domingo, 1 de agosto de 2021

Tempo

(Os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

- Gostei do início. Shyamalan geralmente é bom com premissas, trailers e começos. O design dos créditos iniciais é interessante: as letras irem se transformando de Sans-Serif para Serif — ou seja, de algo mais "novo" pra algo mais "velho" (claro que se for essa a ideia, não faz 100% de sentido pois o filme não tem nada a ver com se tornar mais clássico ou retrô culturalmente, apenas com envelhecer biologicamente). Acho divertido também Shyamalan aparecer antes dos créditos dando boas vindas ao público (algo bem Hitchcock), e depois fazer o papel do motorista da van (ótimo o simbolismo dele ser o "diretor" do veículo que está levando o público para a aventura). 

- A história começa dentro dos moldes "o sonho que se transforma em pesadelo" que listo no texto As 5 Histórias Idealistas. Toda a chegada no hotel, depois na praia secreta, tem um clima divertido, meio Jurassic Park (vale notar que, apesar dos pais terem problemas no casamento, o filme foca em relações positivas, interações benevolentes entre os personagens, algo fundamental pra se criar esse clima de aventura).

- Na passagem pelo meio das pedras antes de chegarmos na praia, vemos um breve take em câmera lenta das mulheres andando, que parece um pequeno anúncio das distorções temporais que estão por vir.

- Alguns detalhes duvidosos: o nariz sangrando do rapper tem algo a ver com a trama? Ou é um detalhe gratuito só pra dar um clima de filme de terror? Outra coisa: As luzes brilhando em cima da montanha são intrigantes, mas não faria sentido estarem vindo de câmeras.

- O filme está se tornando cada vez mais forçado (a cirurgia de remoção do tumor, etc.). Como de costume, Shyamalan começa com uma premissa intrigante, mas depois não sabe (ou não quer) desenvolver a ideia de forma inteligente.

- Esses vilões imateriais e sem rosto também costumam ser problemáticos no cinema (como o que Shyamalan usou em Fim dos Tempos). 

- SPOILER: O momento que mais beira o ridículo certamente é o que Kara aparece grávida, tendo sumido por apenas alguns minutos com Trent. Fora o conceito absurdo do bebê morrer por falta de afeto/contato físico, após ser deixado por alguns segundos sobre a toalha. Isso parece mais a paródia do filme no Saturday Night Live do que o filme em si. Quer dizer então que não só o corpo de todo mundo está envelhecendo rápido, mas as emoções também estão passando em alta velocidade? Não faria o menor sentido, considerando os outros personagens... O bebê não deve ter morrido por isso (de repente foi só um palpite idiota de algum personagem). Mas ao mesmo tempo, a relação de Trent e Kara acontece numa velocidade absurda, que não faria sentido se o tempo psicológico de cada um fosse normal... Trent mal conheceu a garota e minutos depois já está chorando pela "mãe de seu filho" como se eles tivessem vivido uma vida inteira juntos?

- SPOILER: Por que o Gael García Bernal (Guy) não se defende do médico quando ele começa a esfaqueá-lo? É muito estranha a morte pela ferrugem também... Ou a modelo que começa a se regenerar com os ossos quebrados e vira um monstro... Ou o fato do Gael não apenas ficar velho, mas subitamente adquirir um sotaque de vovô, um ar de "serenidade" (a voz poderia mudar com o envelhecimento, mas o jeito de falar e as palavras que ele usa não).

- SPOILER: A revelação dos experimentos médicos é curiosa, mas levanta uma série de novas perguntas (se o organismo das cobaias processa tudo numa velocidade absurda, eles não teriam que estar tomando remédios constantemente na praia pros experimentos terem efeito?). Independentemente disso, o filme se perde totalmente no fim, por problemas tanto de roteiro quanto de direção. Depois que os personagens nadam até os corais e escapam, o filme fica totalmente abstrato, vemos tudo se desenrolar de maneira distante, vaga, ou através de discursos expositivos forçados. Nada é dramatizado de maneira satisfatória, através de boas cenas. O diretor parecia só estar preocupado em revelar sua surpresa... Agora que ele já revelou, quer resumir tudo em 3 minutos e acabar logo o filme... Mas fica tudo parecendo apressado e mal desenvolvido, pois muita coisa ainda acontece na trama depois que o casal sai da praia (não entendi nem como eles chegaram em terra firme depois que nadaram até os corais).

Old / 2021 / M. Night Shyamalan

2 comentários:

Leonardo disse...

Olá, Caio.

Tu foi capaz de identificar as duas fontes dos créditos apenas pela constatação direta ou já possui algum histórico em utilizá-las? É uma habilidade bastante específica e incomum.

Na minha sessão a primeira cena do Shyamalan estava ausente. Começou com o logo da Universal e foi direto para os créditos. O que era exatamente esta cena?

Admito que comigo o filme funcionou bem, embora eu tenha achado o twist óbvio demais. Lembro de uma fala do Penn Jillette de que todo truque de mágica deve ser plausível. Se o truque for muito perfeito, então só haverá uma única forma de fazê-lo. A audiência antecipará e o mágico perderá o envolvimento da plateia.

Porém, até o momento do twist, o filme tocou nas minhas fobias. Subjetivamente fiz uma analogia com temas com os quais tenho experiência em primeira mão: seitas. Talvez o processo mental tenha sido parecido com aquele que discutimos sobre seu amigo piloto de avião, que procurava padrões específicos a partir da experiência dele e avaliava o filme por critérios alternativos.

Embora o filme use fantasia para explicar pessoas velhas com mentalidade e corpo de criança, existem praias isoladas por aí – comunidades fechadas e religiões totalitárias – que mantém famílias inteiras trancadas toda uma vida como alguém dentro da caverna de Platão. Todos aqueles que tentam escapar, morrem – espiritualmente, socialmente ou suicídio. Quando alguém “acorda” e escapa, como o meu caso, vem a melancolia de ter perdido ¼ de século, anos preciosos da juventude, experiências valiosas e necessárias para todo ser humano, preso à uma praia contra a vontade. Cujas únicas interações sociais foram restritas. Selecionadas cuidadosamente por terceiros sem face, que agem como uma força da natureza intangível e invulnerável.

Ao final da sessão, pensei que se o bebê tivesse sobrevivido e houvessem mais bebês com potencial reprodutivo, seria possível criar uma tribo de pessoas que duram um só dia e os cientistas trocariam de pesquisa farmacêutica para estudos sociais antropológicos. Fica aí outra sugestão de paródia para o SNL.

Caio Amaral disse...

Oi Leonardo! Eu não sei a fonte específica que eles usaram.. Serif são esses "pés" que aparecem na parte superior ou inferior das letras... Esse tipo de adorno está associado a fontes mais clássicas, enquanto fontes Sans-Serif, ou seja, das mais retas e "clean" (sem os adornos), são mais modernas. Pode ser algo acidental.. mas como a sequência de créditos é bem minimalista e esse é o elemento mais chamativo de design.. quando vi logo achei que foi proposital.

Antes do logo da Universal na minha sessão o Shyamalan apareceu dando um breve recado.. dando boas vindas pós lockdown.. valorizando o cinema, dizendo que sempre faz filmes considerando a experiência teatral, etc!

Quanto à sua leitura da história.. Eu acho legal considerar interpretações alternativas, mas é importante não dar crédito ao filme caso isso seja apenas uma reflexão sua. Em "Luca" por exemplo, acho válido dizer que o filme leva a uma reflexão sobre preconceito, etc. Mas nesse caso, não vi nada que indique uma comparação com seitas, etc. No máximo vi uma crítica à "Big Pharma"..

Se a experiência psicológica realmente estiver em alta velocidade na praia.. assim como o corpo.. a ideia dos estudos sociais talvez funcione hehe. Abs!

(hoje postei bastante coisa, mas é só porque tinha assuntos acumulados, não é uma tática pra vc fica preso aqui no blog por dias comentando, hehe).