quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Joias Brutas

Desde Irreversível (2002) não via um filme tão repulsivo e incômodo em termos de técnica (direção, edição, fotografia, e principalmente som). Claro, isso não é nenhum acidente - o filme foi cuidadosamente planejado pra gerar o máximo de desconforto no espectador, não só através da técnica, mas também do conteúdo, nos mostrando personagens decadentes sempre gritando uns com os outros, passando por situações desagradáveis, estressantes, agindo de maneira autodestrutiva e irracional, tudo isso apresentado para o espectador da maneira mais caótica e de mau gosto possível. Nas minhas postagens sobre Idealismo eu discuto como Objetividade é a qualidade mais fundamental que aprecio na arte, e como os bons filmes conseguem transformar a realidade (frequentemente confusa) em algo ordenado, claro, simplificado, digerido para nossas mentes e nossos sentidos. O que esse filme faz de propósito é justamente o oposto - criar um nível de caos e desorientação sensorial que não encontramos nem nas situações mais estressantes do dia a dia. Descartando a hipótese dos cineastas serem simplesmente sádicos e niilistas, uma explicação mais generosa seria aquilo que discuto na postagem Pseudo-sofisticação - tentar enxergá-los apenas como diretores pretensiosos e imaturos que acham que subverter as regras é uma virtude em si, que ir contra o desejo da plateia, causar desprazer e incômodo prova algum tipo de capacidade ou sofisticação intelectual, simplesmente por ir contra o óbvio.

Em termos de conteúdo / mensagem o filme nem é tão condenável quanto eu esperava. Ele conta a história de um vendedor de joias endividado, fazendo uma série de jogadas e apostas arriscadas pra recuperar seu dinheiro, mas se enfiando num buraco cada vez maior no processo. O joalheiro é uma caricatura do judeu que só pensa em dinheiro e está disposto a abrir mão de qualquer escrúpulo para obtê-lo (se os próprios cineastas e Adam Sandler não fossem judeus, o filme provavelmente seria considerado antissemita ao extremo). Inicialmente parecia que ia ser um ataque ao capitalismo, ao dinheiro, aos ricos em geral (uma das primeiras cenas do filme é a câmera entrando dentro de uma pedra preciosa e isso se transformando em imagens da colonoscopia do protagonista, o que disparou meu alerta vermelho) porém o filme não chega a generalizar - e em vez de uma crítica ao capitalismo em si, ele acaba sendo uma crítica mais centrada na obsessão por dinheiro e na falta de escrúpulos de certas pessoas, o que é válido. O grande problema mesmo é a direção revoltante e a falta de elementos positivos. Mostrar um personagem desprezível pra criticá-lo não é errado - mas ainda não é o bastante pra gerar uma experiência enriquecedora para a plateia (ainda mais quando o filme tenta criar certa empatia por ele - não deixa claro que condena o personagem totalmente). Na ausência de heróis, de coisas para admirar, é apenas uma experiência incômoda. Barry Lyndon (1975) é uma boa prova de que, pra falar sobre pessoas desagradáveis, o filme em si não precisa ser desagradável.

Uncut Gems / EUA / 2019 / Benny Safdie, Josh Safdie

NOTA: 2.0

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