segunda-feira, 9 de abril de 2012
Titanic em 3D
Há toda uma geração que não viveu o fenômeno de Titanic no final dos anos 90 (um evento que ainda não se repetiu no cinema) e muitos adolescentes ainda nem viram o filme. Na última década as pessoas se habituaram a um nível tão inferior de entretenimento que qualquer coisa um pouco mais ambiciosa já ganha status de fenômeno cultural. Então é muito bem vindo um relançamento como esse (agora em 3D e também em IMAX, com qualidade técnica superior à do lançamento original), pra relembrar as pessoas do que os filmes podem ser - que é possível ser inteligente, original, tecnicamente brilhante, autoral, sério e ao mesmo tempo inspirar, divertir e projetar valores positivos - integridade, independência, ambição, felicidade - em vez de cinismo, naturalismo e as contradições comuns nos filmes chamados de "entretenimento" hoje em dia.
O filme todo mundo conhece e tem tantos méritos que não consigo cobrir todos em alguns parágrafos. Mas dessa vez vi todo o filme focado num ponto específico - a história de Rose; uma garota da alta sociedade, ainda com algum resquício de individualismo, mas que está quase sucumbindo às pressões sociais; aos valores falsos e às tradições superficiais de sua família e cultura - e que é salva (de diversas formas, como aponta a velhinha) por um rapaz pobre numa viagem tanto física quanto simbólica à América.
Notem como o tema é bem integrado à trama, à ação física, aos personagens, e como ele é concretizado nos conflitos e em cenas brilhantes como a do primeiro beijo: Rose, ao ver uma garotinha sendo "catequisada" pela mãe - treinada pra se tornar mais uma do grupo, pra se submeter às expectativas da sociedade - tem um sentimento profundo de alienação e finalmente decide se entregar a Jack, na clássica cena da proa, num "vôo" rumo à Estátua da Liberdade - e à sua própria independência, felicidade, abandonando a prisão de uma cultura que ela despreza.
Muita gente diz que o romance de Titanic é "brega", "fútil", "superficial", quando não há nada de superficial aqui - o romance de Rose e Jack é tão detalhado, bem caracterizado, psicologicamente convincente quanto deveria ser. Nós acompanhamos cada etapa do romance com absoluta clareza; cada expressão no rosto, cada diálogo, cada ideia que caracteriza o processo de encantamento de uma pessoa por outra (vemos eles descobrindo que têm opiniões compatíveis sobre arte, o mesmo senso de humor, que gostam do mesmo tipo de diversão, ou seja, que têm a mesma visão de mundo) - tudo é muito consistente com o caráter de cada um e com o tema do filme - e o naufrágio não é apenas uma ação vazia; serve pra intensificar o conflito e forçar Rose a tomar decisões importantes.
O que as pessoas querem quando dizem "superficial" na verdade é fazer um protesto contra a visão benevolente, não-trágica, não-melancólica de amor que o filme projeta e que a maioria das pessoas abandonou em algum ponto da juventude, depois de muitas decepções - um amor ligado à admiração, ao compartilhamento de ideais positivos. Essas pessoas geralmente passam a considerar um filme trágico, melancólico, essencialmente mais profundo e significativo do que um otimista - não por ele ser mais elaborado, por ter mais realismo psicológico, por ser ilustrado com mais riqueza de detalhes, mas pelo simples fato de ser trágico.
(Não confundam o fato de Jack morrer com a ideia de tragédia - ele morre heroicamente, lutando por seus valores. O relevante é que ele existiu e que, depois dessa experiência, Rose não pode descer de volta ao mundo em que vivia - Jack morre mas seus valores vencem e sobrevivem nela, que é o que ouvimos em "My Heart Will Go On".)
Recomendo fortemente assistir em IMAX 3D - a sequência do naufrágio continua sendo uma das mais espetaculares já filmadas.
Titanic (EUA / 1997 / 194 min / James Cameron)
NOTA: 10.0
Nossa! Adorei! Excelnte comentário! =) Titanic é inesquecível... seja em 3D ou não. É eterno!
ResponderExcluirAnálise madura, inteligente! Parabéns Caio, grande texto.
ResponderExcluirBela visão....mas, não achava necessário essa versão em 3D. Acho uma forma de somar mais grana ao filme.
ResponderExcluirNada relevante. Mas, opinião pessoal.
Engraçado como mesmo antes de ler seu comentário, ao ver o filme, eu foquei na mesma ótica... Rose como ícone central, e o romance contraposto. Confesso que retirei o navio do protagonismo óbvio e me concentrei em Rose e no casal.
ResponderExcluirEm determinados momentos enxerguei até mesmo uma comédia romântica dentro de todo o caos... Afinal Jack é um muito engraçado. E na sessão em que eu vi o filme não faltaram risadas..
Adoro esse seu texto Caio, acho inspirador. Não sei quantas vezes já o li.
ResponderExcluirLembro do fenômeno na época mas era muito jovem para entender o significado e o próprio fenômeno. Infelizmente só assisti Titanic em casa depois do relançamento em 3D. Gostaria que fosse relançado mais uma vez para que eu pudesse assistir adequadamente e integrar a experiência visual aos valores projetados.
Legal Marcus..!! Esse post é especial pq é a única crítica aqui no blog de um filme da minha lista dos favoritos de todos os tempos.. como minha proposta é mais comentar as estreias, quase nunca falo sobre filmes que eu reeealmente gosto hehe... Ultimamente tenho revisto alguns dos meus filmes favoritos.. e analisado por uma nova ótica.. é sempre um bom exercício!
ResponderExcluirEu não lembro como foi esse fenômeno. Era criança de colo, mas meus pais falaram que foi espetacular. Eu lembro de reportagens sobre pessoas do interior que iam de caravana até a capital pra ver o filme. Se vc puder fazer um apanhado do fenômeno, eu iria agradecer muito. Eu gosto muito do angulo que vc observa as coisas, diferente do resto dos críticos de cinema e de cultura, e queria saber pela sua visão como foi o "fenômeno Titanic". Vi Titanic essa semana e fiquei curioso quanto a se teria um comentário aqui sobre um filme mais antigo. E pior que tinha!
ResponderExcluirFoi realmente um evento incrível que não se compara a nada que eu tenha visto desde então.. Pra vc ter uma ideia, na época ainda não existia multiplex no Brasil.. no cinema da minha cidade (1 tela apenas), eles trocavam de filme toda semana. Quando era um filme de muuito sucesso, às vezes ficava 2 semanas ocupando a sala.. não lembro de nenhum ter ficado 3. Mas quando saiu Titanic, o filme acabou ficando uns 2/3 meses sozinho em cartaz.. atraía todo tipo de público: homens, mulheres, jovens, idosos, ricos, pobres, gente interessada no lado histórico, ou nos efeitos especiais e na produção, sem falar nas adolescentes (DiCaprio provocou uma histeria em massa tipo Beatles / boy bands de sucesso). A música da Céline Dion se tornou um dos maiores hits de todos os tempos.. você ligava a rádio e não tocava outra coisa.. muita coisa se reuniu ali pra tornar o filme o fenômeno que foi. abs!
ResponderExcluirAh sim, agora lembrei que não tinham cinemas nos shoppings e que eles eram todos na calçada, igual nos EUA. Quando vi Titanic essa semana, fiquei pensando como as pessoas não comentam sobre. Não que os anos 90 tenham sido esquecidos, pois o Tarantino é o assunto da maioria dos canais de cinema. Mas parece que Titanic meio que ficou para trás e achei tão estranho as pessoas esquecerem ou ignorarem o impacto que um filme desses pode ter.
ResponderExcluirAcho curioso como dessa época para cá vieram vários filmes épicos, como O Senhor dos Anéis, Gladiador e Austrália. Mas não consigo explicar o motivo de Titanic ser “especial”, ter alguma coisa que torna ele um “épico das antigas”. Eu lembro de ter visto Austrália no cinema, pensando que seria algo tipo E O Vento Levou e achei tããão chato, tão cara de sessão da tarde só que com 3 horas.
Eu meio que participei do fenômeno Vingadores Ultimato. Grupos de amigos iam fantasiados ao cinema e eu ia junto. Mas tudo era tão falso e superficial. Me senti indo a um jogo de futebol com uma torcida organizada que ficava gritando na sala de cinema. O mais irritante foi ver os canais no YouTube e outros críticos dizerem que o momento que o Capitão América pega o martelo do Thor foi nos anos 80 o mesmo que quando a Ripley aparece com a armadura no Aliens 2. Eu fiquei tipo “não, não é a mesma coisa”.
Em São Paulo tinha cinema em shopping até, mas eram sempre poucas salas.. ainda não existia o modelo de multiplex.
ResponderExcluirNão acho que Titanic tenha sido esquecido.. passa na TV a cabo constantemente, a página do Facebook tem 51 Milhões de seguidores (é o 2º filme mais curtido, abaixo apenas de Harry Potter.. Star Wars tem 17 Milhões pra dar um parâmetro), o "já faz 84 anos" é meme, anteontem mesmo vi a Adele numa live falando que é o filme favorito dela.. Mas certamente ele simboliza uma era passada.. e em certos meios sociais (homens/jovens/geeks) vai ser um filme menos comentado do que os Tarantinos, etc. Você já leu os textos sobre Idealismo aqui do blog? Eles provavelmente esclarecerão essa sua dúvida do que torna Titanic diferente de outros épicos que vieram depois. Titanic foi o último grande evento da "era Idealista" que começou no fim dos anos 70.. depois de Titanic, havia um senso de que não havia mais pra onde crescer.. que aquilo nunca mais iria acontecer daquela forma, então era inútil tentar competir com aquele tipo de sucesso. Os filmes então começaram a tentar se destacar mais pelo intelecto, pela quebra de regras, começaram a explorar temas mais sombrios.. e assim entramos numa nova fase do entretenimento (antes mesmo do 11/9).
Hoje a cultura ainda é bastante Anti-Idealista.. Então naturalmente os filmes do passado que conversam mais com os valores de hoje serão mais discutidos publicamente.. como Matrix, Clube da Luta, Truman Show, etc. Até filmes da fase "pré-idealista" como Taxi Driver, O Poderoso Chefão, parecem mais atuais por conta disso.
Austrália também achei bem chato, heheh.
A cena do martelo do Vingadores tem uma ótima ideia.. o problema é a execução da ideia. No Aliens, Cameron começa a preparar o público para a cena da armadura/empilhadeira mais de 1 hora antes.. cria todo o drama emocional das 2 "mães" protegendo suas crias.. Não é algo que é jogado de repente e que apenas os "insiders" vibram.. então certamente não é a mesma coisa, hehe. abs!