito bem ser a Molly Ringwald em A Garota de Rosa-Shocking que não queria que seu "crush" descobrisse que ela morava num bairro pobre. Bons filmes sempre conseguem transformar os conflitos particulares dos personagens em questões mais amplas com as quais qualquer um possa se identificar, e este certamente é o caso aqui.

Enfim, adorei os personagens, dei risada, me emocionei, gostei da revelação de quem era o Blue, e o simbolismo da roda gigante no fim cria um clímax maravilhoso que põe o filme bem alto no meu ranking de filmes de temática LGBT.

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Love, Simon / EUA / 2018 / Greg Berlanti

FILMES PARECIDOS: Extraordinário (2017) / Lady Bird: A Hora de Voar (2017) / Cidades de Papel (2015) / Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014) / A Garota de Rosa-Shocking (1986)

NOTA: 8.0

sábado, 17 de março de 2018

Tomb Raider: A Origem

ANOTAÇÕES:

- Desde que anunciaram que a Alicia Vikander faria a Lara Croft eu achei o casting equivocado, e isso pra mim apenas se confirma agora (ela é talentosa, mas não convence tanto nesse tipo de papel).

- A introdução da personagem é um pouco frustrante. Pra parecer mais realista, o filme mostra a Lara Croft perdendo a luta pra outra garota, depois há aquela perseguição de bicicletas desnecessária que termina com Lara se distraindo e sofrendo um acidente... Em vez de uma heroína em potencial, ela fica parecendo apenas incompetente.

- Lara é pra ser admirável por recusar a herança do pai, preferir trabalhar em sub-empregos, fazendo delivery, etc... Pra mim isso só a faz parecer uma tola.

- Alguns clichês muito preguiçosos: o pai que abandona a filha na infância, mas antes deixa um amuleto especial, etc.

- A história avança de maneira clara, mas as cenas simplesmente não são muito boas. Por exemplo: é meio anticlimático a maneira como a Lara decifra o enigma e encontra a chave deixada pelo pai logo ali na sala de reunião na frente daqueles executivos... Ou quando ela vai vender o amuleto e joga café em cima do comprador sem a menor razão... Ou o roubo da mochila totalmente desnecessário, que só serve pra ter uma cena de perseguição dispensável... Ou o Lu Ren, que é pra ser um marinheiro experiente, mas ao mesmo tempo é bêbado, afunda o barco logo que surge a primeira tempestade... Não há muita inteligência na narrativa.

- Não fica muito claro também por que Lara fica tão interessada em ir até a ilha. Ela quer apenas descobrir se o pai está vivo? O filme dá a impressão que ela está indo por causa do mito da rainha Himiko, pra dar continuidade às pesquisas do pai, mas não é convincente essa menina do nada resolver dar uma de Indiana Jones e partir numa aventura dessas... Ela não demonstrou um interesse tão grande por esses assuntos antes, então a motivação não é muito bem fundada.

- A situação na ilha é divertida, mas é um plágio tão descarado de Indiana Jones que acaba sendo frustrante (os mocinhos e os vilões seguindo pistas numa corrida pra encontrar um túmulo com poderes sobrenaturais; o vilão ganancioso que rouba os estudos do pai da heroína pra encontrar o local primeiro, mas não tem cultura nem respeito pela arqueologia, etc).

- A cena do avião na cachoeira beira o cômico de tão forçada. Até porque o filme começou numa pegada mais realista, mostrando Lara com limitações físicas naturais... E agora vai pro outro extremo e vira Velozes e Furiosos, abandonando a realidade por completo (Lara no começo fugiu do trombadinha só porque ele puxou uma faca pra ela, mas agora toda ferida ela consegue matar o capanga mais perigoso do vilão numa luta de braço).

- SPOILER: Meio brochante o pai da Lara estar numa gruta escondido há anos... Ter virado um senhor meio caduco, inútil (em vez do herói admirável que imaginávamos).

- Lara e o pai não criam nenhum plano inteligente pra recuperar as pesquisas... Pelo contrário - ela sai correndo no meio do acampamento pra pegar aquele telefone, se expõe pros vilões de forma descuidada, o pai depois fica lá admirando a porta do túmulo e acaba sendo capturado pelo vilão, que força Lara a abrir o túmulo pra ele...

- O roteiro caminha na direção certa, é bem intencionado, mas é tudo feito com um nível muito baixo de inteligência e originalidade. O trecho dentro da gruta é legal; queremos ver como serão as armadilhas, o que acontecerá quando eles encontrem o túmulo (pelo menos eles estão atrás de algo interessante, misterioso, e não esses artefatos banais que muitas vezes motivam filmes de super-heróis). Mas claro, o mérito aqui ainda é mais de Indiana Jones do que do filme.

- SPOILER: Interessante a ideia da rainha ter uma doença contagiosa e ter se enterrado ali pra proteger o resto do mundo. Foge da explicação sobrenatural padrão.

- A ação final e a fuga de Lara da gruta é outro trecho que acaba perdendo o efeito por não ter um pingo de realismo.

- SPOILER: O final é mais ou menos. Lara perdeu o que ela mais queria, que era o pai, e também não derrotou os vilões definitivamente. Mas o gancho pra sequência gera um pequeno ápice.

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CONCLUSÃO: Aventura bem intencionada mas prejudicada por um roteiro pouco original e inteligente.

Tomb Raider / Reino Unido, EUA / 2018 / Roar Uthaug

FILMES PARECIDOS: Pantera Negra (2018) / Thor: Ragnarok (2017) / Jumanji: Bem-Vindo à Selva (2017) / A Lenda do Tesouro Perdido (2004) / A Múmia (1999)

NOTA: 5.0

Aniquilação

NOTAS DA SESSÃO:

- Os primeiros 15 minutos são bastante intrigantes pois o filme esconde dados da plateia; mostra o interrogatório da Natalie Portman, o meteoro caindo, o marido "morto" que reaparece, os papos sobre a origem da vida - peças interessantes de um quebra-cabeça que ainda não podemos começar a montar.

- Felizmente o filme não vai pelo lado do Subjetivismo, e logo após essa introdução nos revela exatamente o que está acontecendo (ou pelo menos nos revela o que os protagonistas sabem sobre o que está acontecendo, o que é melhor ainda, pois o mistério sobre o fenômeno é preservado, nos mantendo presos até o final - como foi feito em 2001: Uma Odisséia no Espaço).

- O elenco é ótimo, os diálogos são inteligentes - acreditamos que essas pessoas são cientistas, pertencem a esse universo, o flashback da Natalie Portman e do Oscar Isaac na cama mostra uma relação positiva, convincente, etc.

- Legal a Natalie Portman decidir entrar no "Brilho" com as outras. O roteiro é bem estruturado pois quando elas atravessam a fronteira do Brilho, nada muito revelador acontece ainda.. A situação vai se intensificando aos poucos, ficando mais e mais estranha conforme elas caminham pro farol.

- Interessantíssimo esse conceito das mutações genéticas (a cena do crocodilo). É uma ideia diferente, nova, que foge dos clichês dos filmes do gênero.

- Essa ideia dos dias passarem sem elas perceberem é bem intrigante (lembra o Bruxa de Blair de 2016). Embora pareça um obstáculo meio aleatório (não é explorado de novo na história, não tem tanto a ver com a ideia das mutações, etc).

- Há algo de Idealismo Corrompido no filme, pois apesar dele querer proporcionar uma aventura empolgante, cheia de surpresas, monstros, etc, ele mantém tudo sob uma atmosfera meio deprimente - os personagens parecem estar sempre entediados, sérios, as relações são negativas, há um senso de que a vida é trágica e os seres humanos são autodestrutivos (meio como A Chegada ou, indo mais longe, filmes do Tarkovsky como Stalker e Solaris). Mas ainda assim diverte.

- A jornada é pontuada por cenas marcantes e novas informações que mantém a história se movendo (o vídeo da missão anterior que elas encontram, etc).

- A floresta, os prédios abandonados, o design das plantas e das mutações - toda a parte visual do filme é muito interessante.

- Alguns elementos da trama parecem mal desenvolvidos. Por exemplo: por que exatamente a Natalie escondeu que era casada com o Oscar Isaac? Não vejo por que isso tornaria as outras desconfiadas - acaba servindo só pra gerar confusão mais tarde com a Anya. Os flashbacks que mostram o caso da Natalie com aquele homem negro também não parecem servir pra muita coisa.

- SPOILER: Medonho o urso que invade a casa! Essa é uma daquelas cenas com potencial pra virar um momento clássico do cinema cult.

- SPOILER: A Josie virando planta na sequência também é bem sinistro. É interessante que o "vilão" do filme não é uma pessoa ou um bicho, e sim algo metafísico: o caos, a desordem em si... Algo alien que cai no nosso mundo trazendo o irracional, destruindo as leis da física, etc.

- O final no farol pretende ser um grande Set Piece surrealista, mas não chega a ser tão brilhante e satisfatório quanto os dos filmes do David Lynch, ou o final de 2001, por exemplo. Aqui o filme parece apelar pro Subjetivismo e pro Pessimismo pra parecer mais profundo, o que nos remete mais a coisas do Christopher Nolan.

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CONCLUSÃO: Apesar de alguns elementos insatisfatórios, o roteiro é muito bem fundado e resulta numa das ficções mais criativas e assustadoras dos últimos anos.

Annihilation / Reino Unido, EUA / 2018 / Alex Garland

FILMES PARECIDOS: Vida (2017) / A Chegada (2016) / Ex Machina (2015) / Corrente do Mal (2014) / Sunshine - Alerta Solar (2007) / 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968)

NOTA: 7.5

terça-feira, 13 de março de 2018

Medo Profundo


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão - um método que adotei para passar minhas impressões de forma mais objetiva.)

ANOTAÇÕES:

- Cômica a pretensão do diretor de colocar seu nome junto do título do filme ("Johannes Roberts' 47 Meters Down") como se fosse uma grande obra literária.

- O roteiro é muito básico, vai pelo caminho mais clichê e menos criativo possível: 2 belas garotas viajando no México decidem fazer algo perigoso, e obvio que dá tudo errado. O filme ainda cria uma motivação psicológica tola pra justificar o mergulho (Mandy Moore quer impressionar o ex-namorado que pensa que ela é chata) como se isso acrescentasse mais "camadas" à história.

- Se elas foram mergulhar justamente pra postarem fotos nas redes sociais, não faz sentido a menina pedir uma câmera emprestada pro cara do barco casualmente, no último momento. Ela já devia ter uma câmera própria.

- O filme não inventa nem uma razão especial pra jaula afundar... Algum tipo de erro humano, etc... O equipamento simplesmente é podre e o cabo de aço rompe assim que elas entram no mar, sem grandes motivos.

- Um pouco contraditório o equipamento de mergulho ser tão sofisticado a ponto de ter microfones pras pessoas conversarem embaixo d'água, sendo que toda a ideia é a empresa parecer meio clandestina, ter equipamentos velhos, pra justificar o acidente.

- A situação certamente é tensa (o oxigênio limitado, a impossibilidade de nadar até a superfície rapidamente por causa da descompressão, etc). Em termos de suspense funciona melhor que Águas Rasas (2016), que tinha que ficar forçando uma série de ações falsas pra menina entrar na água e se expor ao tubarão.

- O "vilão" não é dos mais fortes - o filme não foca em 1 tubarão específico, não cria uma personalidade ameaçadora pra nenhum deles (como o Tubarão de 1975). São apenas animais selvagens aleatórios.

- São bobos esses jump scares onde o tubarão pula na tela do nada, mas daí acaba "errando a mira" e não come a heroína, só pra história poder continuar.

- Muitos filmes de terror hoje em dia acabam virando "estudos de sofrimento"... Mostram pessoas desesperadas, em situações horríveis, indefesas, e quanto mais elas gritam e se machucam, mais o filme acha que está impressionando. Em filmes como Tubarão ou Alien não era nada disso...  A aventura era agradável pro espectador, por mais que fingisse se tratar de uma tragédia. Os protagonistas estavam geralmente no comando da situação, faziam a gente se sentir seguro, e se divertiam no processo... Os obstáculos eram apenas oportunidades pra exaltar as virtudes dos personagens, o objetivo principal não era o de provocar emoções incômodas na plateia.

- SPOILER: Desnecessário haver um segundo cabo de aço no barco e o cabo quebrar de novo assim como o primeiro.

- A ação vai ficando cada vez mais artificial. A menina "pescando" o tanque de oxigênio com o arpão, ou conseguindo erguer a jaula inflando o colete, ou conseguindo espantar os tubarões só com aquele sinalizador (digo "menina" pois desde que as 2 puseram as máscaras no começo do filme, eu não sei mais quem é a Mandy Moore e quem é a irmã - e o roteiro é tão superficial que não faz a menor diferença).

- SPOILER: Chato o clímax ter sido uma alucinação, justo o momento mais dramático do filme... O grande problema do filme é que ele trai o princípio da Objetividade. Quer apenas provocar sensações no espectador, mas sensações desconectadas de lógica, da realidade... Ele se reduz ao papel de um trem-fantasma: se você pulou na cadeira, então valeu, pois pro diretor a única coisa que importa são as sensações momentâneas que ele conseguiu te provocar.

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CONCLUSÃO: Tolo, clichê, mas razoavelmente divertido.

47 Meters Down / Reino Unido, República Dominicana, EUA / 2017 / Johannes Roberts

FILMES PARECIDOS: Águas Rasas (2016)

Mais dicas na minha lista: Os Melhores Filmes de Terror

NOTA: 5.0

segunda-feira, 12 de março de 2018

Operação Red Sparrow


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão - um método que adotei para passar minhas impressões de forma mais objetiva.)

ANOTAÇÕES:

- A sequência inicial é bem feita e intrigante: a montagem intercalando 2 ações aparentemente desconectadas (a apresentação de balé e o encontro entre os espiões), culminando no acidente da Dominika (Jennifer Lawrence).

- A atitude violenta da Dominika ao descobrir que o acidente foi premeditado torna mais convincente as coisas que ela terá que fazer no resto do filme (já fica estabelecido desde o início que ela não é uma típica bailarina).

- A maneira como ela vai parar no serviço de inteligência é convincente. Faz sentido eles precisarem de uma mulher atraente como ela, e há uma motivação plausível pra ela aceitar o serviço, agora que ela quebrou a perna e não pode mais ganhar dinheiro dançando.

- Legal a mentira que ela improvisa no bar pro Dimitry - revela uma esperteza acima da média.

- A cena do estupro é cheia de suspense, tensão, e gera uma boa reviravolta que nos leva para o segundo ato. Agora a Dominika realmente não tem escolha a não ser trabalhar pros russos.

- A sequência do treinamento das Sparrows é excelente. A Charlotte Rampling diz umas coisas fantásticas (e assustadoras) sobre como manipular as pessoas e sobre as fraquezas da cultura Ocidental... É um retrato assustador (e filosoficamente consciente) de um regime comunista (ou quase).

- É bem Hitchcock / Interlúdio (1946) essa situação da Dominika tendo que seduzir o Nash pra extrair informações. Só gostaria que houvesse mais ação, mais Set Pieces como nos filmes do Hitchcock, em vez de um monte de personagens conversando sobre coisas sombrias a maior parte do tempo.

- A subtrama da colega de quarto da Dominika (Marta) parece mal explicada. A trama principal já não é das mais fáceis de acompanhar (filmes de espionagem sempre têm vários níveis de traição acontecendo que te deixam quase como um jogador de xadrez acompanhando a história). O diretor parece estar usando aquela tática de tornar a trama confusa pro filme soar mais inteligente, "adulto", pois ninguém na plateia entende 100% o que está acontecendo.

- SPOILER: Legal a Dominika passar pro lado dos americanos. Até então, estávamos torcendo por ela (afinal ela não tinha saída a não ser obedecer os russos), mas não tínhamos nenhum interesse em particular na missão de descobrir a identidade do informante, etc. Agora como ela tem um objetivo mais nobre, a história se torna um pouco melhor (embora ela ainda só esteja aí por não ter saída - não se trata de uma história onde a personagem é de fato motivada por desejos e convicções pessoais).

- A cena da compra dos disquetes é boa e funciona como suspense (a gaveta emperrada é um toque legal).

- As cenas de tortura são desagradáveis, vão deixando o espectador indignado. Se depois disso essa menina não matar todo mundo e não fugir pros EUA, o filme será indigesto.

- SPOILER: A ideia dela pegar aquela máquina e se oferecer pra torturar o homem que ela ama é muito forçada. E a briga entre os 3 depois é tão sangrenta que o filme começa a virar o que chamo de culto à dor, como se todo o objetivo da história fosse chegar nessas cenas extremas de violência.

- SPOILER: Forçado o Jeremy Irons (General Korchnoi) pedir pra ser entregue aos russos (e morrer) só pra Dominika ter a chance de ser promovida e dar continuidade ao trabalho dele como informante.

- SPOILER: A surpresa da Dominika incriminar o próprio tio levanta uma série de perguntas que fazem o final parecer duvidoso, meio forçado. Mas há tantas coisas turvas na história que você simplesmente desiste de ligar os pontos, e aceita que tudo deve fazer sentido na cabeça do roteirista.

- SPOILER: De qualquer forma é um final pouco satisfatório, pois o desejo da plateia não era o de ver a Dominika se vingando do tio em particular, ou se tornando uma informante oficial da CIA (o filme nos mostrou um ambiente tão hostil e desagradável que fica difícil se empolgar com a ideia que daqui pra frente essa será a vida dela).

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CONCLUSÃO: Thriller de espionagem bem realizado, mas a aparente preocupação de Francis Lawrence em provar que ele não é apenas um diretor "teen" fez com que ele tornasse a trama confusa e sombria demais pra um entretenimento realmente satisfatório.

Red Sparrow / EUA / 2018 / Francis Lawrence

FILMES PARECIDOS: Atômica (2017) / A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (2017)

NOTA: 6.0

Pequena Grande Vida


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão - um método que adotei para passar minhas impressões de forma mais objetiva.)

ANOTAÇÕES:

- Todo o conceito das pessoas encolherem por questões econômicas é uma ótima premissa (claro que não faz muito sentido e seria desastroso a longo prazo, mas pra um filme despretensioso de fantasia é uma boa sacada).

- A introdução do filme é divertida; o anúncio da descoberta, a apresentação dos primeiros "pequenos", a noção de como seria a vida do casal em Leisureland, a mansão em que eles viveriam, etc.

- O problema é que o filme não tem um clima tão divertido quanto a sinopse pede. É como se ele quisesse ser uma ficção-científica escapista do tipo Jurassic ParkQuerida, Encolhi as Crianças (ou talvez uma comédia high-concept como O Primeiro Mentiroso) mas fosse dirigido por uma pessoa que só soubesse fazer filmes Naturalistas, não-comerciais, sobre personagens comuns e problemas da vida real (o que faz sentido quando você lembra que o filme é do Alexander Payne, diretor de Sideways - Entre Umas e Outras, As Confissões de SchmidtOs Descendentes).

- O começo é um pouco arrastado e sem empolgação. O casal tem uma relação chata, demora meia hora até eles irem fazer o encolhimento, e até agora não sabemos que rumo a história irá tomar, o que eles farão da vida após o encolhimento.

- Os preparativos pro encolhimento são horríveis (eles arrancando as obturações dos dentes, etc). Há algo de cru na fotografia que simplesmente não combina com o tom escapista da trama (o contraste bizarro entre a trilha sonora alegre que lembra de desenho animado, com as imagens hospitalares realistas).

- A cena em que o Matt Damon acorda depois do encolhimento e vai checar o pênis pra ver se está tudo bem é um toque que funcionaria num filme do Adam Sandler, mas aqui soa totalmente artificial, pois não combina com o personagem nem com o clima que o diretor criou pra história (o diretor parece não saber que tipo de filme está fazendo).

- Divertido a Kristen Wiig desistir do encolhimento e largar o Matt Damon lá sozinho. Agora pelo menos surgiu um conflito central que pode dar um rumo pra história. Ela vai mudar de ideia? Ele tentará reverter o processo pra voltar ao tamanho normal? Eles tentarão manter um relacionamento com tamanhos diferentes (isso seria interessante de ver!).

- O filme não explora bem Leisureland. Quando o Matt Damon encolhe, ele já está totalmente deprimido por estar sem a namorada, e acaba nem aproveitando o lugar. Não vemos ele vivendo a "vida ideal" primeiro, curtindo seus novos luxos, pra daí algo dar errado. Já começa tudo uma enorme frustração. O diretor parece mais interessado em desenvolver o conceito do encolhimento, os impactos disso na sociedade, mostrar como ele refletiu sobre a ideia, do que em aproveitar a situação pra proporcionar uma aventura interessante pro público. O filme é sem vida, sem emoção.

- O roteiro abandona totalmente a Kristen Wiig... Em vez dessa reviravolta criar um objetivo pro Matt Damon, ele parece simplesmente aceitar que perdeu a namorada, e agora o filme fica mostrando o dia a dia dele em Leisureland numa série de situações chatas que não caminham a lugar algum: ele saindo em dates desinteressantes, indo em festas e conhecendo pessoas novas, experimentando drogas (qual a necessidade de mostrar aquela viagem de ácido?), talvez pra tentar provar que dinheiro não traz felicidade.

- Qual a necessidade dessa empregada vietnamita pra história? A história da prótese da perna? A amiga que tem câncer de estômago e precisa de cuidados? O filme deu uma guinada totalmente absurda agora na metade... Abandonou totalmente a história original. Não só a Kristen Wiig já não importa mais, como o fato deles terem encolhido também parece irrelevante. Se no fim o filme ia ser sobre um homem abandonando seus objetivos pessoais pra passar a se dedicar aos necessitados, isso é uma história que poderia ter ocorrido na vida normal do personagem. Nenhum aspecto do encolhimento é relevante e fundamental pra essa narrativa, então parece algo simplesmente mal escrito, uma história onde as "partes" não se integram ao "todo".

- Agora está claro o propósito do filme (e por que ele estava tão bizarro e mal feito no começo). A intenção nunca foi criar um bom entretenimento. É como A Forma da Água e tantos filmes atuais - o cineasta apenas se infiltrou num gênero comercial pra conseguir transmitir sua mensagem política pra plateia. Mostrar como o capitalismo é "malvado", como os ricos maltratam os pobres, como o altruísmo é nobre, e o egoísmo é mau (já devia ter desconfiado, afinal o Matt Damon está no filme!).

- Ridícula essa personagem da faxineira. Até parece que uma mulher tão pouco sofisticada seria uma ativista política reconhecida mundialmente.

- Agora Matt Damon vai com o vizinho e a faxineira viajar pra Noruega?! Encolhidos? Passear de barco? Não faz o menor sentido pessoas encolhidas saírem por aí na natureza selvagem, a colônia original ser um lugar totalmente desprotegido de animais, etc. É certamente um dos roteiros mais nonsense dos últimos tempos.

- Agora Damon abandonou sua namorada, sua vida luxuosa, e está iniciando um romance com uma faxineira vietnamita perneta na Escandinávia (o paraíso dos socialistas) enquanto debate os perigos do aquecimento global com intelectuais pretensiosos.

- SPOILER: Ridícula a história do fim do mundo, a "arca de Noé" que irá salvar apenas os encolhidos, que viverão na sociedade comunista ideal - uma cidade totalmente planejada, composta apenas de pessoas "pequenas", niveladas por baixo, com comida e recursos naturais pra milhares de anos sem que ninguém tenha que trabalhar de fato, etc.

- SPOILER: Se são tão poucas pessoas que irão entrar na "arca", certamente seria possível construir uma gruta do gênero pra pessoas de tamanho natural. É outro desenvolvimento péssimo da história que não depende em nada do conceito do encolhimento (sem falar que é ridículo a ciência ser tão avançada a ponto de poder encolher pessoas, mas não conseguir ainda proteger as pessoas do clima!).

- SPOILER: O final é um tédio. Matt Damon decide não salvar a própria vida, declara seu amor pela faxineira vietnamita perneta, e os dois partem juntos na missão de ajudar os necessitados e os "sem teto" de Leisureland (o roteirista deve ser débil mental pra pensar que em tão pouco tempo existiriam tantos pobres e mendigos em Leisureland, sendo que a única razão das pessoas encolherem é justamente porque elas teriam segurança financeira pra vida toda).

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CONCLUSÃO: Parte de uma premissa curiosa, mas se desenvolve numa narrativa caótica, ilógica, pouco divertida, cujo objetivo é promover ideologia política e valores deturpados.

Downsizing / EUA / 2017 / Alexander Payne

FILMES PARECIDOS: Elysium (2013) / O Preço do Amanhã (2011)

NOTA: 2.0

sexta-feira, 2 de março de 2018

Projeto Flórida


Pense nas pessoas mais medíocres, decadentes e sujas que você puder imaginar... Não estou falando de assassinos, pessoas excepcionalmente más que ainda renderiam um bom espetáculo... E sim de pessoas que existem aos montes por aí - aquilo que os americanos chamam de "white trash". E imagine um condomínio decadente, onde o elevador cheira a mijo e os moradores também. Agora imagine ir ao cinema e passar 2 horas vendo essas pessoas fazendo coisas estúpidas, cometendo pequenos crimes, destruindo propriedade, sendo mal educadas - mas sem sentirem um pingo de culpa ou arrependimento no processo, e sim dando risada com seus dentes podres e se achando o máximo.

O roteiro não conta uma história, mostra apenas uma sequência de situações aleatórias que não caminham a lugar algum. Não há um protagonista claro, não há desenvolvimento de personagem, psicologia, e as atuações são amadoras (Willem Dafoe ter sido indicado ao Oscar é um dos absurdos da premiação desse ano; ele só se destaca aqui porque é o único que parece ser um ator profissional no filme, e quando surge na tela nos lembra de que não estamos assistindo a um vídeo caseiro).

Não, não se trata de um filme Naturalista (como Moonlight, por exemplo), cujo propósito é nos sensibilizar a respeito de classes menos privilegiadas, com algum tipo de intenção social positiva (se fosse isso, haveria alguma tentativa de tornar os personagens gostáveis, humanos, mostrá-los como vítimas, em vez de pessoas animalescas). 

Também não se trata de um retrato crítico da imoralidade (como Ninfomaníaca, por exemplo) com um tom moralista que serve pra nos mostrar o que não deveríamos ser na vida.

Não. A grande "sacada" do filme é simplesmente o fato dessas pessoas viverem ao lado do Walt Disney World em Orlando, o que pro cineasta parece ter algum tipo de significado filosófico. O filme apenas finge ser do tipo Naturalista, "social", quando na verdade ele é Anti-Idealista - do tipo que coloco na categoria F, cuja intenção é a de corromper o ideal, revelar os "podres" por trás da beleza, da virtude, da felicidade, etc. O filme é tão cínico que não acha necessário nem ir dentro da Disney e mostrar coisas podres acontecendo de fato no parque (como Escape from Tomorrow, de 2013). Pra ele, o simples fato da feiúra existir geograficamente perto da Disney parece já ser o bastante pra revelar algo trágico a respeito da realidade, e dar ao cineasta a satisfação metafísica de constatar que a realidade nunca pode ser perfeita de fato ("perfeição" pra alguém com essa mentalidade seria se o mundo inteiro fosse uma Disney e todas as pessoas fossem ricas e felizes o tempo todo). Não é como uma pessoa que fica procurando estrias numa bela modelo pra se sentir melhor a respeito dela mesma... E sim alguém que já fica satisfeito apenas em ver que existe cocô de cachorro na calçada pela qual a modelo caminha.

Como disse na postagem sobre Anti-Idealismo, o filme é um exemplo claro de como esse tipo de filme não busca construir nada, transmitir algo de positivo. Eles só existem pra destruir riquezas, coisas de valor, e por isso, precisam estar sempre por perto delas pra poderem corrompê-las. É na base de contrastes que o filme pretende manchar o ideal, zombar da busca humana por felicidade, como por exemplo iniciando o filme ao som extasiado de Celebration de Kool and the Gang, ou dando ao condomínio decadente uma pintura lilás vibrante, mostrando personagens desafortunados sob um lindo arco-íris no céu, ou andando por lugares "mágicos" como a Travessa dos Sete Anões. 

Ao contrastar a beleza com a feiúra, não é o feio que se torna mais belo: se você coloca uma barata na borda de um prato, não é a barata que se torna mais apetitosa, e sim a comida que se torna repulsiva. 

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The Florida Project / EUA / 2017 / Sean Baker

FILMES PARECIDOS: Docinho da América (2016) / Escape from Tomorrow (2013)

NOTA: 0.0