Eu sempre tive conflitos com datas comemorativas, aniversários, rituais como formaturas, casamentos, amigos secretos... Quando criança, lembro que todo Réveillon na hora dos fogos eu ficava mal-humorado e não entendia o porquê. Queria muito estar curtindo a noite como todo mundo, mas me parecia faltar um "chip" que todos os adultos tinham que permitia que eles ficassem magicamente felizes com o fato de números em relógios e calendários estarem prestes a mudar.
Eu nunca adquiri tal chip, e continuei me incomodando com esse tipo de evento na vida adulta. Um lado meu sempre quis abolir essas convenções de uma vez por todas, mas outro não queria ser radical demais e criar conflitos desnecessários com os outros.
Hoje, tendo mais consciência dos meus valores, eu consigo lidar melhor com essas situações, e enxergar caminhos alternativos que me permitem até participar de algumas dessas comemorações, mas sem agir contra meus valores nem deixar que os outros invadam meus limites.
Vou listar abaixo algumas armadilhas e irracionalidades comuns nesses eventos pra ficarmos atento (julgando por uma perspectiva Objetivista):
Calendário e Misticismo
O calendário é apenas um sistema criado pelo homem pra organizar os dias e a passagem do tempo. Nenhuma data é existencialmente mais relevante que outra, e o tempo poderia ter sido organizado de inúmeras outras formas. Achar que o calendário tem importância metafísica ou que a posição relativa dos astros tem qualquer impacto sobre sua felicidade é irracional. Além disso, a ideia de "ciclo" criada por ele é ilusória. O tempo só se move em uma direção, e o fato do calendário ter sido organizado de tal forma que permite que dias e meses se repitam, não quer dizer que, na realidade, qualquer coisa esteja se repetindo, nem que qualquer evento do passado esteja se aproximando do presente. Usar o calendário por questões práticas, entender padrões climáticos e se organizar com o resto da sociedade, tudo bem, mas atribuir um valor metafísico a datas e se sentir emocionado com esses "ciclos" não faz sentido. O Sol não está parado num mesmo lugar — ele está se movendo dentro da galáxia, e a galáxia em si também está se movendo — então não dá nem pra se iludir que em determinada data o planeta e os corpos celestes estão na mesma posição em que estavam num outro momento importante do passado (e mesmo que estivessem, que diferença isso faria?). Se proximidade física ao local em que um evento importante ocorreu fosse um bom motivo pra celebrações, faria mais sentido você comemorar seu aniversário toda vez que você passasse perto do hospital onde você nasceu. Datas comemorativas, portanto, são puramente simbólicas, invenções humanas. Só a conquista de um valor pessoal é uma boa justificativa pra uma celebração. Se você tem um filho, conhece o amor da sua vida, tem uma grande realização profissional, tudo bem celebrar isto na hora em que o evento ocorre ou em alguma data próxima. Agora celebrar esta conquista toda vez que o dia e mês se "repetem" no Calendário Gregoriano, é algo puramente simbólico, existencialmente desconectado do evento original, e não é algo que você deve se sentir forçado a fazer a não ser que você seja uma pessoa que goste de simbolismos, rituais, ache importante relembrar certos acontecimentos regularmente, e o ciclo particular do Calendário Gregoriano seja conveniente pra você usar como base.
Papai Noel: Misticismo, Desonestidade e Senso de Vida Malevolente
Feriados religiosos vêm com um outro agravante, pois eles não marcam apenas datas e ciclos que podem representar algo de valor objetivo pra você, mas são baseados em fé e misticismo. Alguns objetivistas gostam de pegar leve com o Natal dizendo que ele se tornou um evento totalmente secular, mas eu vejo valores cristãos penetrando o evento até em lares onde a família não é cristã, e tenta fazer a festa ignorando o aspecto religioso da data.
Um dos problemas, por exemplo, é a figura do Papai Noel. Mentir pra crianças quanto à existência do Papai Noel é uma violência epistemológica que vai além de uma brincadeira inofensiva. É um verdadeiro gaslighting que é sustentado por anos, no período mais importante de formação do cérebro da criança, e que além de normalizar a mentira, e sugerir que mentir pode ser uma boa base pra diversão, o conceito do Papai Noel promove uma separação mental entre o mundo real que a criança enxerga, e o mundo que ela é capaz de acreditar em sua mente — o que pode se tornar um "preparo de terreno" pra que ela aceite noções sobrenaturais na vida adulta.
Além disso, a ideia de presentes gratuitos que caem do céu, não parecem depender de seus pais terem dinheiro ou não para comprá-los, nem de você ter feito algo para merecê-los, cria uma espécie de pensamento mágico no campo da economia.
Mas pra mim, a maior crueldade ligada ao mito do Papai Noel é que, ao descobrir que o Papai Noel não existe, a criança acaba absorvendo a noção malevolente de que a "verdade machuca", que o mundo real é tedioso, menos perfeito do que deveria ser, e que nossos sonhos mais elevados são ilusórios, inatingíveis, ingênuos, e existem apenas no pensamento ou além desta realidade.
Trocas de Presentes: Altruísmo e Culpa
Há quem veja trocas de presentes como um ato genuíno de benevolência, uma celebração da prosperidade material do ocidente etc., mas pra mim, este ritual parece mais o resultado de uma tática barata de mercado, que usa altruísmo e culpa como formas de alavancar vendas (como ocorre também no dia das mães, dos pais, dos namorados etc.). A maioria das pessoas não compra presentes nessas datas por um desejo autêntico, e sim porque, se elas não comprarem presentes, isso poderá ser visto como egoísta e insensível — especialmente se elas ganharem um do outro. Então, por receio de receberem presentes e não terem nada pra dar em troca, todo mundo acaba se sentindo compelido a comprar uma "lembrancinha" pelo menos, e muitos desses presentes terminam não tendo utilidade alguma, afinal, poucas pessoas sabem de fato o que você gostaria de ganhar.
Mas não acho que esta tradição seja culpa exclusiva dos comerciantes. Alguns minimalistas rejeitam a troca de presentes porque não querem estimular o consumismo, mas pra mim, o maior incômodo nem é tanto a movimentação artificial de dinheiro e de bens materiais envolvida nessas convenções, e sim a movimentação artificial de afeto — a pressão pra expressar afeto ou receber afeto em situações onde você não gostaria (essa redistribuição artificial de afeto explica boa parte da pressão social pra se submeter às tradições e às datas comemorativas).
Festas e Viagens: Dever, Culpa, Tradição e Conformismo Social
Muitas pessoas aproveitam "datas" pra fazer festas, reunir a família, cozinhar pratos específicos, usar certas roupas, viajar etc. É importante ficar atento pois muitas dessas ações podem estar sendo motivadas por valores destrutivos:
Você pode estar indo a uma festa de família só pelo senso de dever, pelo receio de ser taxado de "egoísta" se não for. As razões autênticas pra ir a uma festa seriam coisas como você gostar das pessoas que estarão na festa, você estar livre no dia, e o evento ser algo que te agradaria até se ele estivesse ocorrendo numa data aleatória, não simbólica.
Tem gente que prepara comidas, usa certas roupas, diz frases, escuta músicas, coloca decorações na casa nessas datas, puramente pela tradição; por achar que haveria algo terrível em quebrar com um ritual que sempre foi praticado da mesma forma pelos outros, ainda que a pessoa em si não veja valor algum naquilo. Algumas comidas típicas de festas de fim de ano estão longe de ser as comidas mais deliciosas que a pessoa vai comer no ano (ou até na semana), mas o tradicionalismo lança um efeito quase hipnótico sobre ela, e de repente ela se vê na mesa discursando de forma grandiloquente sobre a farofa feita por uma tia avó, que ela não fará esforço algum pra comer de novo o resto do ano.
Muitas pessoas também viajam no Carnaval, no Réveillon, gastam um dinheiro que não têm com passagens, hotéis, roupas, passam um desconforto terrível (calor, horas de estrada), só por medo de ficarem de fora ("F.O.M.O."). Parte disso pode ser uma crença mística na importância de "datas", mas geralmente isso é puro conformismo social: uma preocupação excessiva com imagem, status, com manter as aparências ("keeping up with the Joneses"), e uma tentativa irracional de ficar feliz por osmose — não fazendo as coisas que de fato te deixam feliz, mas estando perto de pessoas que parecem felizes e imitando o que elas estão fazendo.
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Nós vivemos em sociedade, e o fato de muitas pessoas seguirem certas tradições acaba transformando de forma real a rotina ao nosso redor. Então pode ser válido você fazer certas coisas em datas comemorativas e feriados, mesmo não levando esses eventos a sério, já que muitas pessoas estão de férias nessas épocas, algumas coisas param de funcionar, opções de lazer raras se tornam disponíveis. E há um valor também no conceito de familiaridade, de viver num mundo com certas características conhecidas, estáveis; mas nada disso exige que você endosse valores negativos, ou aja com base em princípios que vão contra seu bem estar pessoal. Você pode estar presente em um ambiente onde as pessoas ao seu redor estão fazendo coisas que não fazem sentido pra você, e ainda assim ter um propósito racional ali, sem se tornar vítima de chantagens emocionais, pressões sociais, tradições místicas etc.
Eu sou do tipo que segue a coisa mais protocolar em datas comemorativas: eu acabo enxergando por outro prisma e aproveitando o momento em algum caso para saber de alguma conexão, testar isso... Aquela máxima: o homem é uma criatura social e eu vou precisar me socializar, mas eu tendo a impor limites em certos momentos porque ás vezes tenho a necessidade de ficar sozinho ou só com a família.
ResponderExcluirCom as festas de fim de ano tem sido assim: com o falecimento de muitos membros da minha família houve uma ruptura com muitos, cada um seguiu o seu lado. O que mantém reuniões grandiosas e festejos no final são as pessoas envolvidas e o senso de valor que aquela data tem para elas.
Como eu sou uma pessoa solitária e complexa, o que me atrapalha no desenvolvimento profissional de certa forma, porque isso envolve um desenvolvimento social: estar com pessoas certas que vão te descobrir e vão te auxiliar e lapidar seu caminho. Infelizmente sou um azarado nisso: minha última oportunidade foi canibalizada por uma circunstância fora do meu controle. Cheguei a me culpar por isso, e só ano passado que enxerguei que não era bem assim.
Se você vê valor em encontros sociais e tb gosta de ver sua família reunida, aí não vejo problema.. é o que disse: "As razões autênticas pra ir a uma festa seriam coisas como você gostar das pessoas que estarão na festa, você estar livre no dia, e o evento ser algo que te agradaria até se ele estivesse ocorrendo numa data aleatória". No último natal passei uns dias com minha família e foi ótimo.. mas é bom ter claro o que é racional pra você, e o que seria apenas um conformismo cego.
ResponderExcluirÉ o senso de significado que você dá aquele momento, às vezes você não tem opção no dia, você vai e flui. Ás vezes você não está afim, fica mais isolado até mesmo no evento...
ResponderExcluirO que eu vejo em mim é que talvez uma baixa abertura social são dos problemas que me levou a baixo sucesso em alguns quesitos na vida.
Não sei se entendi, mas o texto é mais pra quem realmente se incomoda com fazer as coisas por tradição, pressão social etc. Mas desconsidere as dicas se pra vc não é um grande incômodo seguir com o fluxo..
ResponderExcluirEu geralmente não me incomodo muito, ainda mais quando há comida envolvida... Só que dependendo de como e servido e de não me prender muito no lugar...
ExcluirÀs vezes pode parecer que se submeter às convenções é o segredo pra se tornar mais sociável.. mas no meu caso, é o contrário.. não ser íntegro/honesto é o que me fecha socialmente. Quando me sinto livre pra seguir os meus princípios e não os dos outros.. fico muito mais aberto socialmente, mesmo quando isso me leva em direções pouco convencionais.
ResponderExcluirEu não me vendo aos outros, mas eu consigo fluir dentro da conversa. Acho que por isso sou mal interpretado.
ExcluirAh os comentários anônimos são meud (Dood).
Pelo fato de você fluir dentro da conversa você é mal interpretado?! Não entendi, mas pelo visto, essa não é uma grande questão pra você. Vai ver sua família tem valores parecidos com os seus, ou vc se adapta bem em contextos sociais. abs!
ResponderExcluirE porque uma parte considerável das pessoas acham que se você flui na conversa delas a ponto de entender seus motivos e ideias e concordar com as mesmas. Compreender não é concordar. Eu me adapto bem a contextos sociais. Foi uma sensibilidade que foi desenvolvida por mim e lapidada, porque vi uma passividade que me atrapalhava de chegar e freava conceitos que são primordiais como a liberdade de escolha.
ExcluirA questão de ter sentido eu consigo abstrair bem: até porque tenho uma introspecção muito profunda e, apesar das afetações de algumas atitudes, digamos que consigo manter um pouco da instabilidade. Ainda é um desafio manter-me totalmente frio.
ResponderExcluirSim esse tipo de abertura costuma não trazer pessoas boas sempre, mas se aplicado a um poder de julgamento intuitivo junto costuma diminuir os impactos. Mas não impede de um relacionamento duradouro acabar um dia, por mais que a gente ache que conhece pessoas, elas ás vezes mudam e querem sobretudo impor seus valores em você. Uma espécie de escravidão moral em sua vida. Não sei quanto a você, mas fui muito suscetível a esse fenômeno em minha vida. Isso castra tua personalidade.
O melhor cenário é aprender a fluir enquanto constrói sua autosuficiencia e uma personalidade que ajude a isso.
Sim, já fui "vítima" de pessoas assim que são manipulativas e não respeitam os valores das outras.. Fluir no meu caso não resolveu. Minha defesa teve que ser a distância e o fortalecimento dos meus princípios e limites. abs!
ResponderExcluirIsso eu também sofri diversas vezes. Quanto a esse afastamento é de importância também, você precisa estar com suas noções bem estabelecidas, uma personalidade mais líquida não é algo bom de se manter. A individualidade só pode ser vivida com algo sólido.
ExcluirConcordo.
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