sexta-feira, 24 de setembro de 2021

The Elephant in the Brain

Acabei de ler este livro muito interessante cuja proposta é expor as motivações ocultas do ser humano em diversas áreas: na arte, no consumo, na medicina, caridade, política, religião, etc. A ideia central é que, na maior parte do tempo, as pessoas têm explicações floreadas para as coisas que fazem e acreditam, quando na verdade são movidas por intenções não tão populares que elas preferem ocultar — o tal do "elefante no cérebro" do título, que é um trocadilho com a expressão "the elephant in the room". O principal tabu aqui seria a questão do egoísmo: embora as pessoas se promovam de maneira "pró-social" e altruísta, quase sempre elas agem em interesse próprio, estão em busca de status social, sexo, mesmo em atividades onde isso não é óbvio. E como essas motivações não "pegam bem" socialmente, o cérebro cria mecanismos para ocultá-las dos outros e delas próprias — o que é bem na linha do que discuto no texto Racionalizações.

Eu discordo de algumas coisas do livro, principalmente da ética da qual ele parte, que no fundo é contra o auto-interesse (os autores defendem um certo "equilíbrio" entre egoísmo e auto-sacrifício) mas achei o livro enriquecedor por conta dos exemplos e dos diversos estudos que ele apresenta para embasar suas alegações em cada área. 

Por exemplo: analisando o quanto se gasta com remédios e tratamentos em diversas regiões dos EUA, fica bem claro como na saúde, muito do que se faz não tem tanto a ver com curar doenças e obter resultados práticos, e sim com fazer as pessoas sentirem que estão sendo cuidadas (como a mãe que dá um beijinho no joelho do filho quando ele se rala, mesmo que isso não ajude em nada o ferimento), ou então para os cuidadores exibirem publicamente o quanto eles se importam (inclusive quando o “cuidador” é o governo) — o que bate bem com minhas reflexões sobre a pandemia.

Acho engraçado em certos momentos o livro falar como se fosse uma revelação incômoda o ser humano ser auto-interessado... No capítulo sobre Arte, por exemplo, eles "revelam" que o artista não age apenas pelo desejo de criar beleza, de transmitir uma mensagem importante, mas também pelo desejo de exibir seus talentos e obter prestígio. Isso pra mim sempre foi algo tão óbvio, natural, e não-controverso, que no meu livro nem me ocorreu parar pra justificar isso. Eu falo do assunto como se fosse parte do senso comum, até porque nunca vi auto-interesse da maneira negativa como a maioria das pessoas vê (uma competição maliciosa de "soma-zero").

O que eu acho de fato problemático nos exemplos que o livro dá é o quanto desse "egoísmo" parece consistir apenas de uma busca por status social com base em falsas aparências — o quanto as pessoas agem exclusivamente com base em emoções irrefletidas, ignorando a razão e os fatos. O livro parece jogar tudo isso no mesmo saco de “egoísmo”, e não faz uma distinção moral entre agir racionalmente em seu próprio interesse, pra realmente melhorar sua vida, sem querer prejudicar os outros, versus agir com base em impulsos irracionais, querendo "se dar bem" prejudicando os outros e você mesmo a longo prazo (Michelangelo esculpindo o David e a menina que usa linguagem corporal inconscientemente pra seduzir o namorado da amiga estariam ambos na mesma categoria).

Em vez de entender que o conflito é entre racionalidade vs. irracionalidade, ética vs. antiética, os autores acham que o problema reside no egoísmo em si, e concluem que o ser humano precisaria de algumas doses de abnegação e auto-sacrifício para manter uma vida equilibrada.

Outro insight que achei interessante do livro é quando ele discute que pessoas que têm mais facilidade de enxergar o elefante, e falam dele abertamente, nunca são tão populares e bem-vindas quanto as pessoas que entram naturalmente no jogo de fingimento, e falam apenas das motivações "bonitas". O mesmo pode ser dito de obras, livros (os autores tinham consciência que o livro deles nunca seria um grande best-seller por conta disso). Falar do elefante é sempre um estraga-prazeres que arruina o clima e torna o ar pesado para a maioria das pessoas... Há inclusive a sugestão de que não ter esse filtro mental (que esconde o elefante) possa levar à depressão. Que a capacidade de distorcer e racionalizar seria uma "dádiva" da evolução — o que eu acho questionável, mas digno de considerar (minha reflexão completa sobre isso está naquele vídeo Felicidade Requer Seletividade, que no momento não está no ar). 

Eu já senti na pele algumas dessas consequências, mesmo evitando entrar em assuntos pesados em contextos sociais. Mas como pra mim o elefante sempre está muito em vista (ou pelo menos uma parte maior dele do que seria o normal), talvez seja inevitável isso escapar pelas entrelinhas quando eu me comunico. E quando paro pra pensar no que eu faço aqui no blog o tempo todo, é justamente ficar apontando para elefantes — os da sala de cinema! O que explica melhor por que eu me sinto sempre nadando contra a maré, violando alguma norma social básica mesmo quando tento me expressar de maneira educada.

4 comentários:

  1. Caio.

    Achei interessante isso me lembrou a leitura que estou fazendo esse ano do livro Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas do Dale Carnegie. Ele comenta esse pensamento do ser humano agir em interesse próprio e ele sempre vai justificar como melhor das intenções em seus atos. Que pra você conseguir algo que deseja você tem que se interessar no que o outro quer para tornar essa busca mais fácil.

    É bem auto ajuda, e como você comentou aquele livro de carisma em um dos seus vídeos (tenho até salvo no meu celular ele) resolvi buscar algo sobre o tema e encontrei este.

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  2. Ah sim.. esse é um dos livros mais famosos do gênero.. e em partes ele ensina como usar as racionalizações dos outros em seu favor.. quando li fiquei um pouco chocado com algumas das dicas, que acabam incentivando a manipulação, a distorção da verdade (que vão contra alguns princípios objetivistas). Mas se a humanidade de fato funciona como o Elephant in the Brain descreve.. então dou uns créditos a mais pro Dale Carnegie, rs.

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  3. O livr do Carnegie em alguns momentos tem um quê de óbvio nos seus ensinamentos, mas eu leio vendo como uma leitura frugal e até levo em conta um ou outro tópico mais para aquele desejo de entender como a mente humana funciona, o reflexo cultural da sociedade atual etc... Tópicos que você levanta aqui também.

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  4. O "quê de óbvio" pode ser porque o livro foi super influente e agora as ideias já estão no imaginário coletivo há várias décadas... na época, muito talvez fosse novidade pra maioria das pessoas.. abs!

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