sábado, 27 de agosto de 2022

Não! Não Olhe! | Crítica

Novo de Jordan Peele (Corra! / Nós) sobre um treinador de cavalos (Daniel Kaluuya) e sua irmã, que se deparam com um evento sobrenatural em seu rancho na Califórnia.

Assim como Christopher Nolan e Denis Villeneuve, Peele é dos poucos diretores atuais que conseguem criar essa embalagem de blockbuster levado a sério, de filme escapista mas com produção sofisticada, fotografia grandiosa, bons atores — mas assim como os dois, ele não sabe muito o que fazer após o primeiro ato, quando a história precisa ir além do mistério prometido no trailer, e realmente apresentar uma narrativa sólida.

Há também o problema do Idealismo Corrompido. Embora o filme se baseie num modelo tradicional de ficção-científica (Contatos Imediatos do Terceiro Grau deve ter sido uma das referências), Peele faz de tudo pra mostrar pra plateia que ele não leva esse tipo de história a sério. Que os acontecimentos fantásticos não são exatamente pra gerar escapismo, encanto — são principalmente um pano de fundo pra ele exibir suas excentricidades como realizador, causar dissonância cognitiva, subverter o gênero, e discutir temas mais "importantes" nas entrelinhas (que ele nunca deixa totalmente claros — um comentário cultural solto ou crítica indireta não é o mesmo que o "tema" do filme).

Lembram como o Shyamalan, na época de Sinais e Fim dos Tempos, era visto como um descendente mais pobre de Hitchcock, Spielberg (que seriam os grandes mestres do suspense e da ficção)? Bem, em Nope é como se Peele fosse um descendente do Shyamalan — alguém que pegou o lado nonsense e afetado de Shyamalan, e resolveu amplificar isso, mais até do que suas virtudes.

Antes de ver o filme, achava que as discussões políticas e raciais é que seriam o grande perigo aqui (considerando os outros filmes de Peele), mas não foram. O que compromete o filme é primeiramente a falta de objetividade do roteiro, da narrativa (Peele parece buscar o inusitado a cada cena, um senso de estranheza, e pra isso ele está disposto a colocar até ideias tolas na tela, detalhes que se provam totalmente sem sentido, mas cumprem a missão de criar uma intriga momentânea, uma imagem esdrúxula).

O fenômeno que melhor resume o filme é o da Pseudo-Sofisticação, e Peele usa todas as cartas que tem na manga pro filme parecer mais profundo e inteligente do que é de fato: os toques de autoparódia (que já começam no título engraçadinho, mas se manifestam principalmente na irritante personagem da irmã), as cenas interpretativas, o uso irracional de "Simbolismo", que espera que o espectador adivinhe mensagens ocultas sem ter informações o suficiente, sem que o filme tenha dado as ênfases necessárias pra entendermos o que ele quer dizer, o que seria um elemento importante e o que seria apenas uma idiossincrasia aleatória (como o sapato em pé, e tantas ideias esquisitas que são jogadas pro espectador, como se Peele tivesse baseado tudo num sonho).

Eu detestei A Forma da Água, mas lá pelo menos os símbolos eram apresentados de forma consistente, e o filme tinha clareza de qual era seu subtexto. Aqui, o que vemos é uma salada de mensagens sobre injustiça social, cultura do espetáculo, maus-tratos animais, os males de Hollywood, que no fim não amontoam a muito e servem mais pra fomentar análises pretensiosas que virão depois na internet.

Como digo no texto Simbolismo e Filmes Interpretativos, camadas interpretativas são bem-vindas num blockbuster, desde que o filme se garanta primeiro com uma narrativa sólida, que seja inteligente e satisfatória num nível básico, independentemente dessas possíveis interpretações. Nope só se garante no nível sensorial — alguns momentos de suspense e de aparições da "coisa" são realmente memoráveis como experiência audiovisual, mas a mesma sofisticação não existe no roteiro, onde ela era mais necessária.

Nope / 2022 / Jordan Peele

Satisfação: 3

Categoria: IC / AI

Filmes Parecidos: Nós (2019) /  Interestelar (2014) / Sinais (2002) / A Chegada (2016) / Men (2022) / A Forma da Água (2017)

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