quinta-feira, 12 de abril de 2018

Jogador Nº 1

NOTAS DA SESSÃO:

- Muito interessante a ideia do OASIS e a metáfora que o Spielberg parece querer criar em relação ao escapismo de seus filmes, embora nesse contexto do OASIS, a ideia de "escapismo" seja um tanto deprimente, pois mostra o ser humano abandonando totalmente a realidade pra buscar felicidade num mundo artificial (não diria que isso é igual à arte ou aos filmes do Spielberg, pois pra mim a arte serve como inspiração pra que a gente seja melhor na vida real, e não apenas como uma fuga, um momento de escape de uma realidade trágica, que continuará trágica após esse breve "descanso").

- Pelo menos fica estabelecido que, se a pessoa morrer ou perder moedas no OASIS, isso representa de fato uma perda de valor no mundo real, não é apenas um jogo inconsequente (embora a gente não saiba exatamente o que o protagonista tem a perder, o que de ruim aconteceria em sua vida pessoal caso ele perca no jogo, etc).

- O objetivo de encontrar o Easter Egg também é bem estabelecido, mas não há um grande envolvimento do espectador, pois a motivação do personagem é mal fundada, superficial. Ele não parece ter um grande sonho de ser dono do OASIS, não parece estar precisando desesperadamente do dinheiro ou algo do tipo, então a corrida não tem carga dramática, um significado emocional pra ele. É apenas um joguinho com um prêmio atraente no fim, mas se ele não ganhar, tudo bem também. A garota Art3mis até tem uma motivação mais sólida, ideológica (meio esquerdista), mas que não parece ser vital pro Wade de fato.

- Divertidas as milhares de referências à cultura pop. Embora o filme dê tiro pra todo lado, tentando agradar públicos opostos (acho legal quando são referências a coisas compatíveis com o mundo do Spielberg - De Volta para o Futuro, etc - mas quando ele começa a homenagear coisas mais underground, indie, me parece inautêntico - assim como o vilão do filme na cena em que ele tenta ganhar a simpatia do Wade mencionando John Hughes, Duran Duran, quando na realidade é um homem de negócios que não entende de nada disso).

- Seria muito mais inspiradora a história se o Halliday tivesse escondido as chaves de forma que apenas uma pessoa com grandes qualidades de caráter pudesse encontrar. Alguém com as mesmas virtudes dele, e que cada chave provasse que o jogador tem alguma qualidade específica, tornando-o digno de comandar o OASIS. Mas na prática pra encontrar as chaves aqui você só precisa desvendar enigmas comuns - qualquer pessoa inteligente que pesquise bem a vida de Halliday poderia encontrá-las.

- As maneiras como o herói descobre as chaves também não são muito legais. Por exemplo, quando ele descobre que tem que dar ré na corrida de carro - é uma associação tão distante que o espectador não tem como entender como foi feita. A gente não participa da brincadeira, não entende a lógica por trás das descobertas, apenas assiste passivamente o herói tendo sacadas mirabolantes que não sabemos de onde vieram. Nos melhores filmes, o espectador consegue entender como o herói teve o insight, sente que ele também teria tido a sacada se estivesse na mesma situação. A diversão do espectador não está em descobrir que o herói é mais esperto que ele, e sim no prazer de ver uma revelação incrível com seus próprios olhos - o que costumava ser a abordagem do Spielberg no passado: vejam por exemplo essa cena de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, onde o Richard Dreyfuss finalmente descobre o que significa a montanha que aparece em suas visões, após dias tentando decifrar o enigma dos aliens:




- Meio confusa essa história das 3 chaves - o fato de todo mundo poder pegar a chave também depois que o 1º revela o segredo. Isso não vai "filtrando" as pessoas, de forma que só os melhores jogadores se aproximem da 3ª chave.

- O romance não funciona. A menina é antipática, não há sintonia entre eles, ele diz que está apaixonado por ela, mas não vimos 1 momento de real intimidade, não vimos ele demonstrar em nenhum momento que estava envolvido emocionalmente - e eles nem se conhecem na vida real (a ideia tola de que você deve se apaixonar por uma pessoa apenas por sua consciência, e ignorar totalmente a dimensão física).

- Meio desnecessário todo o trecho na balada, a disputa de dança ao som de Bee Gees, etc. Só serve pra fazer mais referências à cultura pop, mas soa forçado, até porque a segunda chave não está aí.

- O vilão também é fraco. É um empresário ganancioso que quer virar o dono do OASIS, mas não tem uma motivação realmente destrutiva, maligna, nem tem nada contra o herói pessoalmente (os dois mal se conhecem, então não há muito drama).

- O filme entrar dentro de O Iluminado é uma ideia maravilhosa e tecnicamente é muito bem feito - mas ainda acho que o filme depende demais dessas referências pop pra agradar o público, porque se dependesse só da história e dos personagens, seria pouco interessante.

- Confuso quando o Wade começa a conhecer os amigos na vida real. Os amigos eram secundários demais no OASIS, e lá todo mundo vive mudando de disfarces, então nem sei mais quem é quem agora. São pessoas que não parecem ter nada em comum e não criam uma equipe atraente.

- Não é claro como descobrem que a 3ª chave está no Atari.

- O filme cria um enorme suspense em cima daquele orbe, como se fosse uma arma altamente perigosa, quando é apenas um escudo pra impedir os competidores de chegarem no Atari enquanto os vilões jogam.

- O final vai ficando cada vez pior e mais caótico. É péssimo todo esse trecho onde a Art3mis é presa, mas daí consegue escapar e facilmente subir até a sala do vilão, tudo pra desativar o orbe e liberar o Atari, que nem sabemos se é mesmo a 3ª chave. A sequência de batalha é poluída visualmente, não dá pra entender qual o objetivo físico, se esses milhares de pessoas estão aí pra tentar jogar o Atari...

- O herói faz aquele discurso pra multidão, como se tivesse numa batalha épica pra salvar o planeta... Não cola, pois foi o que disse no começo: Wade não tem uma motivação pessoal forte na história, e o vilão não tem de fato um plano de destruir o mundo, etc. Não são como os rebeldes em Star Wars. É uma história bem mais simples, sem essa carga política toda.

- Não fica claro por que o Wade atira na Art3mis. É um ato extremamente dramático, mas que não parece ter necessidade alguma, acontece de maneira rápida, casual. Só aumenta a impressão de que morrer no jogo não é tão sério assim no fim das contas.

- SPOILER: O herói não faz nada de admirável o filme todo. No fim sobrevive porque ganhou uma moeda mágica de presente que nem sabia que tinha. E acha o Easter Egg não por ter virtudes relevantes, mas porque é um pouco mais nerd que os outros jogadores e deve passar o dia todo lendo trivia de video game.

- Nada a ver a cena em que ele se recusa a assinar o contrato. Ele nem leu o que estava escrito. É como se contratos fossem intrinsecamente maus, coisas de "homens corporativos" que só podem ser maléficos.

- Herói Envergonhado: a ausência de foco nas virtudes de Wade; toda a ênfase no trabalho de equipe; a decisão de Wade de dividir o prêmio com os amigos, etc.

- Detalhes confusos, mal escritos: por que Wade desconfia que o Halliday não é um avatar, sugerindo que ele possa ser uma consciência real ou algo do tipo? De onde veio essa ideia? Ou depois o diálogo com o Ogden Morrow onde é "revelado" que ele é que era a chave de Halliday, e não a Kira. Como assim? A Kira foi sim a 2ª chave. Ogden foi citado no desafio do contrato, mas isso o Wade já sabia. O que há de revelador nessa cena agora? O filme só fica tentando confundir o espectador, dar a sensação de que houve várias revelações surpreendentes agora no clímax, pra ele sair com a vaga impressão de que viu uma grande história, embora não tenha entendido muito bem.

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CONCLUSÃO: As referências culturais divertem e é legal ver o Spielberg tentando se reconectar com o público jovem, mas o roteiro por baixo não se sustenta.

Ready Player One / EUA / 2018 / Steven Spielberg

FILMES PARECIDOS: Ender's Game: O Jogo do Exterminador (2013) / Minority Report - A Nova Lei (2002)

NOTA: 5.0

6 comentários:

Caio Amaral disse...

Marcus, parece q não estávamos tão fora de sintonia no fim das contas, hehe.

Marcus Aurelius disse...

Olá Caio.

Eu estava disposto ver novamente o filme para ver se não era implicância minha. Mas se houve alguma sintonia, então talvez não fosse mesmo rsrsrs. Mas lembro de coisas que me desagradaram.

Acho que o problema é com o material original, não tanto com Spielberg. O que senti é que o filme cai na categoria de "romance adolescente" adaptado de livros, só que com grau de qualidade um pouco maior por conta das referências e do dedo do Spielberg. Não vi como um projeto com envolvimento pessoal do Spielberg, assim como o Kubrick adaptara o Iluminado como algo pessoal seu. E sim como mais uma tentativa de criar uma franquia e apelar para o público mais geek.

Achei o conflito inválido. Não pouco envolvente, mas inválido. Na oficina após a primeira corrida, fica estabelecido pela Art3mis que a qualquer momento os óculos poderiam ser retirados, e o avatar desapareceria. Quando o holograma do Parzival é projetado no escritório do vilão, ele retira o óculos e utiliza um dispositivo periférico para enganar o sistema. Ou seja, além de ser burlável, não representa perigo algum. Mesmo que exista perda de dinheiro no mundo real, a pessoa se for esperta pode contornar todos os problemas.

Então em todas as cenas de ação, principalmente na discoteca, eu me perguntava o porque eles não retiravam o óculos e "spawnavam" em outro local. Ainda achei uma falha ver o Parzival comprar itens milagrosos antes tão caros, só para fazer uma referência depois.

Achei o mundo digital desagradável, excesso de fantasia. Jogos como Second Life são populares na internet pela sua bizarrice, modificações, avatares sem sentido. Quando estava vendo o filme, senti como se estivesse vendo uma adaptação de Second life. De pessoas que estão ali para "zoar", "tirar onda", não para escapar da realidade como é tão afirmado pelo filme.

A comparação com Matrix foi inevitável pra mim. Na Matrix digital, as entidades se comportavam como no mundo real, com física identificável, personagens com peso conforme o seu tamanho físico, os carros e caminhões andavam conforme sua natureza. Em Jogador parece que não há distinção entre os gráficos, tudo vale. Qual a diferença entre escolher um avatar grandão e musculoso para um magro e pequeno? Porque um Gigante de Ferro não dá conta do Mechagodzilla, mas um robô de anime (não sei o nome) consegue brigar? Quais são as regras válidas? O disfarce de Goro do Mortal Kombat, é mesmo forte e perigoso ou apenas um disfarce?

A "revolução" dos jovens eu não vejo como um aspecto esquerdista, neste caso. Mas como uma extensão, um tanto atrasada, daquela onda que eu lembro que tinha no começo dos anos 2000, dos jovens "contra o sistema", underground lifestyle, correndo de autoridades com pasta e terno, que eu vejo mais como uma previsão distópica do futuro do que um desejo em si. Colocar neste filme me soou tão inútil quanto utilizar escravos humanos, em vez de bots, para um trabalho em ambiente digital de demolição(!).

Ficar citando nomes de referências pop, nomes de músicas, de desenhos, animes. É tudo solto, sem sentido dentro da história, serve apenas para jogar umas referências soltas desconexas. Senti como se o Spielberg fosse o empresário vilão falando de referências e tentando ganhar a confiança dos jovens.

Também achei a ideia de entrar dentro de O Iluminado muito boa, mas os aspectos intensificados de horror (o mar de sangue, os gigantes, os fantasmas flutuando) me pareceram tentativa agradar os fãs do filme, mas que os mais jovens não achariam tão "terror" assim, então ele apelou.

Sei lá... era tanta coisa que eu estava como vergonha no começo, mas comecei a ficar revoltado com tantas escolhas erradas kkkk. Quando o filme sair em catálogo (ainda utilizam essa expressão depois da falência das videolocadoras?) vou fazer como no seu novo post sobre princípios estéticos, e listar pra mim mesmo tudo aquilo que desgostei do filme e tentar encontrar uma razão.

Marcus Aurelius disse...

Aliás, a cena onde o herói estava tentando colocar as chaves na fechadura no mundo digital, e o carro balançava no mundo real, de forma que ele não conseguia se equilibrar, e todo mundo olhando com suspense.... me fez questionar se o filme não era uma autoparódia.

Caio Amaral disse...

Concordo q não foi um projeto que o Spielberg tornou pessoal.. assim como O Bom Gigante Amigo foi apenas uma adaptação competente.. é como se ele tivesse apenas "emprestando" pra esses filmes seu domínio técnico, mas não tivesse um grande envolvimento como criador..

Eu não gosto em geral de filmes cuja ação se passa em realidades virtuais.. Matrix foi exceção pq lá a pessoa morria na vida real se ela morresse na Matrix, e isso era bem ilustrado.. Mas enfim.. Fica confuso mesmo esse lance da força de cada personagem, o que cada um é capaz de fazer com cada disfarce.. mas isso é um mal de quase todo filme de ação hoje em dia.. falo sempre isso nos filmes da Marvel, etc..

Nem reparei nessa regrinha que eles poderiam tirar o óculos pra fugir dos vilões sem consequências.. mas isso pra mim não invalida o conflito tooodo do filme, até pq o vilão tava querendo matar o protagonista no mundo real.. então algum perigo havia, pelo menos da metade do filme pra frente.. mas é tudo muito confuso mesmo.. Tb achei irritante a cena da fechadura, hehe.. todo aquele trecho da perseguição de van.. depois q ele pega a chave, acho que os vilões deviam ter sido derrotados.. mas não.. ele ainda tem q assinar o contrato.. depois o Halliday mostra aquele botão de desligar o OASIS, vai procurar o ovo.. tudo ainda com a ação acontecendo na van.. achei anticlimático..

O roteiro foi escrito pelo próprio autor do livro (que como roteirista é principiante) e por um outro roteirista que só escreveu bombas como Inspetor Bugiganga, Elektra, O Incrível Hulk.. quando vi isso já fiquei com um pé atrás em relação ao filme, pois concordo com o que disse o Kurosawa:

"Com um bom roteiro, um bom diretor pode produzir uma obra de arte. Com o mesmo roteiro, um diretor medíocre pode produzir um filme passável. Mas com um roteiro ruim, até um bom diretor não consegue fazer um bom filme." abs!

Dood disse...

Teve gente dizendo que algumas coisas do Livro foram atualizadas para a época atual. Será que isso também não influenciou?

Caio Amaral disse...

oi Dood.. bom.. como o autor do livro também escreveu o roteiro.. não devem ter sido mudanças do tipo q pioraram a qualidade da história acho..