Espetáculo visual de Ang Lee (O Tigre e o Dragão, Brokeback Mountain) que conta a história de Piscine Molitor Patel ("Pi") - um garoto indiano que perde a família num naufrágio e fica à deriva no Oceano Pacífico num bote salva-vidas junto com um tigre de bengala chamado Richard Parker.
Mas em vez de um drama trágico, o filme é contado como se fosse uma aventura - uma viagem ao paraíso onde o garoto vive uma experiência inesquecível (dá pra lembrar de O Corcel Negro, A Lagoa Azul, Náufrago e até filmes como Amor Além da Vida, Um Olhar do Paraíso, O Mensageiro do Diabo, que também usam desse contraste entre o desastre e a fantasia).
A história tem uma introdução divertida (há tantos detalhes que até parece um filme diferente), apresentando Pi como um garoto independente, profundamente místico, e estabelecendo a relação dele com seus familiares. O pai é extremamente racional, e é interessante como o roteiro aborda a discussão de fé X razão com inteligência, mas sem atacar os valores de ninguém.
É difícil comparar o filme pois ele reúne vários tipos de história em uma só, e dessa mistura acaba surgindo algo novo. Já vimos filmes de sobrevivência no mar, já vimos filmes sobre um garoto domando um animal selvagem, já vimos filmes sobre a descoberta de um lugar paradisíaco, já vimos comédias sobre famílias estrangeiras exóticas, já vimos filmes sobre homens que narram suas histórias de vida e aumentam os fatos - mas nunca isso tudo junto, o que dá ao filme um aspecto familiar e original ao mesmo tempo.
SPOILER: No final, surge a questão: a história de Pi é real, ou é apenas uma versão enfeitada de eventos muito mais dolorosos? Ouvi algumas pessoas reclamando que essa questão é colocada de maneira muito explícita, mastigada - que seria mais interessante deixar a platéia lidar sozinha com a ambiguidade. Talvez. Mas isso não me incomoda, pois o filme não apresenta a ideia de maneira pretensiosa - e uma boa ideia não deixa de ser boa apenas por ser fácil de entender. Me incomoda um pouco o toque de pessimismo, pois nesse momento o filme acaba expressando um senso de vida trágico - dizendo que a realidade é cruel e portanto existe certa sabedoria em fugir pra um mundo de ilusão.
Mas isso não tira a beleza do filme, que é uma aula de narrativa visual e um dos melhores exemplo de como a computação gráfica e o 3D podem contribuir artisticamente para um filme. O espectador é constantemente
presenteado com imagens impossíveis que parecem ter sido extraídas
diretamente de um sonho - o mar iluminado por plânctons, a sequência na
ilha flutuante, o barco perdido em meio às estrelas... Mais pro começo
do filme, há uma tomada magnífica do
navio submergindo que é um daqueles momentos mágicos do cinema onde fotografia, música, tecnologia e narrativa se unem com tal perfeição que Ang Lee mereceria um Oscar por ela apenas.
Life of Pi (EUA, China / 2012 / 127 min / Ang Lee)
INDICAÇÃO: Pra quem gostou de Avatar, Náufrago, Forrest Gump, O Corcel Negro.
NOTA: 9.0
sábado, 29 de dezembro de 2012
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
Apesar de se tratar apenas de 1 livro, resolveram transformar numa longa trilogia (por interesses óbvios) essa "prequel" que se passa 60 anos antes de O Senhor dos Anéis. Peter Jackson e boa parte da equipe original permanece a mesma, mas agora a história foca em Bilbo Baggins (Martin Freeman), um hobbit inexperiente e ligeiramente covarde que parte com um grupo de anões numa jornada à Montanha Solitária - território deles que foi invadido pelo dragão Smaug e precisa ser reconquistado.
Se o filme tem uma sensação um pouco menos épica que a trilogia dos Anéis, isso se deve mais ao fato do herói e dos personagens principais serem um grupo mais modesto, menos heróico que o dos outros filmes (embora Frodo e Sam também estejam longe figuras grandiosas). Em termos de produção e história, O Hobbit tem a mesma escala dos filmes dos Anéis. Na verdade, acho a história aqui até mais forte. Em O Senhor dos Anéis, a aventura tinha um objetivo pouco interessante - apenas destruir um anel mágico que a gente mal sabia o que fazia (a mensagem por trás era a de que "o poder corrompe" - Tolkien era cristão então há certos valores na história que vêm da religião). A jornada aqui tem um objetivo mais sólido - recuperar o território e o tesouro que é deles por direito e foi tomado pelo dragão.
É mais uma representação da "Jornada do Herói" - a história mítica do jovem que precisa deixar a proteção do lar pra aprender a ser homem e a se defender sozinho. Assim como os Anéis e Star Wars, o filme se encaixa perfeitamente no "monomito" (quem não conhece os estudos de Joseph Campbell vale a pena dar uma pesquisada). Há várias etapas do monomito que o filme segue à risca como a "Recusa do Chamado", momento em que o herói se recusa a partir na aventura, ou a "Barriga da Baleia", quando o herói passa por uma experiência de quase morte mas escapa milagrosamente (um dos problemas - que talvez venha da influência cristã - é que o herói está constantemente sendo salvo por alguma ajuda sobrenatural ou por pura sorte; heróis que vencem por inteligência e por competência própria são muito mais interessantes, eu acho).
Os efeitos são impressionantes, mas a maior inovação visual aqui vem do filme ser rodado a 48 quadros por segundo (em vez dos 24 habituais), o que dá à imagem uma característica mais fluida e mais próxima da realidade (apenas cinemas selecionados estão exibindo o filme com o "High Frame Rate"). Pessoalmente tenho certas reservas com esse tipo de imagem, pois ela está mais próxima do vídeo e deixa tudo com cara de making of ou de coisa feita pra TV; mas suspeito que isso seja apenas um apego emocional ao jeito que sempre assistimos filmes (não vejo como argumentar logicamente contra os 48 frames).
Mas o importante é que a história funciona - começa devagar, mas vai ganhando força até uma segunda metade espetacular, cheia paisagens de tirar o fôlego e cenas interessantes - como a luta dos gigantes de pedra ou a aparição de Gollum, que dá mais um show de interpretação.
The Hobbit: An Unexpected Journey (EUA, Nova Zelândia / 2012 / 163 min / Peter Jackson)
INDICAÇÃO: Pra quem gostou das sagas O Senhor dos Anéis, Harry Potter, Star Wars, etc.
NOTA: 8.0
Se o filme tem uma sensação um pouco menos épica que a trilogia dos Anéis, isso se deve mais ao fato do herói e dos personagens principais serem um grupo mais modesto, menos heróico que o dos outros filmes (embora Frodo e Sam também estejam longe figuras grandiosas). Em termos de produção e história, O Hobbit tem a mesma escala dos filmes dos Anéis. Na verdade, acho a história aqui até mais forte. Em O Senhor dos Anéis, a aventura tinha um objetivo pouco interessante - apenas destruir um anel mágico que a gente mal sabia o que fazia (a mensagem por trás era a de que "o poder corrompe" - Tolkien era cristão então há certos valores na história que vêm da religião). A jornada aqui tem um objetivo mais sólido - recuperar o território e o tesouro que é deles por direito e foi tomado pelo dragão.
É mais uma representação da "Jornada do Herói" - a história mítica do jovem que precisa deixar a proteção do lar pra aprender a ser homem e a se defender sozinho. Assim como os Anéis e Star Wars, o filme se encaixa perfeitamente no "monomito" (quem não conhece os estudos de Joseph Campbell vale a pena dar uma pesquisada). Há várias etapas do monomito que o filme segue à risca como a "Recusa do Chamado", momento em que o herói se recusa a partir na aventura, ou a "Barriga da Baleia", quando o herói passa por uma experiência de quase morte mas escapa milagrosamente (um dos problemas - que talvez venha da influência cristã - é que o herói está constantemente sendo salvo por alguma ajuda sobrenatural ou por pura sorte; heróis que vencem por inteligência e por competência própria são muito mais interessantes, eu acho).
Os efeitos são impressionantes, mas a maior inovação visual aqui vem do filme ser rodado a 48 quadros por segundo (em vez dos 24 habituais), o que dá à imagem uma característica mais fluida e mais próxima da realidade (apenas cinemas selecionados estão exibindo o filme com o "High Frame Rate"). Pessoalmente tenho certas reservas com esse tipo de imagem, pois ela está mais próxima do vídeo e deixa tudo com cara de making of ou de coisa feita pra TV; mas suspeito que isso seja apenas um apego emocional ao jeito que sempre assistimos filmes (não vejo como argumentar logicamente contra os 48 frames).
Mas o importante é que a história funciona - começa devagar, mas vai ganhando força até uma segunda metade espetacular, cheia paisagens de tirar o fôlego e cenas interessantes - como a luta dos gigantes de pedra ou a aparição de Gollum, que dá mais um show de interpretação.
The Hobbit: An Unexpected Journey (EUA, Nova Zelândia / 2012 / 163 min / Peter Jackson)
INDICAÇÃO: Pra quem gostou das sagas O Senhor dos Anéis, Harry Potter, Star Wars, etc.
NOTA: 8.0
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
O Homem da Máfia
Filme de crime do diretor de O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford, também estrelado por Brad Pitt, que aqui faz um assassino profissional contratado pra investigar um assalto a uma roda de poker controlada pela máfia.
O filme parece uma tentativa de se fazer um filme de Martin Scorsese - é muito menos sobre a história do que sobre o diretor exibindo seu estilo. A diferença é que no caso de Scorsese o estilo era autêntico, e além disso os filmes tinham ótimos roteiros, personagens, diálogos... Aqui até há uma história, mas que não é bem traduzida em termos de ação na tela. A maior parte do filme consiste de "fotografias de pessoas conversando" - e as conversas são desinteressantes, confusas, longe dos diálogos criativos dos filmes de Tarantino, por exemplo. O filme é apenas um registro do "serviço" dos personagens - não há conflitos, objetivos pessoais, nada universal o bastante pra plateia se importar...
Pitt não tem nada a perder - não parece correr risco de ser preso, de ser morto, as pessoas que ele precisa matar não são importantes pra ele, não representam nenhum perigo ou valor... Ele nem acha imoral o que está fazendo. A intenção parece ser apenas a de contemplar a vida de bandidos com aquela atitude de admiração e cinismo típica de quem acha "cool" esse tipo de submundo, mas não tem conteúdo pra interessar o público num nível mais amplo (há uma série de discursos presidenciais sobre a crise econômica no meio do filme, mas eles nada tem a ver com a história - é apenas uma maneira forçada de dar ao filme uma cara anti-americana, o que parece ser um pré-requisito pra quem quer parecer descolado).
Killing Them Softly (EUA / 2012 / 97 min / Andrew Dominik)
INDICAÇÃO: Pra quem gostou de Os Infratores, Atração Perigosa, Xeque-Mate, Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, etc.
NOTA: 4.5
O filme parece uma tentativa de se fazer um filme de Martin Scorsese - é muito menos sobre a história do que sobre o diretor exibindo seu estilo. A diferença é que no caso de Scorsese o estilo era autêntico, e além disso os filmes tinham ótimos roteiros, personagens, diálogos... Aqui até há uma história, mas que não é bem traduzida em termos de ação na tela. A maior parte do filme consiste de "fotografias de pessoas conversando" - e as conversas são desinteressantes, confusas, longe dos diálogos criativos dos filmes de Tarantino, por exemplo. O filme é apenas um registro do "serviço" dos personagens - não há conflitos, objetivos pessoais, nada universal o bastante pra plateia se importar...
Pitt não tem nada a perder - não parece correr risco de ser preso, de ser morto, as pessoas que ele precisa matar não são importantes pra ele, não representam nenhum perigo ou valor... Ele nem acha imoral o que está fazendo. A intenção parece ser apenas a de contemplar a vida de bandidos com aquela atitude de admiração e cinismo típica de quem acha "cool" esse tipo de submundo, mas não tem conteúdo pra interessar o público num nível mais amplo (há uma série de discursos presidenciais sobre a crise econômica no meio do filme, mas eles nada tem a ver com a história - é apenas uma maneira forçada de dar ao filme uma cara anti-americana, o que parece ser um pré-requisito pra quem quer parecer descolado).
Killing Them Softly (EUA / 2012 / 97 min / Andrew Dominik)
INDICAÇÃO: Pra quem gostou de Os Infratores, Atração Perigosa, Xeque-Mate, Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, etc.
NOTA: 4.5
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
A Origem dos Guardiões
Animação da Dreamworks produzida por Guillermo del Toro que é uma espécie de Liga da Justiça do mundo infantil. Jack Frost se une ao Papai Noel, ao Coelhinho da Páscoa, à Fada do Dente e ao Sandman pra lutar contra as forças do mal - o Bicho Papão, que vem ganhando forças no mundo e trazendo pesadelos para as crianças.
O filme passa perto de criar uma parábola interessante pra atual cultura americana, que de fato se tornou mais desesperançosa e sombria na última década (como um termômetro, compare os filmes de sucesso dos anos 2000 com os da década de 90 e 80). Mas infelizmente perde a oportunidade, apresentando noções clichês do que é bem e mal, do que são valores, com uma mensagem de "esperança" que é composta de generalizações vagas - do tipo que dão uma má reputação ao entretenimento; que fazem as pessoas pensarem que filmes otimistas são mentirosos e infantis. Além disso, o filme faz uma confusão perigosa entre ter esperança e ter fé - quando eles falam que as crianças estão deixando de "acreditar", algo importante não fica claro. Na filosofia Disney, quando eles dizem "acredite", "sonhe", isso pode ser facilmente traduzido em "tenha confiança", "propósito", "busque seus objetivos" - valores positivos e saudáveis. Aqui, o conceito está mais próximo da fé religiosa, da crença no sobrenatural, o que torna a mensagem suspeita - é como se a possibilidade de seres mágicos e ocultos fosse a única coisa que tornasse a vida na Terra positiva.
A animação é bem feita e tem um ritmo acelerado - às vezes até demais, atropelando momentos da história que deveriam ter mais importância. Mas dentro do gênero é um filme acima da média - só não chega à seriedade e ao nível estético das produções da Disney/Pixar (em parte por não tratar seus heróis com a devida admiração, transformando o Papai Noel e o Coelho da Páscoa em personagens despretensiosos, comuns em termos de consciência, como se fosse a galera de Madagascar ou A Era do Gelo).
Rise of the Guardians (EUA / 2012 / 97 min / Peter Ramsey)
INDICAÇÃO: Quem gostou de Como Treinar o Seu Dragão, Happy Feet, O Grinch.
NOTA: 6.5
O filme passa perto de criar uma parábola interessante pra atual cultura americana, que de fato se tornou mais desesperançosa e sombria na última década (como um termômetro, compare os filmes de sucesso dos anos 2000 com os da década de 90 e 80). Mas infelizmente perde a oportunidade, apresentando noções clichês do que é bem e mal, do que são valores, com uma mensagem de "esperança" que é composta de generalizações vagas - do tipo que dão uma má reputação ao entretenimento; que fazem as pessoas pensarem que filmes otimistas são mentirosos e infantis. Além disso, o filme faz uma confusão perigosa entre ter esperança e ter fé - quando eles falam que as crianças estão deixando de "acreditar", algo importante não fica claro. Na filosofia Disney, quando eles dizem "acredite", "sonhe", isso pode ser facilmente traduzido em "tenha confiança", "propósito", "busque seus objetivos" - valores positivos e saudáveis. Aqui, o conceito está mais próximo da fé religiosa, da crença no sobrenatural, o que torna a mensagem suspeita - é como se a possibilidade de seres mágicos e ocultos fosse a única coisa que tornasse a vida na Terra positiva.
A animação é bem feita e tem um ritmo acelerado - às vezes até demais, atropelando momentos da história que deveriam ter mais importância. Mas dentro do gênero é um filme acima da média - só não chega à seriedade e ao nível estético das produções da Disney/Pixar (em parte por não tratar seus heróis com a devida admiração, transformando o Papai Noel e o Coelho da Páscoa em personagens despretensiosos, comuns em termos de consciência, como se fosse a galera de Madagascar ou A Era do Gelo).
Rise of the Guardians (EUA / 2012 / 97 min / Peter Ramsey)
INDICAÇÃO: Quem gostou de Como Treinar o Seu Dragão, Happy Feet, O Grinch.
NOTA: 6.5