Esse definitivamente não foi o ano de Jennifer Lopez, que vem enfrentando uma série de fracassos — depois de três projetos terríveis para o streaming (A Mãe, This Is Me... Now: Uma História de Amor, e Atlas) ela agora cancelou a turnê que faria pelos EUA celebrando sua carreira, em meio ainda a especulações de crise em seu casamento com Ben Affleck.
Jennifer Lopez é uma dessas artistas que, apesar de já serem famosas há décadas, parecem estar sempre tentando; buscando um reconhecimento definitivo que por algum motivo nunca chega. Uns dizem que é porque falta talento, outros dizem que só faltam Grammys, Oscars... Mas pra mim, o problema de J.Lo é que ela sofre do que poderíamos chamar de "dismorfia de arquétipo" — uma espécie de transtorno que faz a pessoa se sentir e se comportar como um Arquétipo enquanto a imagem que ela projeta para o mundo não é compatível com este arquétipo.
Pela postura de Lopez na música e pelos papéis que ela tem escolhido no cinema, fica claro que ela adora se ver na pele da mulher forte, competente, destemida, altamente inteligente — uma combinação do arquétipo do Guerreiro com o Governante e uma pitada do Sábio. No recém-lançado Atlas, ela quer tanto ser a Sigourney Weaver na cena icônica da empilhadeira de Aliens que ela fica dentro da empilhadeira praticamente o filme todo. Mas pra mim, esse arquétipo nunca funcionou muito bem pra ela.
No texto O que torna um personagem gostável? eu discuto por que um personagem só convence quando existe harmonia entre sua aparência e seus traços de caráter — quando o ator parece ser "a melhor encarnação possível" das qualidades daquele personagem em um corpo físico. E eu particularmente não acho que a J.Lo consiga encarnar bem o Guerreiro ou o Governante. Apesar da mandíbula bem desenhada, suas feições são suaves demais pra projetar agressividade. (Um complicador aqui é o fato de Lopez saber que tem esse tipo de beleza e não abrir mão do visual "Amante" enquanto persegue esses arquétipos mais durões — mas esta é uma questão secundária, pois mesmo sem as maquiagens glamourosas, acho que J.Lo ainda não seria a melhor das Guerreiras.)
Pra mim, a performance mais convincente de Jennifer Lopez no cinema foi em Selena (1997), onde ela projetava um mix de Idealista, Garota Comum e Amante. Tudo indica que estes arquétipos mais suaves, despretensiosos, menos ligados a força e poder, sejam mais adequados pra ela (em comédias românticas ela se sai bem também, embora eu não ache que o Amante seja necessariamente seu arquétipo primário). Mas por algum motivo, Lopez continua investindo no papel de heroína durona e independente que já lhe rendeu inúmeros fracassos (talvez seja um pouco pela pressão atual de toda mulher ter que ser uma "girlboss").
Claro, a ruindade dos filmes que ela costuma escolher também contribui pra instabilidade de sua carreira. Stallone, por exemplo, é um bom Guerreiro e costuma estar alinhado com seu arquétipo — mas tem tantos filmes ruins no currículo que isso limita seu reconhecimento como ator.
Um artista no arquétipo errado pode sustentar uma carreira longa e respeitável se for habilidoso e souber selecionar seus filmes. Diria que o Leonardo DiCaprio é um que está sempre pegando papéis que não combinam nada com ele, mas que consegue se safar por ter técnica e por só aparecer em projetos de "pedigree". Lopez, infelizmente, não tem o dedo bom do DiCaprio.
Outro complicador no caso de J.Lo é o fato dela ser Idealista demais para os tempos atuais e querer viver o tipo de heroína admirável e não Corrompida que ainda era popular no início de sua carreira, mas que hoje já não criaria a mesma conexão com o público, mesmo que ela fosse totalmente convincente no papel.
Então há inúmeras coisas trabalhando contra J.Lo (nem discuti ainda o fato dela ter uma carreira no cinema e na música, algo que pouquíssimas pessoas na história conseguiram conciliar). Mas antes de mais nada, acho que o maior inimigo de Jennifer Lopez ainda é o Desalinhamento de Arquétipo. Há inúmeras artistas da mesma geração da J.Lo que têm menos habilidade, menos ambição, que são menos esforçadas que ela, mas que têm muito mais êxito, pois são impulsionadas por um bom alinhamento neste nível (este é o mesmo problema da Wanessa Camargo no Brasil, diga-se de passagem). Artistas assim estão sempre tentando se reinventar, mas diferentemente de uma Madonna, que tem uma identidade sólida e apenas explora diferentes facetas de uma personalidade bem fundada, essas se reinventam pois ainda estão na busca de uma identidade artística consistente — algo que só é possível com o Alinhamento de Arquétipo.
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