domingo, 26 de abril de 2020

O que torna um personagem gostável?

(Capítulo 8 do livro Idealismo: Os Princípios Esquecidos do Cinema Americano)

De todos os tópicos envolvendo a criação de um filme, este talvez seja o mais complexo e difícil de articular, e mereceria um livro por si só. Minha ideia aqui não é apresentar um guia definitivo, nem sugerir que tenho consciência de todo o processo envolvido na avaliação de um personagem (inclinações pessoais subjetivas são difíceis de evitar especialmente nesse tópico). Vou apenas estabelecer alguns princípios que me parecem importantes nessa tentativa de entender o que torna um personagem “gostável” — afinal, como ficou claro no capítulo anterior, o personagem ser gostável ou não acaba sendo um elemento fundamental para a história funcionar, e que irá afetar toda a experiência do espectador.

Antes de mais nada, vale lembrar de novo que não existe um “gostável universal”, afinal, as pessoas possuem valores diferentes. Então, vou discutir aqui apenas o que seria gostável dentro de um contexto Idealista.

Pra começar, o mais básico a se entender é que no Idealismo o espectador se sentirá atraído pelo personagem com base em virtudes, em valores positivos — não com base em suas fragilidades, distúrbios, falhas, tristezas, medos, inseguranças — e nem com base em raça, nacionalidade, gênero, orientação sexual (táticas que estão se tornando cada vez mais comuns hoje em dia). Na medida em que o personagem se mostrar moralmente inocente, íntegro, e ao mesmo tempo virtuoso, forte, feliz, especial em algum aspecto, o espectador irá achá-lo atraente e gostável.

No Idealismo, também tendemos a pensar em extremos. Se o personagem for um agente secreto, queremos que ele seja o melhor agente secreto do mundo. Se for uma criança levada, queremos que seja a mais levada que já vimos. Se for uma bela prostituta com um coração de ouro, que seja a mais bela de todas as prostitutas com o mais puro de todos os corações. Se for uma atriz narcisista, que ela seja uma atriz de enorme sucesso, e que seu narcisismo seja tão extremo que a deixe completamente cega para a realidade. Há alguns casos onde isso não se aplica tão bem, como em histórias sobre homens comuns passando por situações extraordinárias — o extremo aqui se aplica mais à situação, não ao personagem. Mas mesmo em relação ao personagem, se ele for um homem comum, não custa tentar criar o mais legal de todos os homens comuns que a plateia já conheceu.

FRAGILIDADES E VULNERABILIDADES

Um protagonista, para ser gostável, não precisa estar livre de qualquer tipo de fragilidade. Na verdade, o espectador dificilmente se identificará e se sentirá inspirado por alguém completamente indestrutível, invulnerável e desconectado da realidade. Mas existe uma diferença entre dar vulnerabilidades ao herói — inserir elementos que mostram que ele é uma pessoa real, com certas limitações naturais — versus romantizar as imperfeições do herói, relativizar suas virtudes, inserir falhas de caráter etc. No Idealismo, o foco recai sobre as qualidades e virtudes, e as vulnerabilidades só existem para tornar o personagem mais crível, real, identificável — enquanto em filmes Não Idealistas todo o foco recai nas fragilidades, nas inseguranças, frustrações, limitações, e é com isso que o artista espera que o espectador se identifique. Discutirei melhor este assunto no capítulo “Idealismo Corrompido”.

Assim como na vida real, nossa primeira impressão de um personagem acaba sendo formada em questão de minutos ou segundos: logo no comecinho de um filme, por meio de suas primeiras ações, falas ou atitudes. Claro que na vida real não podemos contar com primeiras impressões, e precisamos ver a pessoa agindo ao longo de um período maior de tempo para chegarmos a certas conclusões sobre seu caráter. No entanto, em um filme, cada ação e característica de um personagem é cautelosamente planejada pelo artista para expressar determinados valores, causar, portanto, certas impressões — tudo o que é acidental e não essencial é omitido na arte; então temos permissão, dentro deste contexto, para aceitarmos essas primeiras impressões do personagem como uma representação verdadeira de seu caráter e dos valores do artista.

(Lembrando que o artista deve sempre respeitar o pilar da Objetividade e apresentar essas qualidades de maneira racional — através de coisas observáveis no próprio filme: através das ações do personagem, de suas falas, de sua aparência, sua atitude em relação aos outros personagens da história etc. Mesmo que você esteja fazendo um filme sobre uma figura conhecida — por exemplo, Jesus Cristo — você ainda precisa apresentar o personagem como se fosse a primeira vez que o espectador estivesse vendo aquele indivíduo, e torná-lo gostável através de qualidades novas, visíveis, como se o espectador não tivesse nenhuma opinião formada a respeito dele).

EXEMPLOS DE COMO PRIMEIRAS IMPRESSÕES SÃO FORMADAS




Em Os Caçadores da Arca Perdida (1981), Indiana Jones é visto apenas de costas ou em silhueta nas primeiras cenas, liderando uma equipe no meio da floresta (o fato de seu rosto não ser mostrado e ele ser o líder da equipe já cria um ar de mistério e importância — vejam como a direção e a fotografia também podem ser cruciais na construção do personagem). Sempre que se deparam com sinais de perigo no caminho, os seguidores de Indy ficam apavorados e agem de maneira tola, enquanto Indy não demonstra nenhuma surpresa e segue em frente como se tudo estivesse sob controle, o que o faz parecer corajoso e experiente (cercar o herói de coadjuvantes caricatos e inferiores é uma das maneiras mais eficientes de fazê-lo parecer a única pessoa sensata do filme, ganhando, assim, o respeito da plateia). Vale lembrar que o simples fato do personagem estar num lugar exótico, olhando mapas antigos, numa espécie de caça ao tesouro, já o torna atraente por mostrar que ele leva uma vida incomum, cheia de propósito, aventura. No fim dessa sequência, quando um de seus companheiros se revela um traidor e tenta atirar nele pelas costas, Indy ouve o barulho do gatilho e o golpeia habilidosamente com seu chicote: o fato dele golpear um homem claramente imoral já sugere por contraste que ele é moralmente correto, está no “time do bem”. Após o golpe, Indy se volta para a câmera e sai da sombra, mostrando seu rosto pela primeira vez. E não é qualquer rosto: é a imagem gloriosa de Harrison Ford. Enquanto ele enrola seu chicote de volta, seu acompanhante o encara boquiaberto (as reações de outros personagens são ótimas ferramentas também para comunicar as qualidades do protagonista).

(Observação: existem alguns filmes e diretores que irei citar dezenas de vezes ao longo do livro, não só por eu realmente enxergá-los como grandes representantes do Idealismo, mas também porque são favoritos pessoais, e eu me sinto mais confortável falando de artistas que conheço bem, de filmes que já vi inúmeras vezes ao longo de 10, 20, 30 anos, do que falando de coisas que ainda não tenham passado pelo teste do tempo e sido analisadas por diversos ângulos).

Em A Noviça Rebelde (1965), Maria é vista pela primeira vez sozinha, rodando na famosa cena da colina (a aproximação épica da câmera, que vem de milhas de distância até chegar num close de Maria, glorifica a importância da protagonista e faz ela parecer especial para o espectador — além da locação deslumbrante sugerir uma vida positiva, livre de problemas). Ela canta uma canção romântica que transmite pureza de caráter, ao mesmo tempo em que Julie Andrews exibe sua aparência doce e suas habilidades vocais incríveis, que fazem ela parecer tanto bondosa quanto admirável. Na cena seguinte, através de uma conversa entre as irmãs do convento, descobrimos que Maria é uma freira, mas que ela tem um espírito livre demais para a vida de sacrifícios exigida pela igreja — mais uma vez, personagens secundários com características menos atraentes (as freiras mais presas às regras e convenções) servem como contraste para ressaltar as qualidades positivas da protagonista e torná-la mais interessante para o espectador.

Essas são entradas bem dramáticas de personagem, mas às vezes cenas simples e casuais podem ser o suficiente para criar uma conexão positiva entre personagem e espectador.

Em O Mágico de Oz (1939), E.T. (1982) ou Esqueceram de Mim (1990), os protagonistas são apenas crianças comuns, incompreendidas, não levadas a sério pelos personagens mais velhos. Dorothy quer apenas proteger seu cachorrinho da malvada Miss Gulch, mas os adultos estão ocupados demais com suas tarefas diárias e não querem saber de seus problemas. Elliott quer fazer parte da brincadeira dos amigos, quer que os meninos mais velhos não o tratem como criança. Kevin é ridicularizado pelos irmãos mais velhos, acaba sendo injustiçado e colocado de castigo. São apenas crianças comuns, inocentes, querendo ser ouvidas, levadas a sério como indivíduos, mas estão cercadas por personagens insensíveis, indiferentes, malvados. Não são personagens excepcionais ou virtuosos ainda (exceto em suas “fofuras” excepcionais), mas são gostáveis, pois se mostram inocentes e têm um desejo universal com o qual é fácil se identificar (todos queremos ser importantes, todos queremos diversão, nos livrarmos de problemas). Esse tipo de caracterização (inocência + um desejo positivo e universal) costuma ser o suficiente, principalmente quando estamos falando de personagens jovens, dos quais ainda não esperamos grandes habilidades e virtudes (protagonistas da Disney muitas vezes eram apresentados dessa forma).

Filmes sobre pessoas comuns que passam por situações extraordinárias (como filmes do Hitchcock, Spielberg, ou filmes de desastre) também não exigem que o personagem seja virtuoso, “maior que a vida”, como um Indiana Jones, por exemplo. Afinal, a graça desse tipo de história está em ver alguém mais próximo da nossa realidade se deparando com algo fantástico. Richard Dreyfuss está longe de uma figura épica, mas, em filmes como Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), ele é perfeitamente gostável dentro da categoria de “homem comum” (pense também em atores como Tom Hanks, James Stewart). E, mesmo nesse caso, gostamos dele com base em características positivas: em Contatos Imediatos, ele é competente em seu trabalho, tem uma relação positiva com os filhos e com as pessoas ao seu redor, parece um típico “cara legal”, faz uma série de comentários cômicos nas primeiras cenas (como dizer que vai deixar as crianças verem “só os 5 primeiros mandamentos” do filme Os 10 Mandamentos (1956) na TV).

Vejam que nenhum desses personagens são pessoas comuns, literalmente, como as que vemos no dia a dia (ou no cinema Naturalista). No Idealismo, vemos sempre versões otimizadas do homem comum — o homem comum transformado numa versão mais pura, essencial e icônica de si mesmo, sem as inconsistências e irrelevâncias da vida real.

No começo de De Volta para o Futuro (1985), há uma breve cena em que Marty vai para a escola de skate pegando carona na traseira de alguns carros (o que por si só já é uma ação divertida e atraente). No caminho, ele acena casualmente para um grupo de mulheres numa academia fazendo ginástica, e todas elas acenam de volta como se o conhecessem. Como espectador, você subconscientemente assume que ele é querido pela cidade inteira, e que seria natural você gostar dele também (mostrar personagens sendo gentis com o protagonista, flertando com ele, falando dele positivamente em sua ausência, são sempre formas eficazes de torná-lo atraente e reforçar essa impressão — desde que em algum momento ele justifique essa reputação, é claro, se não seria apenas um julgamento de segunda mão). Marty é um adolescente “típico” no contexto do filme, mas, para a plateia, obviamente, ele é muito mais fascinante do que um adolescente qualquer. A maioria das pessoas daria tudo para estar vivendo uma vida daquelas. Assim como Kevin em Esqueceram de Mim (1990) é apresentado como um “típico” garoto americano em uma “típica” família americana, quando na verdade o que vemos já é uma visão extremamente idealizada desses conceitos.

Em casos de tragédias, filmes sobre personagens com falhas trágicas, o personagem não pode ser 100% admirável, moralmente impecável, porém, o que o tornará atraente para o espectador ainda serão suas qualidades positivas. Em Cidadão Kane (1941), apesar de seu caráter duvidoso, o protagonista ainda é uma figura atraente em diversos aspectos: sua ambição, sua genialidade como empresário, seu enorme sucesso profissional — tudo isso faz com que o espectador queira acompanhar sua história. A maioria dos bons filmes dessa categoria são sobre personalidades fortes, pessoas ambiciosas, que já realizaram ou estão realizando coisas importantes, vivem vidas incomuns, extraordinárias, como em O Poderoso Chefão (1972), Crepúsculo dos Deuses (1950), e Lawrence da Arábia (1962).

Ajuda muito também o fato desses personagens serem interpretados por atores icônicos, altamente carismáticos, o que me leva ao próximo ponto:

CASTING IMPORTA

Spielberg costumava dizer que o casting (a escolha dos atores) representava 60% do sucesso de um filme (depois de uns anos ele reduziu essa estimativa para “apenas” 40% ou algo próximo disso — o que ainda é uma afirmação bastante impressionante). Na literatura, as informações sobre os personagens chegam até nós apenas através de palavras, baseamos nossos julgamentos apenas com base em descrições, mas sem evidências sensoriais. Já no cinema, nós temos uma pessoa real representando aquele personagem, e, querendo ou não, o ator trará uma quantidade enorme de informações para o personagem que afetarão totalmente nossa percepção dele.

Como já disse, no Idealismo, o espectador quer ver uma versão melhorada da realidade — personagens que ele possa admirar, que ele gostaria de ser, de conhecer, mesmo que se trate de um “típico adolescente” como Marty McFly. Então, a necessidade de escalar atores excepcionais é algo constante nesse tipo de cinema. Você sempre quer “astros” protagonizando seus filmes, não no sentido de serem atores já de renome, mas no sentido de serem atores altamente carismáticos, com um magnetismo cênico notável — seja para interpretar o Superman, Hannibal Lecter, uma mãe de família ou uma criança da favela.

APARÊNCIA IMPORTA

Uma beleza excepcional não é necessária para tornar um personagem gostável (a não ser que a natureza da história exija isso, como em Uma Linda Mulher). O mais importante aqui é o elemento carisma, magnetismo pessoal, e para o personagem ter isso ele não precisa ser bonito necessariamente (porém, vale lembrar que, assim como um típico adolescente num filme de Hollywood vive uma vida muito mais interessante que um adolescente do mundo real, o espectador Idealista quando vai ao cinema também espera ver pessoas mais atraentes do que aquelas que ele encontra na rua — mesmo que o ator esteja interpretando um personagem “comum”).

Embora beleza não seja indispensável, é importante ressaltar que o espectador Idealista se sente inspirado e quer ver uma realidade melhorada na tela. Assim como ele quer ser transportado para lugares mais bonitos e gosta de ver os protagonistas fazendo coisas extraordinárias, ele também tem prazer em ver uma bela figura humana retratada na tela — desde que isso não vá contra as necessidades específicas da história, é claro (personagens maus ou personagens cômicos em geral não devem ser extremamente belos, por exemplo). A atitude atual da cultura de querer tornar os heróis e heroínas figuras mais próximas das pessoas comuns, mais “humanizadas”, são atitudes que vão contra o Idealismo e pressupõem que o espectador se sinta ameaçado e desencorajado (em vez de inspirado) pela projeção do ideal.

A RELAÇÃO ENTRE APARÊNCIA FÍSICA E PERSONALIDADE

Nossa aparência física transmite uma série de impressões e qualidades que estão além do nosso controle, e isso não pode ser ignorado quando estamos tentando criar um personagem magnético e carismático. Na vida real, seria errado criar julgamentos sobre as pessoas com base em fatores não escolhidos, como a aparência. Porém, num filme, tudo é planejado e escolhido pelo autor para transmitir certas ideias e criar uma experiência para o espectador — na arte, é como se toda a realidade fosse moldada e recriada para expressar a visão do artista e criar certas impressões na plateia (nunca ignorando a psicologia e o subconsciente do espectador). Se até um movimento de câmera transmite certas ideias e comunica algo subconscientemente para a plateia, imagine então a aparência física do personagem (considere o fato de que, com o uso de maquiagem, uma pessoa pode ir de uma aparência ingênua a uma aparência mais agressiva com apenas algumas alterações no formato de sua sobrancelha).

Imagine se na hora em que Indiana Jones sai da sombra e mostra seu rosto pela primeira vez, o público se deparasse não com Harrison Ford, mas com o rosto de Woody Allen e sua típica cara de intelectual neurótico — o efeito seria completamente diferente e o personagem perderia boa parte de seu carisma. Da mesma forma, não teria nenhuma graça ver Harrison Ford interpretando Alvy Singer em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) no lugar de Woody Allen — ele jamais convenceria naquele papel. Ambos são atores geniais e carismáticos — quando estão em seus respectivos lugares. Se Maria de A Noviça Rebelde fosse interpretada por uma mulher com uma beleza mais exótica e sensual como Sophia Loren, provavelmente seria um casting errado, e ela não seria tão gostável no papel quanto Julie Andrews e sua energia serena e maternal (Julie que, por sinal, teve bem menos êxito no filme A Estrela (1968), onde suas características naturais não se encaixavam tão perfeitamente nas de uma diva ambiciosa do teatro, de personalidade forte, fisicamente energética).

A maioria das pessoas pode chegar a uma personalidade magnética, carismática, mas não em qualquer tipo de papel, pois a aparência de cada um já traz uma série de qualidades e impressões das quais é difícil a pessoa fugir. É como um chef que entra numa cozinha, mas é obrigado a usar determinados ingredientes em sua receita, pois são coisas que já vêm obrigatoriamente com ele. Ele é capaz de preparar um prato maravilhoso se usar receitas que incluem esses ingredientes, mas não é capaz de preparar qualquer receita e ainda ter um resultado bom. Por exemplo: se ele é obrigado a incluir chocolate e açúcar em todo prato que faz, e ele decidir fazer um strogonoff — provavelmente o prato não ficará tão bom quanto se ele decidisse fazer um bolo — e também não ficará tão bom quanto o de uma outra pessoa que faça um strogonoff, mas cujos “ingredientes-base” sejam carne bovina, creme de leite etc. Esses ingredientes-base são as impressões e qualidades inevitáveis que transmitimos com nossa aparência.

Assim como algo mágico acontece quando os movimentos de um dançarino estão em harmonia com a música a qual ele dança, algo similar ocorre quando as qualidades visuais de um personagem “dançam” em harmonia com seu caráter.

Uma ótima ilustração disso é a cena de Funny Girl: A Garota Genial (1968), onde Fanny Brice se recusa a fazer uma cena de um espetáculo quando lê o roteiro e percebe que não tem o tipo de aparência certa para aquela situação, e que isso iria torná-la ridícula e pouco carismática em cena. O diretor quer que ela desça uma escada vestida de noiva, cantando uma letra que sugere que ela é de uma beleza estonteante —, mas Fanny sabe que ela não está à altura de tal pretensão. A saída que ela encontra é brilhante: contrariando o diretor, ela coloca uma almofada embaixo do vestido antes de entrar no palco, e faz a cena exatamente como foi escrita, porém sugerindo que a noiva está grávida, o que provoca gargalhadas na plateia e torna o momento o ponto alto do espetáculo, transformando Fanny num sucesso imediato (ela aposta no humor, que é seu ponto forte).




Ou seja, para que o personagem seja crível, sua aparência tem que estar em harmonia com seu caráter, com seu universo, com a história que está sendo contada e com o arquétipo que o artista deseja projetar. Ele tem que parecer ser a melhor “encarnação” possível daquela personalidade num corpo físico. Mas só isso não basta: para o personagem ser gostável num contexto Idealista, ele precisa também demonstrar virtudes e qualidades positivas de caráter que o tornam digno da admiração da plateia.

11 comentários:

Anônimo disse...

Dizem que o papel de Julia Roberts em "Uma Linda Mulher" teria sido oferecido primeiro a Meg Ryan e Molly Ringwald, a eterna "Garota de Rosa Shoking".
Pedro.

Caio Amaral disse...

Pois é, muitos filmes desses começaram com um ator diferente em mente.. por exemplo, Indiana Jones ia ser interpretado por Tom Selleck.. existem imagens de Eric Stoltz no papel de Marty McFly antes dele ser substituído por Michael J. Fox.. às vezes demora até achar esse casamento perfeito entre personagem e ator..!

Anônimo disse...

No passado, os cineastas em geral, conscientemente ou não, seguiam esses princípios na construção de personagens e escalação de atores. Mas, de fato, nos tempos atuais, a correção política tem criado algumas dificuldades para a criação de bons personagens. Isso tem sido notado nas produções voltadas para o público infanto-juvenil, onde alguns percebem que se tornou mais difícil encontrar bons personagens masculinos:
https://thefederalist.com/2017/01/05/disney-hate-boys-much-male-characters-losers/

Sobre a compatibilidade entre a aparência de atores e o tipo do personagem, costuma ocorrer na maioria dos casos, mas há algumas exceções notáveis, como a do Michael Keaton no papel de Batman, para o qual sua inadequação física era óbvia, mas acabou sendo bem aceito pelo público mesmo depois de muita polêmica.
Pedro.

Caio Amaral disse...

Oi Pedro! Sim, é ainda mais raro vermos personagens masculinos de forma heróica nos tempos atuais (afinal os homens são os grandes "opressores"). Mas não diria que as princesas escaparam ilesas dessa situação (como sugere o artigo). Estou sempre falando aqui como elas também vêm sendo diminuídas pela Disney.

Observação: não sou muito fã dessa ideia de que meninos se inspiram apenas por personagens masculinos, e meninas por personagens femininos. Quando falo sobre os princípios do Idealismo, falo de valores universais como autoestima, benevolência, etc, que nos inspiram independentemente do sexo do personagem (raça, idade, etc). Quando um homem é retratado de maneira deprimente num filme da Disney, não apenas os meninos sofrem com isso, mas as meninas também. Ambos perdem uma referência admirável.

Outro problema do artigo pra mim é a insistência na ideia de que auto-sacrifício é sinal de heroísmo (observe quantas vezes a escritora repete isso). Se ela aceita esses princípios altruístas, ela não está de fato discordando da Disney.. a Disney só está aplicando esses princípios de maneira mais consistente que ela. Se altruísmo é o padrão moral correto.. então faz sentido NÃO ter heróis confiantes e individualistas em seus filmes (como John Wayne).

Quanto ao Michael Keaton.. não lembro de ser particularmente fã dele como Batman. Mas não vejo uma subversão tão grande em termos de arquétipo.. Talvez por eu não ter a referência dos quadrinhos. Pra mim Batman tem que convencer como um milionário, um cara bem nascido / criado.. Masculino, sério, sofisticado.. forte.. mas não sei se forte num sentido atlético / musculoso.. Pois dá a impressão que a força do Batman vem mais de seus equipamentos. Então não acho o Keaton tão inadequado assim, a ponto de perder a credibilidade ou empatia do público. Abs.

Dood disse...

Bem interessante esse link que você passou, Pedro. Vontade de traduzir e fazer considerações sobre ele. Conteúdo com boa crítica ao entretenimento atual, sobretudo ao da Disney.

Anônimo disse...

Sim, a inspiração do público não depende necessariamente dos personagens, mas isso ocorre numa grande parte dos casos, e essa tendência parece ter se acentuado de uns tempos pra cá. Dizem que a Joanne Rowling, para publicar o Harry Potter, foi convencida pela editora a assinar com iniciais - ela nem tem um nome com "K" na vida real - porque achavam que os meninos poderiam não querer ler um livro escrito por uma mulher. A Disney chegou a atribuir o fracasso de "A Princesa e o Sapo" à presença do nome "princesa" no título, e isso foi um dos motivos por que o filme da Rapunzel teve seu nome mudado para Enrolados. Parece ser uma tendência recente, é difícil acreditar que Branca de Neve tenha feito tanto sucesso no passado só com o público feminino. Mas ultimamente o estúdio parece ter desistido de uma vez por todas dos meninos, ou então acha que os filmes da Marvel são suficientes para eles.
Sobre o Batman, muitos fãs haviam considerado Michael Keaton fisicamente inadequado para interpretá-lo, e talvez temessem que ele fosse ser um novo Adam West. Ele não parecia mesmo com o personagem dos quadrinhos ou dos desenhos, onde Bruce Wayne quase só se diferenciava de Clark Kent por não usar óculos.
https://www.youtube.com/watch?v=O_Rmf8LQr6M
Pedro.

Caio Amaral disse...

Sim, quanto mais tribal / coletivista / racista a cultura se torna.. mais as pessoas pensam em termos de "filmes para empoderar meninos", "filmes para empoderar meninas", "filmes para empoderar negros"...

Não tinha tanta noção desse perfil do Batman.. Então olhando o filme isoladamente, Keaton não me passou fragilidade.. Mas talvez levando em conta o histórico, pode ter sido inadequado mesmo.. Tim Burton sempre gostou de retratar anti-heróis em seus filmes né.. talvez isso explique essa escolha do Michael Keaton. abs.

Caio Amaral disse...

Pedro, você que gosta de polêmicas envolvendo Disney.. já leu a notícia que a Splash Mountain vai ser totalmente reimaginada... vai deixar de ser sobre Song of the South (considerado racista), e transformada numa atração sobre A Princesa e o Sapo? Achei cômico.. rs.

Anônimo disse...

Chega a ser surpreendente que a Disney tivesse uma atração inspirada num filme que ela mesmo tirou de catálogo há mais de 30 anos, e que só é lembrado por causa das pessoas que querem acusar o passado do estúdio. A mudança é compreensível, se bem que A Princesa e o Sapo tenha sua própria cota de defeitos, que justificaram em boa parte seu fracasso de bilheteria.
Pedro.

Anônimo disse...

Falando de casting e relação entre aparência e personalidade, vi por acaso no Google, procurando informações sobre o filme Misery, que valeu o Oscar para Kathy Bates, algumas notícias do ano passado de que Maria Ximenes estaria cotada para estrelar uma adaptação teatral dessa história de Stephen King. Não sei se peça chegou a ser encenada, mas me pareceu uma das escolhas mais inadequadas. Não vejo como Mariana poderia encarnar Annie Wilkes. Não é só o fato dela não se parecer em nada com Kathy Bates, que estava perfeita no papel. A Mariana me parece delicada demais para o público possa pensar que alguém com o físico dela seria capaz de arrastar um homem adulto no meio duma nevasca, como a Wilkes da história. Acho que se o filme tivesse escalado alguém parecido com a Mariana Ximenes para o papel principal, teria sido um fracasso.
Pedro.

Caio Amaral disse...

Ah sem dúvida.. não faria o menor sentido.. a não ser atrair público por ser uma atriz "global", etc. Mas destruiria toda a realidade da situação!