terça-feira, 29 de setembro de 2020

O Diabo de Cada Dia

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- O filme supostamente faz uma crítica à religião, mas na verdade ele critica apenas o fanatismo religioso, não a religião em si, a fé. No fundo ele parece um filme cristão, que aceita os valores cristãos como referência. Ele tem um senso de autocrítica, mas pra alguém que não tem relação alguma com religião e não se importa por esses conflitos internos, a história não tem nada de tão interessante, não consegue criar um interesse genuíno baseado em valores universais. O espectador não religioso se sente meio de fora, assim como vendo um filme como A Cabana, por exemplo.

- Após meia hora de projeção, o filme ainda não tem um objetivo claro, um protagonista, a promessa de algo positivo. Fica apenas introduzindo personagens aleatórios, sem deixar clara a conexão entre eles. E não há ninguém admirável na história. Os personagens são todos caipiras, pessoas "pequenas", agindo irracionalmente, sofrendo, sendo más, hipócritas, vivendo vidas pouco atraentes. Pra que o espectador quer ficar olhando essas pessoas? O filme quer apenas criticar, demonizar, mas sem trazer algo de positivo para a plateia.

- SPOILER: O filme é violento, visualmente incômodo (coisas desnecessárias como o cuspe na torta). Eu cheguei a desligar a TV após a morte da Mia Wasikowska, só no dia seguinte com a cabeça fria tive paciência de voltar e terminar.

- Só lá pelos 45 minutos que começamos a entender que a história no fim será sobre os filhos dos personagens que vimos antes. O que devia ter sido uma introdução de 10 minutos tomou praticamente 1/3 do filme, tornando o início chato, arrastado (típico problema de adaptações de livros). E depois disso ele continua apresentando personagens aleatórios, sem se aprofundar em nenhuma das tramas. Quando Lenora fica grávida, por exemplo, isso é revelado de forma casual, através de um diálogo — nada é de fato dramatizado, nada resulta numa narrativa envolvente, bem desenvolvida. A história é apenas uma sequência de situações episódicas, distantes, que ajudam a ilustrar a ideia de que o fanatismo é mau. O foco do roteiro é a mensagem didática, não o prazer da jornada (não há cenas incríveis, bem construídas, diálogos brilhantes, ideias interessantes — nada de muito prazeroso cinematograficamente).

- Há um fascínio pelo mal, pelo crime, assim como em filmes de gângsteres. O filme gosta de retratar pessoas detestáveis só pra depois ter o "gostinho" de matá-las violentamente. O padrão é esse: o filme desperta a raiva, depois sacia com violência. Desperta a raiva/sacia com violência. Tem tanta cena de morte que às vezes você nem sabe o que está acontecendo, mas você tem certeza a cena irá terminar com alguém sacando uma arma e matando outra pessoa inesperadamente. Reflete um pouco o fenômeno do Coringa, a motivação por ódio... A tentativa de apelar pro público revoltado, com sede de vingança, que adoraria poder pegar uma arma e sair por aí fazendo "justiça" com as próprias mãos.

- Robert Pattinson está forçado, artificial, ainda na missão de se livrar da imagem de Crepúsculo, querendo se provar um ator cult, diferentão. É engraçado como um dos pecados mortais da cultura atual é você romantizar uma figura masculina. Todos esses jovens bonitos que fazem sucesso com as meninas no começo da carreira, depois passam as próximas décadas pedindo perdão, se enfeiando, pagando de criminosos, decadentes, imorais, e só assim conseguem recuperar (se tiverem sorte) o respeito do público (Leonardo DiCaprio etc.).

- No final há muitas coincidências, o clímax não gera um grande senso de conclusão. Nunca houve uma grande rivalidade/conexão entre o policial e o personagem do Tom Holland. Se ele morrer ou deixar de morrer, não haverá uma grande mensagem, um senso de que as pontas foram todas amarradas, que as diversas histórias apresentadas agora tiveram um desfecho.

CONCLUSÃO:  O filme é bem realizado, o elenco está bem (especialmente Tom Holland), mas a narrativa é arrastada, os valores são negativos e a crítica à fé me pareceu bastante morna e convencional.


The Devil All the Time / EUA / 2020 / Antonio Campos

NOTA: 5.0

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