Produzido com menos de 1 milhão de dólares, este é o primeiro longa do diretor Michael Morris, que já dirigiu séries importantes como
Better Call Saul, e é casado com a atriz Mary McCormack — ambos usaram seus contatos na indústria do entretenimento pra fazer uma campanha independente que resultou na polêmica indicação de Andrea Riseborough ao Oscar de Melhor Atriz. Não sei se houve algo indevido de fato na campanha (já acho absurda toda essa noção de indicações a prêmios dependerem de campanhas — oficiais ou não), mas de qualquer forma, Andrea está bem no filme, à altura de performances que vemos indicadas de forma convencional todos os anos; então não me pareceu nada imerecido, embora eu ainda prefira a Viola Davis que acabou ficando de fora.
O filme conta a história de uma mãe solteira que ganha na loteria, mas anos depois (quando o filme começa) já perdeu tudo, virou alcoólatra, e agora tenta sobreviver com base em favores, sendo sempre rejeitada por conta de seu comportamento destrutivo.
O filme começa perfeitamente dentro dos moldes do
Naturalismo. Temos um registro cru de uma pessoa "comum", não virtuosa, em uma situação de desvantagem, que não tem controle sobre sua vida, e vamos acompanhando uma série de situações episódicas, num enredo vago, que busca dar visibilidade a problemas do mundo real como alcoolismo, pobreza etc.
Ao contrário de filmes que retratam desafortunados inocentes, que não merecem a situação em que estão, esse aqui já pede que a gente simpatize com uma personagem com vários problemas de caráter. Ela perdeu seu dinheiro por conta de seus próprios vícios e irresponsabilidades, e quando recebe ajuda dos outros, ela é sempre ingrata, inconveniente, vai testando os limites de todos, até que eles se veem na obrigação de se livrar dela (essas pessoas são retratadas como ligeiramente frias e egoístas pelo filme, e pequenos toques de direção, como o uso de música, indicam que o cineasta não é crítico em relação ao comportamento de Leslie, mas quer exercitar nossa empatia por ela).
(SPOILERS) Reforçando essa base altruísta do filme, Leslie só começa a melhorar quando um estranho lhe oferece ajuda, mas não exige nada em troca; não demonstra um único impulso egoísta: não exige que ela respeite seu espaço, não impõe condições, não pede que aja de maneira civilizada. Ele a vê perambulando pelas ruas como uma indigente, e mesmo sabendo de sua reputação suspeita, oferece um emprego em seu hotel sem razão alguma, um lugar para morar de graça, pagamento adiantado; e quando ela bebe e fuma durante o serviço, é ríspida, acorda atrasada várias vezes e inventa mentiras em vez de se desculpar, ele continua a tratando como um ser humano totalmente respeitável.
Eventualmente, Leslie começa a reagir e a sair do buraco; decide se esforçar no trabalho, largar o álcool, faz planos para o futuro, e tenta se reconectar com seu filho (Riseborough, que tem olhos extremamente conscientes, sensíveis, não chegou a me impressionar 100% como desequilibrada, baderneira, mas nessa metade final, onde ela começa a se recompor, a refletir sobre sua situação, personagem e atriz se alinham melhor, e Andrea tem grandes momentos que fazem jus à indicação).
O aparente "final feliz" parece contradizer o
Naturalismo inicial da história, mas na verdade não contradiz. Primeiro porque ainda estamos longe de uma felicidade real. Leslie apenas sai da miséria, mas ainda tem uma vida bastante humilde e incerta (o filme me lembrou aquele altruísmo estilo Madre Teresa, que quer ver os miseráveis saindo da miséria, mas não tanto a ponto de se tornarem prósperos). Além disso, nós nunca entendemos o que causou a mudança em Leslie. Parece uma mudança acidental, apenas um dos diversos fatos empíricos que o filme mostra, como um dia ela ter ganhado na loteria. O que faltava pra ela melhorar? Apenas uma alma caridosa mesmo; alguém que desse amor incondicional e não a julgasse por nenhum de seus defeitos? Ou será que a mudança veio por conta do envolvimento romântico com o dono do hotel (o que passaria a ideia estranha de que a mulher precisa de um homem pra colocar sua vida nos trilhos)? Ou será que foi por ela ter batido no fundo do poço? Não sabemos exatamente por que ela mudou, se mudou de fato ou se dali a uma semana terá outra recaída — e é justamente essa falta de causalidade nos eventos que reflete a visão determinista do homem (típica do Naturalismo), e por isso este final feliz não chega a inspirar, nem deixa uma mensagem clara para o público.
Ou seja, não é uma volta por cima estilo À Procura da Felicidade, mas ainda assim, é uma abordagem mais leve e positiva que a de filmes como Nomadland, que só reafirmam um senso de impotência e falta de propósito do começo ao fim.
To Leslie / 2022 / Michael Morris
Satisfação: 4
Categoria: NI
Filmes Parecidos: Passagem (2022) / C'mon C'mon (2021) / Docinho da América (2016) / Nomadland (2020)