terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Superando o guilty boredom

Apesar da segurança que tenho hoje nas minhas ideias sobre filmes, já houve uma época em que eu era muito mais aberto e permissivo em relação ao cinema Não Idealista e a filmes que hoje não dou tanto valor. Até os meus 15, 16 anos, meu único interesse eram de fato os filmes americanos, os clássicos de Hollywood que sempre cito aqui. Quando morei nos EUA em 2001 e 2002 (tinha uns 18 anos) e já tinha visto a maioria dos grandes clássicos, comecei a abrir o leque e a explorar filmes mais independentes, alternativos — foi quando descobri cineastas como David Lynch, John Waters etc. Mas até aí, ainda estava num universo de entretenimento, vendo filmes por prazer.

De volta ao Brasil, lá pelos meus 20 anos (em 2003), fui trabalhar na 2001 Vídeo, uma rede de locadoras em São Paulo que tinha um acervo riquíssimo de filmes arte, cinema europeu, nacional, etc. E foi aí que comecei a me aprofundar no mundo do Naturalismo, do Experimentalismo. Até então, eu não tinha interesse algum nesse tipo de cinema, e hoje, quem me acompanha sabe bem o que penso desses estilos de arte. 2 fatores me levaram a querer mergulhar nesse novo universo. Primeiro, minha função na empresa era ser expert em filmes, conhecer de tudo pra poder indicar para os clientes, informar a equipe, etc. Então havia um interesse prático em consumir coisas que não eram do meu interesse espontâneo. Mas a principal motivação veio do fato de eu estar cercado de pessoas que tinham uma bagagem cinematográfica maior que a minha, e que pareciam extremamente cultas, sofisticadas intelectualmente. Subitamente, todos aqueles milhares de filmes que eu já tinha visto, os clássicos de Hitchcock, David Lean, Kubrick, Billy Wilder, pareciam não ser o bastante. Os "verdadeiros" cinéfilos, naquele novo núcleo, eram pessoas que conheciam filmes do Robert Bresson, Nelson Pereira do Santos, Jean-Luc Godard, Antonioni, Tarkovsky... Bergman e Fellini eram quase "pop" demais para alguns ali. Então obviamente me senti atrasado, e tive um impulso natural de correr atrás e corrigir essa "falha" no meu repertório. Embora eu não tivesse uma atração natural pelos filmes, havia "algo" naquele mundo que parecia misterioso, sofisticado, que eu não entendia direito, e precisava descobrir. Aquelas pessoas tão cultas e inteligentes ao meu redor não podiam estar todas erradas, afinal.

Eu assistia algo diferente todos os dias. A experiência de ver os filmes não era exatamente prazerosa. O prazer vinha mais do senso de "missão cumprida", de estar ampliando meu repertório, de saber que eu teria algo pra discutir no dia seguinte com meus colegas de trabalho. Não era um prazer imediato, que vinha diretamente da tela, dos personagens e dos eventos das histórias. Mas também não me parecia algo totalmente forçado, como a "obrigação" às vezes de ter que estudar algo que você não gosta, fazer determinados exercícios físicos. Havia um impulso, uma disposição, que vinha em partes dessa ambição profissional/intelectual, e em partes do desejo de pertencer ao "clube" dos cinéfilos com quem eu convivia.

Um "detalhe" que foi um combustível extra nesse processo foi uma espécie de paixão platônica que surgiu por uma pessoa daquele ambiente, que de certa forma simbolizava todo esse outro universo intelectual, que pra mim era intrigante, parecia esconder algo superior.

Às vezes comparo essa minha experiência com a de estudantes que entram na faculdade e começam a ser influenciados por professores de esquerda que os apresentam a uma visão mais complexa e malevolente de mundo (intelectuais em qualquer área tendem a tombar pra esta direção). E é justamente nessa fase do final da adolescência e do começo da vida adulta que estamos mais vulneráveis a esse tipo de influência. É normal nesse período querermos amadurecer intelectualmente, ir além das coisas que já conhecíamos quando criança, entender mais de filosofia, de política, de temas complexos. E quando chegamos aí, nossos únicos guias intelectuais parecem ter uma visão pessimista de mundo. São todos críticos em relação ao mundo moderno, ao cinema comercial, têm uma visão de mundo cínica e conflituosa, etc. O que te leva a fazer uma falsa escolha: ou amadurecer intelectualmente e com isso aceitar uma realidade mais deprimente, tediosa, sombria, ou então preservar seu universo iluminado, prazeroso, otimista, mas ser eternamente uma pessoa superficial e infantilizada.

Meu primeiro choque com esse mundo foi quando conheci o Rubens Ewald Filho, ainda antes de entrar na locadora. Eu tinha uns 17 anos. Antes de conhecê-lo pessoalmente, pra mim ele representava o mundo do Oscar, da Hollywood antiga. Eu sonhava em trabalhar com cinema, então conhecê-lo pessoalmente foi como chegar mais perto daquele universo mágico dos clássicos que eu via em VHS. Mas logo no primeiro encontro, me deparei com uma pessoa bem diferente da que imaginava. Rubens parecia ser o "homem do Oscar" apenas em frente às câmeras. Na prática, ele tinha muito mais em comum com cinema italiano dos anos 40/50, com os grandes diretores europeus, etc. Nesse primeiro encontro, surgiram já vários atritos com base em diferenças ideológicas que eu mal entendia na época. Ele fez certas críticas à minha criação, dizendo que o fato de eu ter crescido em Alphaville me colocava numa certa bolha, me deixava cego para a realidade. Sugeriu que fizesse um filme um dia, quando me tornasse cineasta, explorando o cenário em que cresci — uma espécie de Peyton Place brasileiro, expondo os escândalos e os podres por trás das classes mais altas. Num outro momento, ele fez uma observação maldosa e aleatória a respeito de uma expressão facial minha — um jeito inconsciente de tensionar os olhos, que pra ele devia parecer um micro-sinal de vaidade que não podia passar impune. Foram detalhes assim que me deixaram irritado e confuso nesse primeiro contato. Já entendia um pouco de questões políticas, e chegando em casa o confrontei por e-mail, observando que depois de todo um discurso sobre desigualdade, injustiças sociais, na saída do restaurante ele fechou o vidro na cara de um garotinho que veio pedir dinheiro, de uma maneira mais rude do que eu jamais teria sido capaz. Ele respondeu: "Bem observado. Com o tempo, você vai aprender que são dessas contradições que são feitos os seres humanos."

Apesar do início conturbado, tive uma relação amigável com ele durante vários anos, e sempre o respeitei como profissional, como pessoa. Mas obviamente pertencíamos a universos diferentes. Às vezes ele se irritava comigo em alguma discussão (geralmente por e-mail), e depois pedia desculpas lembrando que eu tinha apenas 17 anos... Gostava de dizer que eu "ainda ia levar muita porrada da vida". É o tipo de truque que te desarma intelectualmente. Alguém com 17 anos não tem como ter certeza que uma pessoa com 50 não enxerga outra realidade, superior à sua. Não há opção a não ser manter a mente aberta e aguardar para ver.

Mesmo nesse período, entrando na vida adulta, eu nunca reneguei meus filmes favoritos do passado. Os grandes sucessos de Hollywood continuavam no topo da minha lista. Porém eu tinha me tornado agnóstico, moralmente neutro em questões estéticas. Passei a dar crédito às premissas do Naturalismo, do cinema de arte. Quando olho minhas avaliações antigas no IMDb (tenho conta lá desde os anos 90), me surpreendo com as notas altíssimas que eu dava nessa época pra filmes que não me agradavam de fato. Filmes totalmente experimentais e sem talento não chegavam a me enganar. Mas filmes bem realizados, que tinham alguma profundidade psicológica, às vezes ganhavam meu respeito, mesmo eu ainda não entendendo 100% quais as reais virtudes dessas obras.

Olhando pra trás, vejo que dava notas altas especialmente quando percebia algum traço de Idealismo no filme, mesmo que muito de leve. Por exemplo: quando eu assistia algo esperando um realismo cru, absoluto, mas de repente, em uma breve cena, o filme me surpreendia com um elemento de escapismo. Ou quando um filme tedioso subitamente apresentava um Set Piece memorável, tinha um final impactante. Quando um filme deprimente de repente tinha uma cena otimista ou um final não trágico. Ou quando eu percebia um valor de produção surpreendente, quando o cineasta demonstrava uma habilidade técnica inesperada pra um filme mais "artístico". Ou seja, eu não estava aceitando totalmente as premissas do Não Idealismo e julgando os filmes com base nisso. Eu ainda estava me agarrando aos princípios do Idealismo — a diferença é que, quando eu via um filme como Titanic (1997), eu esperava ver essas qualidades em abundância, num grau extremo, em todos os aspectos da produção, do início ao fim do filme. Já num filme de "arte", bastaria uma indicação sutil de alguma dessas qualidades pra eu dar uma nota altíssima. Não era o prazer da "fatia de bolo" de Hitchcock. Era mais como o alívio de comer uma balinha na recepção após um exame médico torturante.

Um efeito colateral curioso desse período é que a questão do "guilty pleasure" se tornou mais presente na minha realidade, algo que não existia na minha infância/adolescência. Principalmente em contextos sociais. Quando eu estava sozinho ou com os poucos amigos que tinham um gosto parecido com o meu, não tinha problema algum em ver os filmes que gostava, consumir entretenimento Idealista. Era mais comum o outro lado da moeda: o "guilty boredom" — eu me sentir culpado por estar entediado com um filme "artístico" que eu deveria estar amando. 

O Idealismo não me gerava culpa, mas no mundo externo, ele parecia só poder se manifestar sob um manto de cinismo, de deboche, como se houvesse algo vergonhoso em curtir esse tipo de coisa (ou admitir isso socialmente). Eu não tinha convicção o suficiente pra condenar o cinismo nos outros e na cultura. Parecia algo inevitável, e em certas situações eu acabava aceitando, entrando na onda. Por não ter uma base intelectual sólida, eu ficava em cima do muro, dava certo mérito pras visões opostas de arte, o que me mantinha calado, impotente, mesmo no fundo eu sabendo que havia algo de errado.

Por exemplo: quando eu chamava amigos da locadora em casa pra fazer sessões de filmes, meu desejo era sempre colocar algo divertido, criar uma experiência positiva. Não ia colocar Godard. Mas eu também não me sentia à vontade pra sugerir um filme que eu admirasse completamente, pra ser visto de maneira séria, contemplativa. Acabava escolhendo algo divertido, com elementos Idealistas, mas que tivesse também algo tosco, de gosto duvidoso, que desse aos convidados a permissão pra debocharem da obra e se sentirem superiores. Era uma forma de me proteger também. Pois se exibisse algo que representasse meus ideais mais elevados, eu sabia que aquilo seria recebido de maneira fria, e que o deboche viria de qualquer forma. Portanto era menos incômodo passar algo que já tivesse algo explicitamente condenável. Criaria a ilusão de que o deboche era apenas direcionado ao que havia de "tosco", fútil ou errado no filme, não era um ataque aos meus valores pessoais.

Como eu gostava de músicas mais antigas dos anos 70–80, eu ia com frequência a festas que tinham um perfil mais retrô. Todas elas tinham essa atitude cínica em algum nível. Havia uma balada em São Paulo que chamava Trash 80's, e o nome já diz tudo. Essa em particular era um pouco demais pra minha cabeça, e lembro que mesmo na época eu já não gostava muito; lá o tom de deboche era explícito, escancarado, obrigatório. Mas outras já ficavam num meio termo — me davam a oportunidade de curtir a nostalgia, ignorando em partes o tom cínico (que ainda estava lá, só não era tão explícito a ponto de arruinar toda a experiência). Não parecia haver uma alternativa: um lugar onde eu pudesse ir, encontrar pessoas da minha idade, e que tocasse aquelas músicas num tom de admiração honesta.

Um episódio curioso que ilustra bem a tolerância maior que eu tinha nessa época foi uma vez quando ganhei um ímã de geladeira do Michael Jackson, que sempre foi um ídolo meu desde criança. Porém o ímã era claramente uma paródia... Vinha com várias peças avulsas; você podia deixar o Michael nu, fantasiado de Peter Pan, colocar um espelho onde ele se enxergava como a Diana Ross no reflexo, havia também uma seringa com tinta branca pra zombar da mudança da cor, etc. Eu não gostava desses acessórios, e já sabia o porquê. Então costumava deixá-lo só com o figurino do "Thriller". Mas mesmo assim, só pela expressão e pela pose, já dava pra perceber a atitude cínica. Hoje em dia eu não toleraria uma figura daquelas na minha geladeira. Mas na época, tinha a sensação de que as coisas eram assim, que seria exagero reclamar, que era apenas um senso de humor ou um "espírito esportivo" que me faltava. Assim, o ímã ficou na geladeira por alguns anos, mostrando como minha hesitação contribuía diretamente pra degradação dos meus próprios ideais.

Lá pra 2006/2007, esse meu flerte com o Não Idealismo já estava chegando ao fim. Eu não trabalhava mais na locadora desde 2005, mas continuava amigo de pessoas de lá, então não foi de imediato que perdi o interesse nos filmes de arte, em frequentar mostras, etc. O que realmente acelerou meu retorno aos meus interesses originais foi a tal da paixão platônica, que teve um final particularmente amargo. Foi provavelmente a experiência mais difícil emocionalmente pela qual já passei. Já tinha vivido outras situações parecidas no passado, mas nunca com uma pessoa que estivesse associada a este outro universo intelectual, que me remetesse ao senso de vida malevolente, ao subjetivismo, etc. Minha rejeição do Não Idealismo não veio apenas da avaliação estética de certos filmes. Foi por mergulhar no universo desses valores, e enxergar o que de fato ocorre na intimidade das pessoas quando elas absorvem certas premissas, aceitam certas filosofias — e principalmente o que acontece comigo quando me insiro no universo delas, o quão deprimente e vazia a vida pode se tornar — que fui pegando aversão a essas ideias.

Nesse estágio, minha bagagem cinematográfica já estava à altura da dos "verdadeiros cinéfilos". Já tinha lido as teorias, feito cursos, visto centenas de filmes daquelas prateleiras que antes pareciam fora do meu alcance, que me causavam a hesitação, a falta de confiança nas minhas referências. Fui me tornando seguro pois já conhecia por dentro o outro lado, e não tinha encontrado aquele "algo mais", a superioridade intelectual que imaginava. O que encontrei foi principalmente uma negação, a rejeição de certos valores positivos, como alguém que se revolta contra a realidade e começa a se perguntar: por que tudo tem que ser racional? Que tal começar a explorar coisas irracionais pra variar? Em vez de fazer algo lógico e coerente, que tal fazer algo ilógico, contraditório? Em vez de perseguir o belo, o alegre, o bem sucedido, que tal perseguir o feio, o triste, o derrotado? Em vez de cultuar a vida, que tal cultuar a morte? No fim era essa a grande "sofisticação" que havia por trás aquele universo artístico. Esse era o ingrediente "misterioso" que eu parecia não entender no começo, o código secreto que os experts ao meu redor conheciam e eu me esforçava pra decifrar. Foi em nome disso que eu me permiti ser neutro por tanto tempo, e permiti que as coisas que eu mais gostava fossem diminuídas, sem chance de defesa.

Daquela época da locadora, só uns poucos permanecem meus amigos até hoje. Perdi inclusive o contato com o Rubens Ewald ao longo dos anos. Mas não por escolha minha, necessariamente. Parece que enquanto eu ainda não tinha opiniões fortes, e mantinha uma postura neutra/agnóstica, pessoas com visões diferentes se sentiam mais à vontade ao meu redor. Mas quando comecei a discutir ideias de maneira mais detalhada, explícita, elas mesmas começaram a desaparecer.

A falsa dicotomia entre arte/entretenimento, que teve certa influência sobre mim naquele período, foi se dissolvendo nos anos seguintes. Quando comecei o blog em 2008 eu já estava emocionalmente preparado, porém ainda não tinha uma base intelectual sólida pra sustentar minhas ideias, algo que veio só depois de alguns anos. Mas aí eu já tinha certeza que pra evoluir intelectualmente eu não precisaria rejeitar meu idealismo artístico e o universo dos filmes que sempre me inspiraram.

8 comentários:

Leonardo disse...

Olá, Caio.

Não tenho mais a dizer além de que seu relato foi catártico e que as peças do quebra-cabeça começam a formar uma imagem mais nítida de um panorama geral que ainda tento identificar. Porém tenho alguns comentários mais pontuais:

Tu chegou a assistir no cinema Cidade dos Sonhos no seu lançamento em 2001? Caso positivo, invejo-lhe em imenso. O Pablo Villaça disse em crítica que o público teve uma recepção bastante negativa na sessão no Brasil. Como foi a recepção do público dos EUA?

Na minha cidade a maior rede de locadoras era a Supervídeo e o desinteresse dos funcionários pelos filmes era evidente. Lembro que uma vez fui alugar Três Homens em Conflito e os funcionários da locadora desconheciam Clint Eastwood. Nunca vi essa função de “indicador” de filmes e achei bastante interessante que uma empresa do ramo tenha o cuidado de providenciar uma função “cinéfila”. Dificilmente encontrava filmes de arte ou europeus na minha cidade e o torrent era a alternativa. Aqui a saturação do mercado eram os filmes de ação genéricos direct-to-video que eu achava insuportáveis. Então é curioso ver uma rede de locadoras com opções quase que completamente opostas.

Quando tu fala sobre a sua tentativa de corrigir a “falha no repertório”, lembro que fiz o mesmo, mas inversamente. Fui atrás dos filmes do David Lean, Hitchcock, Spielberg e tantos outros que tu fala aqui no blog. Eu fui assistir pela primeira vez ET em 2016 e A Noviça Rebelde em 2018. Só conheci as músicas do Michael Jackson após seu falecimento e mal sabia de seus clipes.

Interessante o “detalhe” ser uma idéia que foi projetada sobre alguém a partir de um conjunto de características selecionadas e que estão intimamente ligadas com seus valores mais profundos. Lamento o acontecido.

Fiquei impressionado com seu relato do Rubens. O evento da “contradição” é como um pequeno clímax de uma cena em uma ficção da Ayn Rand. Acho que as críticas que o Rubens fez ao seu local de moradia são também feitas a qualquer pessoa que não seja um habitante da periferia ou estatística da linha da miséria. Pois é o argumento do “pecado original”, o mesmo que é feito à idade de alguém, à sua fisiologia, à sua família, às suas influências sociais, à conta bancária de seus pais, à sua saúde física, etc. Eu mesmo fui acusado de ser “privilegiado” por minha mãe ter tido uma máquina de costura para nos sustentar e eu não ter precisado trocar o lápis pela enxada. Também é curioso que ele sugira a exposição da malevolência oculta dos ricos quando ele mesmo se apresentou alguém com uma vida dupla que aceita tais contradições. Em suma, ao longo do texto parece que existe um respeito que conflita com uma mágoa guardada pelo Rubens, talvez produto da relação entre admiração e decepção no representante da Hollywood de outrora.

Uma dúvida: quando eu comecei a corrigir a “falha no repertório”, acabei por descobrir os filmes trash antigos. Localizei na internet a Trash 80's e lembro que na época estava associada aos filmes da Troma. Eu pensava que fosse algum tipo de cinema independente de sessões de meia-noite. Essa relação é verdadeira ou é um erro de pesquisa/interpretação meu?

Chocante que a sofisticação do universo intelectual seja revelada de forma tão simples como o culto ao nada. Ou a pessoa se sujeita a este universo ou ela o enfrenta.

Por fim, é bastante notável que o título da postagem seja ligado ao prazer do espectador e foi prazeroso acompanhar o seu desenvolvimento no desenvolvimento do texto. Porém, me parece que é interrompido de forma bastante abrupta justamente em um ponto de virada em sua vida. Isto é, gostaria que o relato continuasse sobre o que aconteceu após a criação do blog, o seu primeiro videoclipe, curta-metragem premiado, etc.

Obrigado por ter compartilhado sua história, Caio.
Abraços.

Renata Donnini disse...

Caio, sua escrita me emociona e me torna mais sábia e inteligente! Que delícia te ler! Não desista de escrever NUNCA e ainda mais sobre cinema que é cultura. Aprendo com você. PARABÉNS!

Caio Amaral disse...

Valeu Leonardo! Eu vi Cidade dos Sonhos no cinema sim quando estava em cartaz em Los Angeles! Não sabia do que se tratava, nem quem era Lynch.. fui ver despretensiosamente pois o namorado da minha roommate falou que eu tinha que ver esse filme.. não preciso nem dizer que foi uma das sessões mais inesquecíveis da minha vida. Tive que voltar e rever uns dias depois pra entender o que tinha acontecido.

O nome do meu cargo na 2001 era literalmente “indicador de filmes” hehe. Toda loja tinha 1, que era responsável por treinar os outros funcionários, incentivá-los a ver filmes importantes, além de também atender os clientes, etc. E acima dos indicadores tinham uns “cabeças” tb na empresa que davam treinamento pra equipe toda.. esses sim eram verdadeiras enciclopédias de cinema. Nesse ponto a 2001 era uma raridade mesmo.

Queria achar o e-mail do Rubens onde ele deu essa resposta da contradição.. pois dá quase a impressão que eu distorci a frase pra ficar igual a um vilão de Atlas Shrugged, mas foi um e-mail que me marcou muito, então se a frase não era exatamente assim, era algo muito próximo. Talvez tenha ficado uma mini-mágoa por conta dessas diferenças.. embora ele tenha me ajudado e sido sempre muito receptivo.. quando fui pedir emprego na 2001, cheguei lá com uma carta de recomendação do Rubens, pra você ter ideia.. e ele me convidou pra escrever no site dele uma época.. aquele meu roteiro “Oitava” (que costumava estar no blog) ele leu e se ofereceu pra fazer um script doctoring… viu problemas, claro… Enfim, existiam diferenças, mas ele sempre me tratou bem.

Talvez você tenha achado outra coisa chamada Trash 80’s.. Se vc escreve “Trash 80’s São Paulo” a primeira coisa que aparece aqui no Google é essa balada que falei.. Não era uma coisa alternativa, com referências tipo Troma.. era algo mais mainstream.. Tocava coisa infantil, Balão Mágico, temas de filmes, etc.

A ideia do texto era falar como cheguei à minha convicção no Idealismo e nos princípios estéticos que defendo aqui. Agora... uma vez que isso já tinha sido estabelecido, surgiu uma nova questão… O que eu faria com essa visão? Iria tentar me tornar um artista? De que maneira eu poderia me expressar levando em conta minhas aptidões, a cultura atual..? Ou seja, começou uma outra jornada, igualmente dramática, hehe.. mas nesse caso não era tanto uma questão de conflitos filosóficos.. e sim de implementação.. eu sabia o que queria projetar, só não sabia como faria isso, se seria possível, se teria forças pra pagar o preço socialmente, etc. Era muito pano pra manga, não caberia tudo aqui hehe... fica pra um outro post. Mas valeu pelo interesse, abraço!

Caio Amaral disse...

Obrigado Re! Escrever nunca foi meu principal objetivo, mas no fim parece ser meu hábito mais persistente, hehe.. que bom que te acrescenta algo, bjs!!

Dood disse...

Essa questão de filmes que você levantou me lembrou o Oscar de 1998 em que Central do Brasil concorreu com a Vida é Bela. Eu tinha ficado revoltado porque o segundo tinha ganho na época o prêmio de melhor filme estrangeiro. E eu achava esse filme o máximo por conta da atriz de nome (Fernanda Montenegro) e por ter chegado a esse feito, além daquele embuste que a gente enfia na cabeça de apoiar o cinema nacional.

Anos mais tarde vendo os dois como comparativo vi que o a Vida e Bela era muito melhor em enredo e valores, por mais que a história tivesse um clima pesado e triste. Vi que Central do Brasil era um filme vazio por mais que tivesse uma trama, era muito mais apagado.

Caio Amaral disse...

Oi Dood! Não vejo Central do Brasil e A Vida É Bela desde os anos 90 acho... Comparando com os filmes naturalistas de hoje, Central talvez até pareça ter uma boa trama hehe.. um dia pego pra rever. Mas Brasil no Oscar é tipo Copa do Mundo mesmo... vira quase uma obrigação ter que defender o que é "nosso", rss. Nunca dei muita bola pra categoria de filme estrangeiro, então eu ficava meio neutro, não torcia a favor nem contra. abs!

Anônimo disse...

Central do Brasil e A Vida É Bela foram dois grandes filmes. Na época, quase fui influenciado pelo clima de copa do mundo que a mídia brasileira criou, mas depois de assistir achei o filme italiano melhor, com seu uso do humor para ressaltar a absurdidade do holocausto. Central do Brasil é muito bom, mas tinha um certo tom maniqueísta, que chegava ao exagero numa cena do começo do filme, em que o policial interpretado pelo Otávio Augusto mata um trombadinha sem se importar com testemunhas. E no geral o filme servia principalmente para fazer uma parcela de espectadores de classe média se sentirem muito satisfeitos consigo mesmos, por se comoverem diante da pobreza da vida no sertão.
Mas é bem possível que Central do Brasil tivesse ganho o Oscar, se não tivesse que concorrer com A Vida É Bela, ou se este tivesse ganho na categoria principal, de Melhor Filme. Foi uma das últimas chances do Brasil nesse sentido, exceto talvez Cidade de Deus, porque de lá pra cá o cinema brasileiro decaiu em qualidade, tanto que nem há mais muita euforia da mídia em cima de indicações brasileiras ao Oscar.
Pedro.

Caio Amaral disse...

oi Pedro, isso do filme ser feito pra agradar a classe média é muito verdade.. Naturalismo em geral é arte feita pras elites.. pra amenizar a culpa de ricos, intelectuais.. o tipo de pessoa retratada nas histórias não se identifica e nem consome esse tipo de filme. Central parece ter se tornado um filme bem respeitado internacionalmente.. De fato, se não fosse um hit como A Vida É Bela pelo caminho.. poderia ter ganhado.. Quanto às chances do Brasil.. Bacurau tem ganhado força lá fora e não me surpreenderia se ele recebesse alguma indicação ao Oscar.. mas daí não poderia ser na categoria de filme estrangeiro/internacional.. seria como Cidade de Deus, concorrendo nas categorias normais. abs!