14/5 - Ótimos insights sobre o estado da cultura nesse papo entre o Ted Gioia e o Rick Beato:
Conteúdo interessante no Substack do Ted Gioia também, como este artigo sobre o impacto da "cultura da dopamina" no entretenimento: https://www.honest-broker.com/p/the-state-of-the-culture-2024
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11/5 - Madonna e Rio Grande do Sul — maus valores na prática
O desastre no Rio Grande do Sul e o show da Madonna em Copacabana abriram as portas do inferno na internet e uniram os conservadores e os altruístas de todos os cantos em uma grande confusão. Minhas observações:
Madonna: não é simples de julgar pois é um caso misto; é uma artista com 4 décadas de carreira que passou por várias fases diferentes (no texto O Futuro do Entretenimento, eu estava pensando especificamente nela quando escrevi a frase "há sempre o fenômeno dos artistas camaleões, aqueles que vão trocando de valores e princípios a cada década na tentativa de se manterem relevantes".) Em seus 4 primeiros álbuns, a Madonna foi um dos maiores ícones do "Renascimento Idealista" dos anos 70-90 nos EUA. Já nos anos 90, o espírito alegre e inocente que marcou sua carreira nos anos 80 começou a se dissipar, e chegando nos anos 2000/2010 pouca coisa dele havia sobrado (seguindo à risca a transformação do Senso de Vida americano). Ou seja, a Madonna que eu gosto é a dos anos 80. Não tenho uma grande admiração por seus trabalhos mais recentes, nem por ela como figura pública hoje. Porém esta "Celebration Tour" foi uma comemoração de seus 40 anos de carreira, e muito do show se sustentou em cima de sua "fase boa", em uma certa nostalgia pela Madonna dos anos 80/90 que simbolizava diversão, autoestima, individualismo etc. Há detalhes que não gostei no show (algumas figuras duvidosas da esquerda homenageadas nos telões, o remix que minguou "Like a Prayer" etc.), mas de modo geral, o show foi uma celebração de seus sucessos, e em vários momentos ele conseguiu honrar a Madonna original da qual eu gostava.
Por se tratar de uma figura mista, há várias críticas válidas que alguém poderia fazer à Madonna, mas os ataques ao show da semana passada parecem ter vindo quase que exclusivamente de uma perspectiva cristã-conservadora; de pessoas que invalidaram tudo por conta das simulações de sexo e das provocações religiosas que ocorreram no palco (ou seja, do mesmo tipo de pessoa que já a criticava 35 anos atrás).
Muitos ataques surgiram também pelo fato do show ter ocorrido ao mesmo tempo em que o Sul vivia uma grande tragédia. E aqui, o lado altruísta do conservadorismo é que se apoderou do discurso. Afinal, não há como justificar essa indignação exceto pela noção altruísta de que ninguém deve buscar a própria felicidade enquanto outra pessoa no mundo estiver sofrendo e necessitando de ajuda (o fato da Madonna simbolizar diversão e individualismo torna tudo ainda mais "imoral" por esta ótica — como era tomar sorvete de casquinha durante a Pandemia).
Assim como algumas críticas ao show poderiam ter sido feitas de maneira racional, mas as que predominaram na internet não foram, a comoção com a tragédia no Rio Grande do Sul também poderia ter sido uma manifestação sensata de empatia e preocupação, mas a internet logo transformou tudo em um festival bizarro de altruísmo. Subitamente, os heróis se tornaram os homens "humildes" da comunidade, o "povo", os voluntários que colocaram suas vidas em risco; resgates de animais começaram a ganhar mais atenção até que os de humanos, os vilões se tornaram a mídia, as grandes corporações, o homem moderno, o capitalismo que destrói a "mãe natureza" etc.
Ou seja, um caos filosófico completo, que só foi possível graças à predominância do Altruísmo e do Conservadorismo na cultura (aliados ao poder da internet de transformar qualquer evento em um grande mal-estar social).
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Às vezes as discussões sobre cinema aqui podem parecer um pouco abstratas, distantes da realidade — então pra quem questiona se existem de fato "Anti-Idealistas" no mundo, deixo aqui como registro uma entrevista com o cineasta português Pedro Costa (que eu não fazia ideia de quem era), que é praticamente uma caricatura desse tipo de mentalidade, e uma ilustração fascinante de como a falta de objetividade (reparem a maneira turva e imprecisa dele se expressar), a visão frágil do ser humano, o senso de vida malevolente e o ódio do entretenimento (especialmente de Ridley Scott!) estão interconectados: https://othoncinema.com/interview-with-pedro-costa/
Alguns destaques:
Quando a aparência reflete o espírito. |
"Para cada cineasta, é diferente. Se você entrevistar Ridley Scott, ele é um homem que não tem medo, como todos os homens grandes. Eu sei que não sou um homem; sou uma criança, sou uma mulher. Sabe, há cada vez mais desse tipo de cineastas. Eles têm que conquistar algo; estão fazendo filmes apenas para conquistar, para ganhar. Eu estou fazendo esses filmes para esquecer e perder."
"Alguns filmes também têm a função de nos fazer esquecer. Lembre-se de que às vezes é bom esquecer algumas coisas. É sua única chance de sobreviver. Eu tenho que esquecer muitas coisas todos os dias, e cada vez mais nesta sociedade. É uma forma de se armar, de se proteger. Eu quero esquecer, por exemplo, com o meu filme, que existe outro tipo de cinema. É essa noção. Eu não consigo explicar para você; é apenas um sentimento."
"A vida é algo muito violento. O cinema não deve esquecer disso, mas deve ser algo quase como remédio. Eu sei que quando assisto a um filme do Straub, eu melhoro. Imediatamente, é como tomar um comprimido. Não estou dizendo drogas, mas como Aspirina."
"Claro, Ridley Scott é fascismo absoluto. Porque é um populismo real, como você diz na política. Ele é um cara populista. Ele vai abusar de você, prometer te dar tudo, que você será feliz e livre, etc."
"Você encontra as melhores coisas quando se limita. Não é uma coisa de Ridley Scott; é o oposto, então você deve fazer o oposto de Ridley Scott, sempre em cada segundo."
"'Cinema lento' não significa muito. Dá uma ideia realmente falsa do que é. Os filmes que gostamos, Straub e Mizoguchi, são os filmes que estão mais próximos da vida. Os filmes que estão longe da vida, digamos novamente, são os do Ridley Scott. Ele vive em outro mundo, Hollywood, Los Angeles, dinheiro, ouro. Ele vive em champanhe e coisas assim."
"Quando coisas sombrias começam a aparecer, Ridley Scott começa a aparecer."
Olá, Caio.
ResponderExcluirInteressante o timing da postagem. Aquela pessoa que lhe falei no WhatsApp que está em crise de identidade também está em uma crise de altruísmo, precisamente sobre este tema. Seu senso de vida diz “não posso fazer nada, tragédias ocorrem o tempo todo, aquelas pessoas não representam valor pra mim” (ele disse com quase todas estas palavras, e já aprendeu a teoria dos valores para aplicação prática). Mas suas ideias são um misto de altruísmo cristão (aquele problema epistemológico que falei) com altruísmo da esquerda (pensar nos pobres do sul, nos desabrigados, culpar os ricos etc.).
Vou esperar uns dias, caso tu faça alguma alteração, extrair o texto e enviar para ele.
Outra observação. Eu não fazia ideia de que este trecho em O Futuro do Entretenimento se tratava da Madonna. O que me fez pensar sobre quantos exemplos práticos e concretos em teus textos tu omitiu e apenas deu as observações.
ResponderExcluirQuanto ao trecho em questão. Apenas li e concordei. Mas não consegui pensar em ninguém assim. Gosto da Madonna dos anos 80, mas só comecei a escutar ela nos anos 2010. Não consigo nem entender a variação destes valores na Madonna que tu falou. Para mim, sempre foi uma pessoa só. A Lady Gaga, por exemplo, é claríssimo as mudanças. Ela ficou muito menos divertida.
Até no Spielberg eu consigo observar com mais clareza estas mudanças (até na luz motivada nos anos 2000 rsrs). Também nos exemplos recentes de artistas que se enfeiam para ganhar prêmios. Mas talvez na música eu não veja tanto...
Isto posto, por acaso há outros exemplos como estes nos teus textos, em que tu pensa em algo ou alguém e omite? Michael Jackson também foi assim como a Madonna ou ele manteve uma integridade? Acredita que o público mais recente, como eu, apenas vê o passado condensado e isola as melhores partes, sem entender as mudanças dos valores de época em época?
Interessante.. se o senso de vida dele já tem essa inclinação, acho que vai ser mais fácil ele ajustar as ideias. Se ele tivesse um senso de vida altruísta/cristão, aí daria mais trabalho..
ResponderExcluirHehe, minha mania de fazer alterações nos textos vem com essas desvantagens. Tinha pensado no máximo em incluir no texto o motivo de eu não ver problema no aspecto sexual/religioso do show, mas daí pensei que eu estaria perdendo tempo tentando responder possíveis questionamentos de conservadores antes mesmo deles surgirem.
Quanto às mudanças da Madonna... pra mim a turnê Blonde Ambition e a coletânea The Immaculate Collection coroam essa 1ª fase que pra mim foi a melhor dela. No álbum seguinte (Erotica) já houve uma quebra clara.. o álbum é menos dançante, menos melódico, há faixas indo mais pro house, as letras trazem temas adultos um pouco mais sombrios.. Claro, no meio disso vc ainda acha algo como "Rain", que é bem Idealista.. mas nos álbuns dela daí em diante, esse tipo de faixa passaria a ser só uma "pitada idealista" no meio de músicas que em geral refletiam um senso de vida mais cínico e as tendências musicais/ideológicas do momento (eletrônico, hip-hop).. No momento pós 11 de Setembro ela veio com aquele álbum American Life cheio de críticas ao "sonho americano" etc. E pra mim, a fase menos divertida da Madonna foi essa agora de 2015 pra cá (Rebel Heart, Madame X). Até a era country da Lady Gaga me agradou um pouco mais hehe.
E nem acho que seja uma mudança tão sutil assim que só eu tenha notado por ter um apego maior à 1ª era.. até entrei agora na Wikipedia nas páginas do Erotica e do American Life pra checar, e lá eles mesmos comentam essas mudanças. Claro, a Madonna manteve uma identidade coerente ao longo dessas "reinvenções" todas: sempre preservou o arquétipo do revolucionário/rebelde (que já fazia parte dela mesmo nos anos 80).. sempre discutiu temas como sexo, religião.. sempre fez músicas dançantes.. mas o senso de vida foi se ajustando.
O Spielberg fez algo parecido, mas ele é mais Idealista em espírito.. então ele não conseguiu ir tão longe nesses ajustes. Em vez de abraçar completamente os valores do presente, os filmes do Spielberg parecem estar sempre tentando promover uma reconciliação entre o moderno e o clássico.. o que nem sempre é possível. A Madonna acho que já faz o que for necessário pra mergulhar na atualidade. Se precisar ser material girl, ela é.. se precisar virar a anti-material girl, ela vira.. rs.
Acho que desses, o Michael Jackson era o mais irremediavelmente Idealista, e o que mais preservou sua essência... Acho que ele não teria conseguido se ajustar ao século 21. Lembro que em 2001 quando ouvi o último álbum, músicas como Speechless ou Cry já pareciam relíquias do século 20; ele já não estava tão em sintonia com o momento.
Isso de condensar e isolar as melhores partes do passado é natural quando a gente não viveu a época.. mas quando a gente vai ganhando mais contexto e entendendo melhor de filosofia/estética, vai ficando mais fácil enxergar essas sutilezas. Na adolescência, por exemplo, quando eu via clássicos de Hollywood, eu achava que tudo era idealista, que tudo no fundo tinha uma mesma intenção, com a qual eu simpatizava.. então quando eu não gostava tanto de um clássico, não atribuía isso a uma diferença de valores. Ficava sem entender direito.. Hoje eu já consigo fazer uma leitura bem melhor de um filme antigo. Se assisto a Saturday Night Fever, por exemplo, eu entendo que aquela estética meio suja/realista não é acidental.. nem a trama meio frouxa.. mas antigamente, eu não ia imaginar que um musical poderia carregar influências do Naturalismo.. então tentava colocar tudo num mesmo saco. abs
Preciso pensar se há mais exemplos concretos que omiti... vou dar uma folheada no livro depois. Às vezes o conceito que eu quero passar me parece familiar e razoável o bastante pra pessoa poder concordar sem precisar de "provas".. E às vezes evito exemplos concretos também porque eles podem acabar levantando dúvidas desnecessárias, já que artistas e obras de arte são geralmente multifacetados. Mas em alguns casos, posso ter pecado pro outro lado.. Se você lembrar de observações que fiz pras quais faltaram exemplos, pode me falar também. Um capítulo que alguém comentou na época e eu concordei que podia ter mais exemplos foi aquele do Idealismo Corrompido.. onde eu listo as diversas táticas que os filmes usam pra corromper o Idealismo, e só dou exemplo em 1 item acho, citando Mad Max: Estrada da Fúria. abs!
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