sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Armadilha

Durante os primeiros 3/4, estava achando Armadilha um dos filmes mais divertidos da carreira do Shyamalan. Embora alguns detalhes da trama sejam meio mal explicados (você fica se perguntando por que um show com 20 mil pessoas seria o melhor local pra se capturar um serial-killer), achei possível curtir o filme como um simples jogo de gato e rato onde um homem precisa bolar táticas engenhosas pra escapar de uma emboscada. Além da ambientação, que achei bem original, há várias sacadas espertas ao longo do enredo que mantém o filme estimulante, como o acidente que o Cooper (Josh Hartnett) provoca na cozinha pra despistar os seguranças, ou o plano que ele bola pra escapar pela única saída do estádio que não é vigiada. Outra coisa muito bem feita é o retrato do cenário pop atual. Tudo é super convincente — a filha do Shyamalan e as canções da "Lady Raven" (que ela mesma compôs) parecem realmente com hits atuais, e a filha do Josh Hartnett está perfeita como uma fã estilo "swiftie". Artisticamente, tudo é bem medíocre, inautêntico, "corrompido", mas é exatamente aquilo que veríamos se entrássemos em um show pra esse tipo de público hoje, o que dá bastante veracidade à situação (e por ser tudo mostrado pela ótica do pai, que é um peixe fora d'água ali, o filme permite que a gente olhe pro espetáculo com um certo distanciamento e deboche).

O problema, como sempre, é que no ato final, Shyamalan precisa lidar com todas as respostas que deixou suspensas ao longo do filme, e vai precisar bolar um final imprevisível também pra manter sua tradição. Aí tudo desanda, e a cada nova reviravolta é uma revirada de olhos que você dá. Antes eu achava que essa falta de lógica dos finais do Shyamalan eram deslizes dele, como se no fundo ele quisesse ser aristotélico, criar reviravoltas respeitando o princípio da plausibilidade, só não fosse um roteirista bom o bastante. Mas como disse na crítica de Batem à Porta, hoje já estou convencido que ele faz isso de propósito. Que o barato dele é justamente ir além do plausível. Um final inteligente, que surpreendesse o público mas deixasse as pontas bem amarradas, provavelmente seria frustrante pra ele. Ele precisa "extravasar", se desprender do provável para realizar sua visão. Armadilha é um dos únicos trabalhos do Shyamalan que não lidam com o sobrenatural, mas ainda assim, um certo misticismo não deixa de estar presente pela maneira como ele comanda a história.

Trap / 2024 / M. Night Shyamalan

Satisfação: 6

Categoria: Idealismo Imperfeito

Filmes Parecidos: Tempo (2021) / Fragmentado (2016) / Fuja (2020) / Voo Noturno (2005) / O Quarto do Pânico (2002)

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