sexta-feira, 2 de março de 2018

Projeto Flórida


Pense nas pessoas mais medíocres, decadentes e sujas que você puder imaginar... Não estou falando de assassinos, pessoas excepcionalmente más que ainda renderiam um bom espetáculo... E sim de pessoas que existem aos montes por aí - aquilo que os americanos chamam de "white trash". E imagine um condomínio decadente, onde o elevador cheira a mijo e os moradores também. Agora imagine ir ao cinema e passar 2 horas vendo essas pessoas fazendo coisas estúpidas, cometendo pequenos crimes, destruindo propriedade, sendo mal educadas - mas sem sentirem um pingo de culpa ou arrependimento no processo, e sim dando risada com seus dentes podres e se achando o máximo.

O roteiro não conta uma história, mostra apenas uma sequência de situações aleatórias que não caminham a lugar algum. Não há um protagonista claro, não há desenvolvimento de personagem, psicologia, e as atuações são amadoras (Willem Dafoe ter sido indicado ao Oscar é um dos absurdos da premiação desse ano; ele só se destaca aqui porque é o único que parece ser um ator profissional no filme, e quando surge na tela nos lembra de que não estamos assistindo a um vídeo caseiro).

Não, não se trata de um filme Naturalista (como Moonlight, por exemplo), cujo propósito é nos sensibilizar a respeito de classes menos privilegiadas, com algum tipo de intenção social positiva (se fosse isso, haveria alguma tentativa de tornar os personagens gostáveis, humanos, mostrá-los como vítimas, em vez de pessoas animalescas). 

Também não se trata de um retrato crítico da imoralidade (como Ninfomaníaca, por exemplo) com um tom moralista que serve pra nos mostrar o que não deveríamos ser na vida.

Não. A grande "sacada" do filme é simplesmente o fato dessas pessoas viverem ao lado do Walt Disney World em Orlando, o que pro cineasta parece ter algum tipo de significado filosófico. O filme apenas finge ser do tipo Naturalista, "social", quando na verdade ele é Anti-Idealista - do tipo que coloco na categoria F, cuja intenção é a de corromper o ideal, revelar os "podres" por trás da beleza, da virtude, da felicidade, etc. O filme é tão cínico que não acha necessário nem ir dentro da Disney e mostrar coisas podres acontecendo de fato no parque (como Escape from Tomorrow, de 2013). Pra ele, o simples fato da feiúra existir geograficamente perto da Disney parece já ser o bastante pra revelar algo trágico a respeito da realidade, e dar ao cineasta a satisfação metafísica de constatar que a realidade nunca pode ser perfeita de fato ("perfeição" pra alguém com essa mentalidade seria se o mundo inteiro fosse uma Disney e todas as pessoas fossem ricas e felizes o tempo todo). Não é como uma pessoa que fica procurando estrias numa bela modelo pra se sentir melhor a respeito dela mesma... E sim alguém que já fica satisfeito apenas em ver que existe cocô de cachorro na calçada pela qual a modelo caminha.

Como disse na postagem sobre Anti-Idealismo, o filme é um exemplo claro de como esse tipo de filme não busca construir nada, transmitir algo de positivo. Eles só existem pra destruir riquezas, coisas de valor, e por isso, precisam estar sempre por perto delas pra poderem corrompê-las. É na base de contrastes que o filme pretende manchar o ideal, zombar da busca humana por felicidade, como por exemplo iniciando o filme ao som extasiado de Celebration de Kool and the Gang, ou dando ao condomínio decadente uma pintura lilás vibrante, mostrando personagens desafortunados sob um lindo arco-íris no céu, ou andando por lugares "mágicos" como a Travessa dos Sete Anões. 

Ao contrastar a beleza com a feiúra, não é o feio que se torna mais belo: se você coloca uma barata na borda de um prato, não é a barata que se torna mais apetitosa, e sim a comida que se torna repulsiva. 

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The Florida Project / EUA / 2017 / Sean Baker

FILMES PARECIDOS: Docinho da América (2016) / Escape from Tomorrow (2013)

NOTA: 0.0

4 comentários:

  1. Olá Caio. Eu costumava assistir Tiago Belotti e gostava muito dele. Mas de uns tempos pra cá eu sinto que ele gosta de qualquer porcaria, e aos poucos chego a sentir certa repulsa.

    Há um YouTuber de games que eu adoro, ele fez um vídeo sobre críticos e eu achei muitos pontos ótimos (https://www.youtube.com/watch?v=lG2dXobAXLI), como quando ele fala sobre um crítico (Armond White) que gosta de tudo que é ruim mas não gosta de nada que é bom. O YouTuber afirma que esse crítico não é um inútil, mas é possível tomar a opinião dele como válida, pois, como em suas palavras no vídeo, "A critic's power lies in the consistency of their voice".

    No caso do Tiago Belloti eu não consigo nem classificar nesse segundo caso. Pois diversas vezes ele admite na crítica estar desgostando do filme, achar uma monotonia (como no caso de Projeto Flórida) ou um exercício gratuito de violência (O Sacrificio do Cervo Sagrado), mas ele meio que "trai a si mesmo" e se força a admirar o filme (não vejo como apreciação, ele parece mesmo admirar como se fosse uma conquista). A sensação que eu tenho é de estar assistindo um personagem criado por um ministério governamental totalitário em uma obra distópica, onde tenta influenciar a opinião da população.

    Ele comentou que o video dele sobre Jumanji foi para o "em alta" mas os videos sobre os filmes indicados ao oscar não foram. Então ele disse "Alguém me explica porque o bom cinema não bate com o gosto popular?". Eu achei uma desonestidade tremenda! Jumanji é bom e, se for comparar com outros blockbusters recentes, um dos melhores. E mais uma vez eu sinto que ele é um hipócrita ao tentar trair a si mesmo desprezando os valores de diversão, entretenimento, para pagar de intelectual e se colocar acima de todos aqueles que gostam disso mas não daquilo.

    Fazendo a revisão do meu comentário, pareço um hater atacando uma pessoa hahahaha.

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  2. Oi Marcus.. esses críticos mais populares do YouTube acho que tem público não por falarem a verdade necessariamente, terem conhecimento, serem consistentes, mas principalmente por terem uma personalidade simpática, valores compatíveis com certo nicho, fazerem vídeos divertidos, informativos, e darem opiniões que ofendem um mínimo de pessoas (uma tática comum pra evitar perder público é sempre falar coisas boas em filmes ruins, e coisas ruins e filmes bons, assim tem algo pra todo mundo... só dar nota 0 ou 10 pra unanimidades, além de nunca se posicionar politicamente, etc). Usar termos técnicos rebuscados e fazer análises nonsense sobre o "uso de cores" em um filme tb são coisas que dão uma falsa impressão de que a pessoa entende de cinema, mesmo que ela não esteja dizendo nada de objetivo... Postei esse video no facebook esses dias que parodia dessas "video essays" modernas... AH, e se vc quer ser considerado um crítico sério, jamais fale mal de filmes "socialmente relevantes" como Projeto Flórida, hehe. Quanto mais popular o canal, geralmente mais superficial ele é (por exemplo, o Tiago Belotti ainda tem mais nível que uma Carol Moreira eu acho, que tem bem mais seguidores). Mas enfim, acho isso algo natural.. é o que digo na postagem sobre a Era de Ouro.. não dá pra querer que as massas tenham um conhecimento muito elaborado.. Quando eu era criança, eu adorava ler a Revista Set.. me encantava simplesmente estar próximo daquele mundo do cinema.. ouvindo pessoas que entendiam das técnicas, etc... Essas coisas mais mainstream podem servir como uma porta de entrada.. Se o leitor de fato tiver um interesse em cinema, daí com o tempo ele irá desenvolver seu conhecimento, buscar informações melhores, etc..

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  3. Esse tipo de filme dá a impressão de ser feito por/pra gente que vive numa bolha de conforto, e quer se sentir 'humano', sem precisar um contato real com a pobreza.

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  4. Acho q você está sendo bonzinho.. isso eu pensaria de filmes realistas do tipo Central do Brasil, Ladrões de Bicicleta.. esses que retratam a pobreza de maneira sensível, romantizada, pra tocar o espectador, etc.. isso aqui é pura psicopatia, rsss.

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