terça-feira, 10 de abril de 2018

Um Lugar Silencioso

É o tipo de filme com uma premissa tão ilógica que já me perde logo nos primeiros minutos e não recupera mais, pois todos os acontecimentos e todas as ações depois apenas constroem em cima dessa premissa inicial que já parece insultar minha inteligência. E não estou falando do elemento de fantasia, dos monstros, etc... Isso eu compro numa boa. O que eu não compro é o comportamento dos personagens - isso não deve ser irreal num filme, mesmo numa história sobrenatural, se você quiser que o espectador se importe por qualquer coisa. Num filme desse gênero, o que nós queremos ver é como um ser humano real poderia se comportar diante de eventos extraordinários. Os personagens podem ser pessoas comuns, pessoas heroicas, pessoas boas, más, mas ainda assim, devem agir de acordo com a natureza humana pra que nos importemos.

Agora se no filme o mundo está infestado por monstros que vão devorar qualquer pessoa que faça um barulhinho qualquer, é simplesmente idiota, nonsense, que essas pessoas estejam andando ao ar livre, deixando crianças saírem por aí sozinhas, que elas vivam em lugares abertos, cheios de portas, janelas destrancadas, em lugares silenciosos onde cada objeto derrubado de uma prateleira possa significar a morte. Nenhum ser humano agiria assim, nem mesmo um muito burro. A coisa mais óbvia que qualquer pessoa faria numa situação dessas seria primeiro encontrar um abrigo protegido, com muros, paredes e portas resistentes, ou de repente um apartamento no alto de um prédio, onde mesmo que se fizesse barulho, os monstros não poderiam entrar facilmente por conta de uma barreira física. A questão do barulho seria facilmente driblável também se eles espalhassem caixas de som por aí criando um ruído constante ou tocando música alta por onde eles tivessem que passar (se o pai é tão bom com tecnologia que pode desenvolver aparelhos para surdos em seu porão sozinho, certamente instalar umas caixas de som não seria complicado). Na pior das hipóteses, eles poderiam viver próximos ao mar ou a uma cachoeira, onde o barulho da natureza camuflaria os sons que eles produzissem.

Se só o ponto de partida fosse ilógico, mas o resto do filme não, ainda seria aceitável.. O problema é que tudo o que acontece no filme demonstra falta de noção de realidade por parte dos criadores (como a ideia do tanque de armazenamento de grãos, que age como se fosse areia movediça sugando as pessoas pro fundo - há diversos momentos bizarros como esse em que você se pergunta se o cineasta está te chamando de idiota, ou se ele realmente acha que aquilo é convincente).

Eu ainda tenho certa tolerância quando esse tipo de falta-de-noção está associada a ingenuidade, despretensão, ao desejo de criar um entretenimento leve, etc... O que torna tudo mais irritante aqui é que o cineasta acredita que está fazendo um suspense inovador, autoral, "high-concept", que de alguma forma ele foi brilhante ao pensar num thriller moderno quase sem diálogos... E o público parece estar impressionado também, como se fosse tão ousado pensar numa ideia dessas que o filme merecesse ser aclamado independentemente de seus defeitos.

Não há uma boa história, senso de evolução, bons personagens... É apenas 1 longa sequência de suspense onde ninguém pode fazer barulho se não morre. O cineasta deve ter pensado: "Nossa, aquelas cenas de filmes de monstros onde ninguém pode fazer barulho são tão eficazes, é tão genial quando o diretor não usa trilha sonora em momentos de extrema tensão, criando um contraste entre o silêncio e a expressão dramática no rosto dos atores - não seria legal pegar uma cena dessas e estendê-la por 1 hora e meia?".

Poderia ter sido uma boa ideia, mas ninguém parou pra pensar numa premissa que tornasse crível a situação. E a ideia do "suspense sem diálogos" é apenas um gimmick pra impressionar leigos (e facilitar o trabalho do roteirista). O diretor não usa a ausência de diálogos como forma de tornar o filme uma experiência cinematográfica mais pura, criativa, visual, como fazia Hitchcock. Não há uma noção especial de comunicação visual aqui. É apenas um filme com poucas falas, ou seja, com menos material e conteúdo que outros filmes - e talvez até por isso soe mais inteligente que a média para alguns espectadores ("Até o tolo, estando calado, é tido por sábio; e o que cerra os seus lábios, por entendido.").

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A Quiet Place / EUA / 2018 / John Krasinski

FILMES PARECIDOS: Ao Cair da Noite (2017) / O Homem nas Trevas (2016)

NOTA: 3.0

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