(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)
ANOTAÇÕES:
- O flashback inicial serve pra estabelecer que Bo foi doada e se separou da turma, mas toda a sequência de ação pra salvar o carrinho da enxurrada parece desnecessária, jogada ali só pro filme começar num ritmo acelerado.
- Muitas vezes os alívios cômicos acabam sendo as melhores coisas nos filmes da Pixar (sacadas divertidas como Forky ser complexado por ser feito de lixo, etc).
- A animação é excelente como de costume, mas o filme acaba parecendo uma continuação desnecessária, redundante, pois volta a falar de abandono, temas já explorados em episódios anteriores. Sem falar que a trama é não é das mais envolventes: a garotinha Bonnie apenas corre o risco de perder um garfo descartável que ela gosta de brincar, e Woody cria toda uma mobilização pra evitar que o garfo se perca - mas não é algo que pareça sério o suficiente pra prender a plateia. Falta um conflito mais dramático.
- Woody é um protagonista meio desinteressante pois é daqueles heróis altruístas cuja missão na história é apenas servir, ajudar os outros a conseguirem o que querem, mas que nunca busca um objetivo pessoal, atraente, com o qual a gente possa se identificar (no começo do filme, fica claro que o desejo real dele é ser importante pra Bonnie, ser amado por ela como ele era amado pelo Andy - com isso a gente até poderia se identificar, o problema é que daí ele percebe que Bonnie gosta mais do garfinho descartável, e então ele passa a fazer de tudo pra que Bonnie e o garfinho fiquem juntos, ignorando suas necessidades pessoais).
- O roteiro é cheio de desvios e sub-tramas desnecessárias, pouco interessantes. Por exemplo Buzz indo atrás de Woody e ficando preso no parque de diversões, ou a missão dos brinquedos de roubar a chave da velhinha pra abrir o armário (várias piadas em cima disso), sendo que não fica claro que o armário está trancado (o boneco de ventríloquo entra e sai de lá pra falar com Gabby Gabby sem parecer usar chave). Daí tem o motoqueiro que precisa fazer o salto pra chegar no armário (criam todo um "arco" pro motoqueiro, vemos flashbacks, ficamos sabendo de seus traumas pessoais) sendo que parece um personagem desnecessário - não parece tão difícil assim subir num armário, ainda mais pra brinquedos que estão o tempo todo saltando de carros, voando pelos ares, etc. SPOILER: No fim tudo ainda dá errado, Forky continua preso no antiquário, e nada disso serviu pra qualquer coisa.
- SPOILER: O filme romantiza tanto o auto-sacrifício que faz Woody praticamente doar um rim (sua caixinha de voz) pra resgatar Forky. E como se isso não bastasse, depois que eles já estão livres, Woody resolve voltar e arriscar tudo de novo só pra ajudar Gabby Gabby, a vilã do filme!
- A sequência de ação final é meio fraca (inventam que é necessário dar um salto épico da roda-gigante pra chegar a tempo no carrossel, o que não parece ter lógica). Isso é como a ação inicial pra salvar o carrinho da enxurrada - o roteirista deve ter lido em algum lugar que é necessário começar um filme com uma cena de ação, terminar com uma ainda mais intensa, e daí inventa qualquer desculpa pra enfiar essas cenas, mesmo que a trama não justifique.
- SPOILER: O final é um festival de abnegação, auto-sacrifício (e oportunidades pra mensagens progressistas sutis). Gabby Gabby, que era a vilã, agora parece ser boazinha pois abandonou seu "sonho americano" (que o filme caracteriza como algo retrógrado, artificial, nocivo - a boneca perfeitinha que serve chá, etc) e ao mesmo tempo passou a ser "socialmente consciente", se doando pra uma garotinha necessitada de família inter-racial. Woody também abre mão de sua estrela de xerife e a entrega para Jessie (assim como o Capitão América e o Thor se aposentaram e entregaram suas armas para representantes de "minorias" no final de
Vingadores: Ultimato). Pior de tudo é a ideia de Woody abandonar tudo aquilo que sempre valorizou, seus amigos, sua "criança", pra ficar com uma personagem como a Bo, com quem ele não tem real afinidade (os dois têm valores incompatíveis, tiveram atrito ao longo do filme todo). Em nenhum momento ele pareceu ter romance como seu grande objetivo, ou valorizar Bo mais do que ele valoriza sua vida com uma criança. Toda a proposta de
Toy Story costumava ser romantizar a relação entre criança e brinquedo, tornar essa relação algo mágico, parte essencial da infância. É muito claro que felicidade, no universo do filme, é ser querido por uma criança. E que ser abandonado, perdido, é o equivalente à morte para um brinquedo (todos os brinquedos perdidos ou sem dono no filme invejam aqueles que têm uma criança). Mas a esse ponto já está claro que, pra Pixar atual, há algo de maduro e profundo em abrir mão da felicidade, de seus sonhos - em aceitar a infelicidade, a morte (como na pavorosa cena da parte 3, onde os brinquedos dão as mãos em direção à fornalha). É o que discuto na postagem
Pseudo-sofisticação. A personagem da Bo representa bem essa vertente "Anti-Idealista" do entretenimento atual. Ela é aquela que não acredita mais na felicidade; fala como se o sonho de Woody de viver com uma criança fosse uma espécie de romantismo ultrapassado, inadequado pros tempos atuais. Ela vive agora numa realidade "pós-idealista", num mundo meio
Mad Max, cheia de cicatrizes, endurecida pela vida, vivendo por conta própria, excluída da sociedade - uma realidade onde a magia acabou. E é isso que o filme faz Woody escolher no fim - os amigos, a vida feliz com uma criança, essas são fantasias tolas que ele deve abandonar.
Toy Story 4 / EUA / 2019 / Josh Cooley
NOTA: 5.0