terça-feira, 28 de junho de 2022

Não é só o Cinema que ficou menos divertido

Assisti a uma live no Instagram hoje onde Alec Baldwin entrevistou Woody Allen (que está lançando um novo livro) e Woody falou também sobre seu desânimo em relação ao cinema, quanto a fazer filmes que serão vistos primeiramente no streaming etc. Achei interessante o depoimento dele, pois falamos muito sobre como o streaming empobrece a experiência para o espectador, mas pouco sobre como isso desmotiva também o cineasta. Woody discute na live como é completamente diferente produzir um filme quando você sabe que aquilo será exibido em dezenas de salas ao redor do país, que centenas de pessoas se reunirão num mesmo lugar, terão suas atenções voltadas para o seu trabalho durante algumas horas, e que você estará criando um programa pra milhares de pessoas, quase como se o cineasta tivesse um lado “produtor de eventos” também, e proporcionar esses "shows" fizesse parte da graça (lembrando que estamos falando de Woody Allen, famoso por ser um artista melancólico, deprimido — se até ele era motivado por entreter o público, e acha que agora as coisas perderam a graça, é hora de se preocupar). 

Isso cria um link com outra observação que eu estava pra fazer aqui, que é a seguinte: não é apenas o cinema que entrou em crise, mas todo o entretenimento, a busca pela felicidade e por prazer de modo geral. Não é que o cinema está em baixa, mas as pessoas estão se divertindo horrores em outros lugares. É como se buscar experiências divertidas, dedicar tempo ao lazer, sair de casa atrás de atividades lúdicas, tivesse em si saído de "moda". Reparem como há menos estabelecimentos nas cidades hoje voltados exclusivamente para a diversão. Até a minha adolescência, parques de diversão eram fáceis de encontrar: em São Paulo, existia o Playcenter numa região bem central da cidade; quando íamos pro interior ou pra praia, o "parquinho" da cidade era sempre uma opção de programa (o que casa com o fato de que ir pra Disney era a obsessão de todos nos anos 80-90). Muitos aniversários eram feitos em boliches, que não eram difíceis de achar também (em shoppings ou fora), assim como pistas de patinação no gelo, mini-golfes, bingos (até serem proibidos)... Casas de fliperama também eram populares (outro dia revi Quanto Mais Idiota Melhor, de 1993, e no filme há um bilionário dono de uma rede de fliperamas — algo difícil de imaginar hoje). Sem falar nas videolocadoras, que acabavam sendo um programa em si, não eram só um espaço funcional. Faz sentido que algumas dessas coisas tenham sido transformadas com o surgimento de novas tecnologias, mas até coisas como o McDonald's, que continuam existindo, se você analisar os prédios quadrados, beges e sóbrios de hoje, e comparar com os estabelecimentos do passado, fica claro como o entretenimento já teve uma importância muito maior no dia a dia das pessoas.

Não que o desejo de se divertir tenha desaparecido. É um pouco como a questão do altruísmo na cultura — você não consegue eliminar os impulsos individualistas das pessoas, mas conseguem reprimir, inculcar culpa, fazer as pessoas satisfazerem suas necessidades de forma distorcida, camuflada, indireta, menos satisfatória. Ano passado abriu uma hamburgueria temática "oficial" do Jurassic Park aqui em São Paulo (toda decorada com dinossauros, objetos do filme), e até hoje eu não consegui ir pois ela vive lotada, com filas dobrando o quarteirão, como se fosse o próprio parque da Universal — o que demonstra um certo desequilíbrio entre os desejos da população e o que é oferecido como opção de lazer nas cidades (isso que estou falando de São Paulo, uma das maiores da América Latina).

Enfim, dá pra falar de música, design, jogos, moda, gastronomia, turismo e infinitas manifestações disso, mas o interessante é olhar pra essa crise do entretenimento não como um problema exclusivo de Hollywood, mas como um fenômeno cultural maior — uma crise no pilar da “Excitação”, assim como já discuti a crise no pilar da Objetividade, e de tudo ligado ao Idealismo.

8 comentários:

Dood disse...

Engraçado que aqui na Baixada e em cidades menores ainda sobrevivem parques itinerantes e circos. Nada grandioso, e no município vizinho tem um parque que existe desde a época de criança.

Mas realmente, muito desse entretenimento está acabando. Até mesmo uma vez no núcleo de games falávamos o quando é diferente um multiplayer local do que algo online. Os fliperamas tinham uma socialização diferente. Era um point para o pessoal.

Caio Amaral disse...

Essas tendências culturais atingem principalmente as cidades grandes acho, as "elites", o que vemos na mídia etc.. Em cidades menores acho que as pessoas são menos influenciadas, se divertem com menos culpa hehe.

Mas claro que elas são afetadas também.. pois se atrações do tipo não estão em alta nos grandes centros, haverá pouca inovação, pouca competição, renovação, e tudo será mais precário..

Dood disse...

Só pra pontuar que geralmente os parques itinerantes tem atrações mais voltadas para crianças, não tem algo muito elaborado. Eu lembro que quando fui no parque do município vizinho ao meu com minha esposa quando a gente namorava não haviam muitas opções de brinquedo. O que ficamos fazendo e, com o passaporte que tínhamos, indo nos mesmo brinquedos repetidas vezes.

Caio Amaral disse...

É, quando estou viajando e eventualmente passo por um, sempre parece algo meio largado, parado no tempo..

Dood disse...

Pior é você ler cineastas que falam isso aqui:

https://jovemnerd.com.br/nerdbunker/irmaos-russo-cinema-elitista-caro/?fbclid=IwAR0-SwwvfBiozi9zYWPV6ugPWCcqn8FQTLcj5QndpNIz9yOUqVfVkQnp2wM

Caio Amaral disse...

Aff.. bom, com o Cinemark vendendo um combo pipoca + refrigerante a 38 reais, realmente o cinema pode estar SE TORNANDO cada vez mais elitista.. mas já foi uma opção de entretenimento bastante acessível.. Então alguém que gosta de cinema deveria questionar primeiro essa "gourmetização" do cinema.. em conjunto com a má qualidade média dos filmes, que faz com que apenas produções de super-heróis encham salas.. em vez de aceitar a elitização como inevitável e esnobar a experiência teatral em si. Lembrando que streaming também já foi mais acessível.. no começo era só a Netflix por uns 15 reais.. agora, se vc quiser assinar os serviços de streaming mais relevantes.. vai gastar no mínimo uns R$100 por mês.

Dood disse...

Ah, mas esse comentário vindo de quem vem, envolvidos com filmes da Marvel eles não criticariam o produto que eles próprio criam e seria essa crítica com argumentos rasos como se vê.

Caio Amaral disse...

É... eles sabem que estão num campo minado opinando sobre esses assuntos hehe.