terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

A Grande Jogada

Poucas coisas me aborrecem mais num filme do que um diretor cujo objetivo principal não é o de proporcionar uma experiência clara e prazerosa para o espectador, e sim o de provar sua própria inteligência - e o faz nos apresentando um volume tão excessivo de diálogos, fatos, nomes, passagens descritivas, dados técnicos, num ritmo tão alucinante, que o filme se torna quase que uma competição entre você e o artista; um jogo de malabarismo onde você não pode piscar 1 segundo que o diretor já arremessa mais 3 bolas pra você equilibrar. No meio do filme eu literalmente abandonei a "partida" inconformado, mas algumas horas depois, tomei um Advil e resolvi assistir o resto só pra poder comentar com autoridade. Fiz bem, pois as melhores coisas do filme estão mais pro final.

Essa é a estreia na direção de Aaron Sorkin, o roteirista "superstar" de Questão de Honra, A Rede Social e The West Wing (agora você sabe por que o filme precisa provar tão desesperadamente que ele é bem escrito). Eu já assisti ao MasterClass de Sorkin, e saí convencido de que ele não tem um bom senso de drama, nem de narrativa, nem de entretenimento... Pra ele, a maior virtude de um roteiro é soar autêntico, conseguir recriar um ambiente (como a Casa Branca em The West Wing) de maneira que o público acredite que as coisas funcionem realmente daquele jeito. Ele põe uma enorme ênfase na fase de pesquisa, em descobrir quais termos seus personagens realmente usariam na vida real - mas não parece ter muito interesse em saber o que é que faz a plateia se envolver numa história, simpatizar por um personagem, se comover com uma cena, etc. E é isso o que temos em A Grande Jogada: uma narrativa irritante, sobre personagens pelos quais não nos importamos, porém que te dá a certeza absoluta de que uma enorme pesquisa foi posta em prática pra construir aquele universo.

Outro problema grande do filme foi o casting errado de Jessica Chastain, que com seus olhos tristes, sua voz calma, sua aura inofensiva e reprimida, vai totalmente contra a essência da personagem, que deveria ser uma mulher ambiciosa, destemida, energética, rebelde, mais pra uma Margot Robbie em Eu, Tonya - toda autenticidade buscada pelo roteiro vai por água abaixo, pois poucas coisas enfraquecem e tiram mais a autenticidade de um filme do que um protagonista que está fora de sua zona de carisma.

Felizmente na parte final o filme se redime um pouco, e tanto o roteiro quanto a protagonista entram nos trilhos. O que acontece é que uma hora termina o trecho "Scorsese" do filme - a parte sobre a Molly fora-da-lei (onde Chastain não convence e seus conflitos não são interessantes), e o filme se torna mais sobre uma Molly sensível, íntegra, que foi magoada pelo pai, que seria incapaz de prejudicar os outros e está disposta até a ir presa pra preservar sua honra. De uma hora pra outra, a relação entre Molly e o advogado se torna interessante (a discussão entre ela e o Idris Elba onde ela cita As Bruxas de Salem é excelente), a personagem passa a ter um conflito pelo qual nos importamos, a relação entre ela e o pai se torna envolvente (embora a aparição do Kevin Costner seja um tanto forçada, a cena dos "3 anos de terapia em 3 minutos" é uma das mais memoráveis do ano), e Jessica Chastain finalmente tem um personagem que ela pode interpretar, no qual ela convence dramaticamente, e não é apenas uma voz sem vida contratada por Sorkin pra ler seu texto feito uma locutora de futebol.

Indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado (baseado no livro autobiográfico de Molly Bloom).

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Molly's Game / China, EUA, Canadá / 2017 / Aaron Sorkin

FILMES PARECIDOS: A Grande Aposta (2015) / Trapaça (2013) / O Lobo de Wall Street (2013)

NOTA: 6.0

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