sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Outros filmes vistos - Dezembro 2019

Minha Mãe É uma Peça 3 (2019) - 7.0

Dois Papas (2019) - 5.0

História de um Casamento (2019) - 7.0

Entre Facas e Segredos (2019) - 6.0

Meu Nome é Dolemite (2019) - 5.5

As Golpistas (2019) - 7.5

Downtown Abbey (2019) - 4.0

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Cats

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- A produção é boa em termos de direção de arte, fotografia. Os efeitos nem são tão ruins - os gatos são bizarros, mas isso é mais um problema de design do que da qualidade do CGI.

- O começo já não funciona muito bem. Teria sido melhor mostrar como era a vida da Victoria antes dela ser abandonada, apresentar a personagem, o universo dela, os desejos dela, pra daí acontecer a reviravolta e ela ir parar no mundo dos gatos "Jellicle". Do jeito que acontece, não há nenhum contraste entre o que ela era antes e o que ela será agora. É apenas mais uma gata se juntando a um grupo de gatos... Não há uma diferença fundamental entre ela e os "Jellicle". Não é como uma pessoa normal descobrindo um mundo fantástico, tipo Dorothy em O Mágico de Oz. Se Dorothy já fosse uma criatura igual às do mundo de Oz, tipo uma "mulher de lata", não haveria surpresa descobrir esse novo mundo.

- Toda a sequência da gata gordinha (Rebel Wilson) merece um lugar na lista dos piores momentos da história do cinema. Não só o CGI dela ficou ainda mais bizarro que o dos outros gatos, como a parte dos ratos e das baratas dançando é de um mau gosto indescritível.

- As músicas são fracas, e são usadas de maneira ruim - não avançam a história, não surgem em contextos adequados dramaticamente. Até porque não há história nem narrativa (literalmente!). O filme é apenas uma sequência de gatos se apresentando.

- Emoções Irracionais: um dos problemas fundamentais que tornam Cats um musical ruim, é a tentativa de criar significado através de emoções diretamente, não através de história, conteúdo. O filme não tem enredo, protagonistas, não tem personagens bem construídos, são apenas gatos aleatórios se apresentando um atrás do outro... No entanto, o filme espera que o espectador se emocione profundamente a cada cena, só porque todos os gatos indicam que agora é um momento de sentir algo... "Oh, aí vem a velha Deutoronomy!!", e de repente estão todos boquiabertos, chorando, uma música grandiosa começa a tocar, entra a Judi Dench com um olhar solene, e o filme espera que a gente ache tudo comovente e épico, sendo que até 1 minuto atrás nem sabíamos quem era essa personagem, não havia expectativa nenhuma pra esse momento. O mesmo acontece com a principal canção do musical ("Memory") que no fim é uma cena totalmente vazia, apenas uma música aleatória no meio de tantas outras, que "soa" pomposa e importante simplesmente por qualidades melódicas, não porque o momento em si é importante.

- Os vocais do filme são ruins. Provavelmente o diretor Tom Hooper usou a técnica de fazer os atores cantarem ao vivo no set, assim como ele fez em Os Miseráveis, o que acaba estragando as músicas (principalmente as mais românticas). É um compromisso desnecessário com realismo, ainda mais quando se trata de um filme sobre gatos com rostos humanos, braços e pernas. A "protagonista" Francesca Hayward foi contratada por ser bailarina, mas ela não é cantora profissional, o que dá pra perceber.

- Não há nenhum suspense ou interesse em descobrir qual será a "escolha Jellicle". O filme não tem protagonista de fato, ninguém pra gente torcer, não apresenta nenhum conflito interessante.

- O musical da Broadway pra mim nunca teve muita graça. Talvez a única coisa que explique a popularidade e longevidade da peça, é o fato dela parecer ter sido escrita em função dos atores, pra agradar profissionais do meio teatral, afinal a peça dá oportunidade pra 20 atores diferentes (magros, gordos, brancos, negros, jovens, velhos, bailarinos clássicos, sapateadores) terem sua canção solo, seu momento pra bilhar no palco. É perfeito pra audições, ou como plataforma pra atores mostrarem suas habilidades, mas pra plateia não faz o menor sentido.

- Embora o filme seja fantasioso, no fim ele é profundamente Naturalista, não só pela ausência de trama e pelo foco em caracterizações, mas também pela maneira como ele caracteriza os gatos: em vez dos gatos representarem arquétipos universais, valores morais com os quais o espectador possa se identificar, eles são apenas gatos específicos, com nomes exóticos, hábitos particulares. Quando você assiste um filme tipo A Bela e a Fera, por exemplo, você se interessa pelos personagens pois, através de suas ações, eles vão se tornando símbolos de bondade, ou maldade, ou ganância, ou independência, e com base nisso você vai passando a torcer por um, por outro, vai desejando ou temendo que algo aconteça na história. Aqui o filme fica apenas descrevendo vários personagens e suas particularidades irrelevantes que nada interessam à plateia: gato X gosta de fazer tais coisas, se veste de tal jeito, fala com tais maneirismos... gato Y tem outras peculiaridades... Isso é mais próximo do cinema Naturalista, que espera que a gente se interesse pelos personagens não com base em valores, mas porque é importante conhecer outros povos, pessoas com hábitos diferentes, dar visibilidade a outras culturas, etc.

- Quando a Judi Dench chega pra avaliar os gatos e decidir qual será o escolhido, em vez de mudar a estrutura do filme, ele apenas continua a apresentar gatos inéditos. Nem faz sentido. A gente passou 1 hora e meia vendo gatos se apresentando, mas eles não estavam se apresentando diante da Judi Dench ainda, apenas para a plateia e para os outros gatos Jellicle. A Judi Dench só chegou depois e não viu esses primeiros gatos. Então no final, não deveria acontecer uma apresentação / resumo de todos eles pra ela poder avaliar? Ela vai basear a escolha dela só nesses últimos gatos que ela pôde assistir? E todos os outros?

- É estranho o momento da Taylor Swift... Pra que toda essa entrada triunfal, sendo que no fim a música é sobre o Macavity, e ela seria apenas uma assistente introduzindo ele? Não faz sentido ela roubar a cena dessa forma, sendo uma personagem tão secundária (claro, pra uma atriz de musical principiante que quer ter seu momento no palco deve fazer muito sentido ter essa cena).

- Péssimo esse final com teletransporte, o mágico amador tendo que se provar pra resgatar a Judi Dench daquele bote... Deve ser um dos artifícios de trama mais aleatórios já escritos.

- Péssima a performance final de "Memory", que supostamente seria o momento mais bonito do filme. Os vocais são cheios de defeitinhos e toques realistas (deixados de propósito), sem falar na expressão feia da Jennifer Hudson, no ranho escorrendo do nariz o filme inteiro. É a noção de que o que é visceral e imperfeito é mais "belo". E por que ela é a escolhida no final? Não há nada de especial nela em comparação com os outros gatos... A única "virtude" dela é ela se parecer com uma mendiga, aparentar ser a mais sofrida... E segundo as regras do altruísmo, quem sofre mais merece todas as honras, mesmo que não tenha qualidades positivas.

- Judi Dench é uma grande atriz, mas está sofrendo aqui pra cantar. Toda essa sequência após a escolha do gato parece arrastada e anticlimática.

Cats (Reino Unido, EUA / 2019 / Tom Hooper)

NOTA: 1.0

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Star Wars: A Ascensão Skywalker

Bem melhor que o subversivo Os Últimos Jedi, e achei melhor até que O Despertar da Força. Mas nada ainda que eu consiga admirar em comparação com os clássicos. Deve existir tanta pressão numa produção como essa, tanto dinheiro envolvido, tantos executivos e fãs pra agradar, que realmente não sobra muito espaço pra inovação, surpresa, riscos... Embora J.J. Abrams faça um bom trabalho e a produção seja riquíssima (que privilégio é ver um filme com trilha do John Williams, production design do Rick Carter) em termos de conteúdo acaba sendo um filme sem personalidade, que joga no seguro, busca apenas agradar os fãs trazendo os elementos familiares da saga pra sentirmos que estamos de volta ao mundo de Star Wars - aquela sensação que temos ao visitar uma atração da Disney (e isso ele faz muito bem), mas fora do contexto da nostalgia, do fan service, não há um filme memorável, um roteiro bem escrito, grandes ideias... Pelo menos em termos de valores o filme me pareceu bem intencionado (o tom é mais leve, mais parecido com o dos clássicos - C-3PO em particular tem uns momentos ótimos) o que sugere que o Episódio 8 foi apenas uma aberração (culpa provavalmente de Rian Johnson) e não parte de um plano maléfico da Disney de corromper o espírito da saga.

Star Wars: A Ascensão Skywalker / EUA / 2019 / J.J. Abrams

NOTA: 7.0

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Outros filmes vistos - Novembro 2019

A Vida Invisível (2019) - 1.0

Um Dia de Chuva em Nova York (2019) - 6.0

Ford vs Ferrari (2019) - 8.0

Campo do Medo (2019) - 4.0

Brinquedo Assassino (2019) - 4.5

domingo, 17 de novembro de 2019

O Irlandês

Não sou exatamente fã do gênero, principalmente pela falta de trama desse tipo de história - esses filmes costumam ser mais uma coleção de crônicas sobre a máfia (altamente dependentes de diálogos) o que os tornam meio arrastados em termos de narrativa... Mas também pelo foco em personagens maus - não fica claro o que o espectador deve extrair de positivo disso tudo, por que ele deveria se importar por essas pessoas. É preciso ter um certo fascínio por criminosos pra realmente aproveitar essas sagas. Dito isso, o filme é lindamente executado, riquíssimo em diálogos, atuações, técnica cinematográfica.. o uso de tecnologia pra rejuvenescer os atores faz a gente sentir que está vendo um clássico perdido dos anos 70/80... então pra quem é cinéfilo e curte coisas como GoodFellas, O Poderoso Chefão, é um prato cheio.

The Irishman / EUA / 2019 / Martin Scorsese

NOTA: 7.0

Doutor Sono

Sobre o novo Exterminador do Futuro, comparei o filme a uma performance de karaokê mal feita. Doutor Sono seria algo melhor: uma performance de American Idol super produzida, tecnicamente brilhante, até artística, mas que ainda assim não deixa de ser uma imitação que depende totalmente do brilho da criação original (pra quem não sabe Doutor Sono é uma sequência de O Iluminado). Os cenários e a fotografia são dignos de Oscar, talvez a reprodução mais fiel e detalhista do universo de outro filme que já vi (só isso já vale o ingresso pros cinéfilos). O problema está mais na história, nos personagens, que não têm o mesmo apelo e simplicidade que tinham no filme do Kubrick (não curti muito os vampiros de olhos brilhantes, também acho que alguns trechos do roteiro ficaram mal desenvolvidos como a parte com os idosos que explica o título, etc). Mas não deixa de ser um experimento interessante que vale a pena conferir.

Doctor Sleep / EUA, Reino Unido / 2019 / Mike Flanagan

NOTA: 6.0

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio

Quarta tentativa fracassada de dar continuidade aos clássicos de James Cameron (pra mim só os 2 primeiros deviam existir, os que foram de fato dirigidos por ele). Ilustra bem o que disse no post de ontem (Instagram: @amaralcaio) sobre a falta de imaginação em Hollywood. O filme tenta seguir à risca a estrutura dos antigos, chegando a imitar várias cenas e até movimentos de câmera, mas acaba sendo tão triste e sem alma quanto uma performance de karaokê mal feita. É divertido ver Linda Hamilton de volta ao papel de Sarah Connor depois de tanto tempo, mas as performances são tão mal dirigidas que nem isso conseguiu salvar.






Terminator: Dark Fate (EUA, Espanha, Hungria / 2019 / Tim Miller)

NOTA: 4.0

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Outros filmes vistos - Outubro 2019

Projeto Gemini (2019) - 6.0

Malévola: Dona do Mal (2019) - 4.0

El Camino: A Breaking Bad Film (2019) - 5.0

Morto Não Fala (2019) - 4.0

Predadores Assassinos (2019) - 1.0

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Coringa

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- A performance do Joaquin Phoenix é forte porém um pouco forçada já desde o início. O filme mal começa e ele já está rindo loucamente, chorando, fazendo caretas bizarras, sendo que ainda não temos nenhuma informação sobre o personagem, não sabemos quem ele é, por que ele é assim. A atuação deveria servir à história em primeiro lugar, se não corre o risco de virar exibicionismo (o fato dele já parecer insano e ameaçador desde a primeira imagem também enfraquece o arco do personagem, pois não há uma diferença tão grande entre o que ele é no começo e o que ele se torna no final).

- O personagem não parece ter nada a ver com o Coringa do Batman. É como se fosse um remake de Taxi Driver (sem muita autenticidade) onde simplesmente trocaram algumas páginas do roteiro, mudaram a profissão do protagonista pra palhaço e chamaram a cidade de Gotham.

- Pseudo-sofisticação: o filme acha que é mais artístico e profundo (que um filme tradicional do gênero) por ser Anti-Idealista. Em vez de um verdadeiro entretenimento, agora a franquia está flertando com o cinema Naturalista, transformou o Coringa num americano comum, pobre, que cuida da mãe idosa (não é mais um super-vilão - no Naturalismo nada pode ser "super"), quer discutir questões sociais, problemas psicológicos, fazer um estudo de personagem intimista em vez de criar um grande espetáculo (mais ou menos como Logan fez pra conseguir respeito da crítica). Sem falar na ênfase na feiúra do Joaquin Phoenix (quando um ator abre mão do ego e se mostra horrível em cena, é garantia de prêmios).

- Alerta Vermelho: o filme é anti-americano, anti-ricos... É como se a "América malvada" fosse a culpada pelos problemas do Coringa (e de todos os americanos "excluídos pela sociedade") por não ter lhe dado o sonho prometido. O Coringa se tornou a vítima, e os Wayne (ou seja, o Batman) é o grande vilão por representar os ricos. Há uma completa inversão de valores.

- O filme se torna moralmente condenável por querer justificar a maldade do Coringa e pedir pro espectador ter empatia por ele, torcer por ele. É possível criar um vilão forte, carismático, como Hannibal Lecter por exemplo, mas sem pedir que o espectador tenha pena, o veja como vítima.

- O Coringa não tem o menor talento, a menor vocação pra ser comediante, e o culpado no fim não é ele, mas o capitalismo, o “sistema” - como se a América tivesse o dever de realizar os sonhos irracionais de todos os cidadãos (talvez o filme seja tão popular pois é muito mais agradável culpar o sistema por suas frustrações do que assumir responsabilidade).

- A capa do jornal diz "MATEM OS RICOS - Um novo movimento?" - parece até um comentário sobre o cinema de 2019, considerando que vários dos filmes mais aclamados do ano como Parasita, Bacurau, são justamente sobre matar os ricos.

- Não há uma boa trama, um bom enredo de fato. Em termos de narrativa o filme é apenas uma série de coisas ruins acontecendo ao Coringa pra mostrar como a vida é cruel com ele. O máximo de interesse narrativo que isso gera é o senso de que no final ele irá explodir e sair matando todo mundo. Mas isso só será um clímax satisfatório pro espectador que estiver torcendo pelo Coringa, simpatizando pelas queixas do personagem. Para os outros, não há algo de muito positivo a ser aguardado.

- A direção tenta glamourizar o Coringa, torná-lo cool... Não há problemas em tornar um vilão cool no contexto de um filme que claramente o condena moralmente (tipo Darth Vader, Alien, etc), onde o foco é o herói, os personagens "do bem", e o vilão é apenas algo ameaçador a ser derrotado. Mas aqui todo o foco é no mal. Não temos um herói pra nos apoiarmos, pra servir de contraponto. SPOILER: No final o Coringa termina em cima do carro sendo aplaudido, aclamado pela população, vitorioso, rindo ao som de uma música alegre. O filme acaba cultuando a violência, é feito pra "empoderar" o espectador revoltado, que também se sente um dos excluídos e deseja vingança.

Joker (Canadá, EUA / 2019 / Todd Phillips)

NOTA: 4.0

sábado, 28 de setembro de 2019

Outros filmes vistos - Setembro 2019

Ad Astra - Rumo às Estrelas (2019) - 5.0

Rambo: Até o Fim (2019) - 6.0

Os Jovens Baumann (2019) - 1.0

Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019) - 6.5

O Menino que Descobriu o Vento (2019) - 7.0

Yesterday (2019) - 6.0

domingo, 8 de setembro de 2019

It: Capítulo Dois

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)
ANOTAÇÕES:

- O filme começa muito bem: a produção é ótima, a primeira aparição do palhaço após o ataque homofóbico é bem sinistra, a apresentação dos personagens adultos é interessante (os atores são bons e há umas transições visuais bem legais entre as cenas), o filme vai construindo tensão conforme os personagens vão recebendo as ligações de Derry, etc.

- Logo em que todos se reunem (a cena estranha dos biscoitos da sorte) o filme já começa a apresentar alguns problemas de tom. O humor na cena em que o garotinho reconhece o comediante no restaurante é bem inadequado (todos ainda deveriam estar choque após o que viram).

- Meio nada a ver essa história de usar alucinógenos e rituais tribais pra derrotar o palhaço. Não fica clara qual a conexão entre uma coisa e outra.

- Meio bobo eles terem que encontrar artefatos do passado pro ritual funcionar. Parece uma regra aleatória criada só pra encher linguiça até o confronto final (o filme agora vai ficar mostrando personagem por personagem indo atrás dos artefatos, vai mostrar dezenas de flashbacks, etc). Todo o segundo ato do filme acaba sendo meio arrastado, monótono, sem grandes evoluções na história.

- Desnecessária a cena da estátua do lenhador. Essas sequências de terror em flashbacks parecem gratuitas, não acrescentam muito em conteúdo e nem ajudam a avançar a história (e não criam tensão afinal são apenas lembranças, os personagens não estão de fato em perigo).

- Mais problemas de tom: em vez de assustadora, a velhinha acaba parecendo cômica na cena em que a Beverly vai até a antiga casa dela. As cenas de terror do filme em geral parecem forçadas, apelam demais pra artificialidades, pra efeitos, caretas, como se a cada cena o filme precisasse mostrar uma técnica nova e esquisita pra assustar, esquecendo que em geral a simplicidade e a sugestão impactam mais.

- Idealismo Corrompido: Assim como no primeiro, o uso de humor é destrutivo e compromete muitas das cenas (por exemplo, tocar "Angel of the Morning" enquanto o monstro vomita na cara do Eddie, ou depois quando um deles leva uma facada na bochecha e depois ainda fica fazendo piadinhas sobre o cabelo do outro).

- Não dá pra entender direito como eles pretendem derrotar o palhaço (começa com a noção de "lutar com luz", depois muda tudo e a estratégia passa a ser diminuir o palhaço de tamanho passando pelo túnel - e depois tudo muda de novo). O filme não está de fato tentando entreter, fazer o espectador se envolver no confronto, suspender a descrença, acreditar no vilão - tudo é pra ser visto de maneira simbólica - o foco todo está na mensagem de autoajuda, na metáfora dos "losers" lidando com seus traumas e inseguranças (representados pelo palhaço), então pouco importa pro cineasta se a situação na tela convence. Em vez de um confronto empolgante entre bem e mal, o filme acaba sendo mais sobre confortar os losers, celebrar os losers, discutir dramas pessoais, etc.

- SPOILER: Totalmente subjetivista a maneira como eles derrotam o vilão. Não é uma mensagem de fato inspiradora ou útil. Em vez de ensinar que pra superar inseguranças você tem que desenvolver sua autoestima, se tornar mais forte, que pra atingir um objetivo é necessário usar a razão, ser competente, o filme sugere que basta atacar o bully na mesma moeda - insultá-lo de volta e fazê-lo se sentir pequeno através de joguinhos emocionais.

- SPOILER: A frase final é bem emblemática: "Não se esqueçam, nós somos losers e sempre seremos" (dita em tom de orgulho). O filme reflete bem as tendências anti-virtude, anti-individualismo da cultura atual - a ênfase é toda no grupo, no trabalho em equipe, nas fragilidades do ser humano, etc.

It Chapter Two (Canadá, EUA / 2019 / Andy Muschietti)

NOTA: 5.0

domingo, 1 de setembro de 2019

Parasita

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- Como o filme foi o grande vencedor de Cannes, já imagino que a história será em grande parte Naturalista e motivada por uma ideologia de esquerda, mas pelo menos no começo, o filme tem elementos narrativos o bastante pra prender o espectador "normal": o ritmo é estimulante, a direção guia a atenção da plateia a todo momento, se comunica objetivamente, os personagens apesar de não serem admiráveis são divertidos pois são mostrados sob uma lente de humor (é pra rirmos deles e não sentirmos pena), a situação é envolvente pois o protagonista está mentindo no trabalho, o que gera certo suspense (a história é sobre uma situação incomum, tem um gancho narrativo, não é um retrato social monótono como de costume, etc).

- Em geral nesse tipo de filme os ricos são os vilões e os empregados são retratados como vítimas. Aqui o filme surpreende, pois deixa claro que o que os empregados estão fazendo é imoral. Ele também não vilaniza os patrões só por serem ricos. O grande problema é que o filme trata as atitudes dos empregados de maneira leve, como se fosse algo cômico, uma desonestidade perdoável, quando na verdade é algo odioso.

- A situação é um pouco artificial. Se os empregados fossem tão competentes assim a ponto de trabalharem pra uma família de padrão elevado e impressioná-los com seus serviços, será que eles seriam tão pobres de fato? Será que teriam que apelar pra algo tão desonesto e radical pra conseguirem trabalhar? Não conseguiriam um emprego honestamente? E se os ricos fossem tão ingênuos assim, sem o menor senso de julgamento, será que eles seriam ricos?

- O roteiro é criativo, bem escrito. A maneira como eles vão conseguindo se livrar dos antigos empregados é muito imaginativa (e revoltante). Ou pequenos toques como o filho estranhar que todos têm o mesmo cheiro (e colocar a mentira em risco).

- Vai ficando cada vez mais incômodo o fato do filme não condenar as atitudes dos empregados (a maldade que eles fazem com os outros funcionários, eles usufruindo da casa enquanto os patrões viajam, etc). O filme não responsabiliza totalmente os personagens pois parece acreditar que isso tudo é culpa do "sistema", da "desigualdade", e portanto eles não são pessoas tão condenáveis assim - a noção de que o pobre não tem opção a não ser agir imoralmente numa sociedade capitalista (a mãe sugere isso quando diz que, se fosse rica, ela seria uma boa pessoa também, assim como a patroa).

- SPOILER: Divertida a reviravolta envolvendo a antiga empregada e o marido dela no subsolo. E também os patrões resolverem voltar mais cedo de viagem. A situação vai ficando cada vez mais tensa e absurda.

- É genial a maneira como o filme cria a metáfora dos pobres como "parasitas". Claro que o filme não acredita que eles sejam parasitas de fato (é mais provável o diretor acreditar que os ricos é que são os parasitas), mas a narrativa sugere que os pobres se tornam parasitas ou acabam tendo que agir como parasitas na sociedade atual - se escondendo debaixo de móveis e se arrastando (literalmente) pelo chão feito baratas, ou mais tarde na cena da tempestade onde eles parecem ratos nadando em esgotos. Discordo totalmente da análise social que o filme faz, mas a maneira como ele apresenta o tema é inteligente.

- O senso de humilhação do pobre (por causa da desigualdade) também é muito bem retratado (as observações casuais do patrão sobre o cheiro do motorista, etc). Leva a discussão da desigualdade além da questão financeira, mais pra um lado pessoal.

- O filme deveria ser sobre o mal da desonestidade - nada disso teria acontecido se os protagonistas fossem honestos, minimamente decentes. Mas o filme quer fazer parecer que isso não é culpa deles totalmente, que o problema no fundo é a desigualdade. Começa a querer que a gente sinta pena deles, os veja como vítimas.

- A cena da tempestade parece não ter muita função na trama - só serve pra enfatizar como é difícil a vida do pobre, que tem que lidar com tragédias pessoais todo dia e ainda manter uma aparência civilizada no trabalho pra cuidar das futilidades dos ricos (o motorista tendo que se fantasiar de índio na festinha infantil, etc).

- SPOILER: Outra metáfora bem feita é a da pedra que simboliza a riqueza, a boa sorte, o desejo de se tornar rico - e como no final ela se torna uma arma, um instrumento para o mal. Também discordo da crítica (da ideia de que o capitalismo é um sistema perverso), mas acho válida a maneira como o filme faz uso do simbolismo.

- SPOILER: Claro que no fim isso tudo resultaria nos pobres se revoltando e assassinando os ricos (curioso que o que dispara o gatilho do pai no fim antes dele matar o patrão é o detalhe do cheiro - a desigualdade de autoestima, de valor próprio, e nem tanto econômica).

- SPOILER: Sintomático dos tempos atuais que, assim como Bacurau, este é mais um filme aclamado em Cannes que mostra uma vingança brutal dos "excluídos da sociedade" contra os ricos.

- Meio forçada essa ideia da mensagem via código morse (mas é interessante e simbólica a ideia do pai decidir viver escondido no subsolo da mansão).

CONCLUSÃO: Acho a discussão equivocada, as ideias do filme totalmente falsas, imorais - mas a maneira como ele desenvolve o tema é inteligente e rica cinematograficamente.

(Parasite / Coreia do Sul / 2019 / Bong Joon Ho)

NOTA: 7.5

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Outros filmes vistos - Agosto 2019

Brightburn - Filho das Trevas (2019) - 7.0

Era Uma Vez em... Hollywood (2019) - 4.5

Amanda (2018) - 4.0

Megarrromântico (2019) - 6.0

Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (2019) - 5.5

Casal Improvável (2019) - 5.0

Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw (2019) - 4.0

domingo, 25 de agosto de 2019

Bacurau

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- Há vários elementos surreais ou incompreensíveis (por exemplo o filme começar com imagens do espaço, a água saindo do caixão, a droga que as pessoas colocam na língua, etc). São aqueles toques de Subjetivismo usados pra dar um ar de "autoral" pro filme (o espectador comum costuma dar mais mérito artístico pra uma obra quando ele sente que não está entendendo direito) mas que no fim não significam nada.

- Não há protagonistas, personagens atraentes. O filme parte do princípio do Naturalismo de que a função da arte é dar visibilidade aos mais fracos, ao comum, ao não-excepcional: celebra a idosa negra e pobre da comunidade, a cidadezinha do interior que mal existe no mapa, o Nordeste "esquecido", etc. O protagonista no fim é a cidade de Bacurau como um todo (refletindo os valores coletivistas da obra).


- Depois de 1 hora sem muito rumo, o filme começa a apresentar os vilões (os americanos e os "brasileiros do Sul") e a deixar mais claro seu objetivo, que no fim é demonizar os ricos, os capitalistas, os poderosos estupradores e assassinos que querem acabar com Bacurau sem razão alguma (Alerta Vermelho). O filme nem se esforça pra dar uma motivação plausível para os vilões. São caricaturas exageradas e artificiais que agem por pura loucura e maldade, e que estão na história apenas como um boneco de Judas pra estimular a ira do espectador e provocar um desejo de vingança.

- SPOILER: Desse ponto em diante, é apenas aguardar Bacurau mostrar seus dentes e os moradores se vingarem dos assassinos, provando que eles são ainda mais selvagens e violentos que os próprios "opressores" (o filme acaba soando como um alerta da esquerda para o mundo: "não mexam com a gente pois vocês não sabem do que somos capazes!").

- O filme faz referências a certos gêneros cinematográficos (horror, ficção-científica, western) mas no fim ele não é nada disso (não está de fato interessado em narrativa, escapismo), é apenas uma manifestação política disfarçada de filme - feita pela esquerda, para a esquerda, bem realizada em alguns aspectos, mas que não diz nada de construtivo, não busca explicar nada, ensinar nada, convencer ninguém de nada, serve apenas como um descarrego de ódio para a plateia.

Bacurau (Brasil / 2019 / Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho)

NOTA: 3.0

terça-feira, 30 de julho de 2019

Outros filmes vistos - Julho 2019

Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal (2019) - 7.0

Velvet Buzzsaw (2019) - 4.0

Escape Room (2019) - 3.0

Em Trânsito (2018) - 4.0

Fora de Série (2019) - 7.0

Estrada Sem Lei (2019) - 5.0

Divino Amor (2019) - 2.0

Vox Lux: O Preço da Fama (2018) - 4.0


sexta-feira, 26 de julho de 2019

O que é Idealismo

(Capítulo 2 do livro Idealismo: Os Princípios Esquecidos do Cinema Americano)

Alfred Hitchcock, sem saber, fez um ótimo resumo do que é o Idealismo quando disse: “Para mim, o cinema não é uma fatia da vida, mas uma fatia de bolo”.

Como escritor, me sinto naturalmente no dever de buscar a definição mais econômica e eficiente para um novo conceito — uma frase simples que tenha a elegância de uma fórmula matemática. Mas quando estamos falando de algo tão complexo como arte — e um estilo específico de arte que está associado a inúmeras premissas filosóficas —, um pouco mais que uma frase é necessário.

Primeiramente, Idealismo é o tipo de arte que parte do princípio de que o propósito da vida é a felicidade e o seu próprio aproveitamento. É uma arte focada em proporcionar uma experiência prazerosa e inspiradora ao espectador, baseada na visão original de um artista que, fazendo o melhor uso de suas virtudes e talentos, cria essa experiência de acordo com seus próprios valores e interesses (com base naquilo que ele gostaria de vivenciar enquanto espectador).

Por se tratar de arte, a obra deve ser a expressão autêntica da visão criativa de um artista (ou às vezes de uma colaboração entre artistas), mas, para ser Idealista, ela deve ser criada com o intuito de proporcionar essa experiência inspiradora e prazerosa ao espectador — levá-lo às emoções e aos estados de consciência mais elevados e interessantes possíveis dentro do contexto de cada obra (como ela fará isso é algo que discutirei em capítulos futuros, o importante aqui é apenas entender a intenção inicial do artista, qual é sua visão sobre o propósito da arte e seu valor para o ser humano).

O Idealismo defende que há muito que podemos experimentar na vida enquanto seres conscientes além daquilo que encontramos naturalmente no nosso dia a dia — e o artista Idealista é aquele que, através de sua imaginação, enxerga essas possibilidades e as materializa numa obra para o deleite do espectador. O Idealismo busca inspiração, motivação, prazer, mostrando o quão extraordinária e interessante a vida pode ser.

Quanto mais a obra for um produto enlatado e inautêntico visando apenas lucrar e agradar ao público, menos artística ela será, e com isso sua capacidade de inspirar será limitada. Em muitos casos, obras que não são autorais ainda podem divertir e ter boas qualidades artísticas. Mas as melhores delas geralmente estão seguindo a visão de um produtor talentoso, alguém num cargo mais alto na hierarquia de produção, que acaba sendo o principal visionário por trás da obra — como no caso de filmes da era do sistema de estúdios de Hollywood. Sim, Casablanca (1942) será sempre fantástico e está alinhado com princípios Idealistas, mesmo não sendo considerado um filme autoral. Meu argumento é que, caso ele estivesse associado à expressão autêntica de um artista particular, ele poderia ter um poder ainda maior de impactar o espectador, pois realizações individuais sempre nos inspiram mais do que realizações coletivas sem um rosto específico por trás delas.

OS 2 TIPOS DE ESPECTADORES

Na plateia, existem duas espécies distintas de espectadores que precisam ser diferenciadas para os propósitos deste livro: aqueles que enxergam a arte como uma fonte de inspiração (que se sentem estimulados diante da projeção de valores positivos; diante de beleza, virtude, felicidade — diante da visão do ideal) e aqueles que buscam na arte primeiramente um conforto, um remédio contra as frustrações da vida, e que se sentem desmotivados pela visão do ideal. O Idealismo tem o primeiro grupo como seu público-alvo.

O espectador Idealista não é necessariamente bom caráter, nem necessariamente mais feliz e virtuoso em sua vida real. O Idealismo reflete os ideais de uma pessoa, sua visão de mundo, daquilo que ela acha ser a verdadeira essência da vida e do ser humano. Uma pessoa pode ter uma série de defeitos e problemas pessoais, mas se ela ainda preservar essa visão positiva do que a vida poderia ser, ela continuará tendo gosto pelo Idealismo. Então, embora eu possa insinuar que os Idealistas têm uma visão de mundo superior, não estou dizendo que os considero automaticamente pessoas melhores, ou que preferências artísticas são uma prova definitiva de caráter.

IDEALISMO EM RELAÇÃO A QUÊ?

Reparem que existem duas formas pelas quais uma obra pode ser Idealista. Ela pode ser Idealista apenas no conteúdo (uma positividade geral transmitida pela história, pelo tema, pelos personagens), mas o mais importante não é esse tipo de Idealismo, afinal uma obra pode ter uma visão positiva de mundo, passar uma mensagem otimista, mas ainda assim ser uma experiência tediosa para o espectador.

Embora o conteúdo seja relevante, o mais importante é o Idealismo em relação à experiência que a obra pretende proporcionar ao espectador — quanto ao nível de prazer/satisfação/exaltação que o artista consegue estimular com suas técnicas. É por isso que uma obra pode ser Idealista mesmo tendo um conteúdo sombrio. O que mais importa no fim não é tanto a mensagem explícita, e sim como isso é apresentado, que estados de consciência a obra consegue gerar no espectador. É claro que obras com temas deprimentes e seres humanos decadentes dificilmente conseguem inspirar tanto quanto obras focadas em valores positivos, em heróis, conquistas — essas são as mais puramente Idealistas —, mas, dentro de certos limites, obras menos otimistas também podem ser consideradas Idealistas.

Por isso costumo separar os Idealistas em dois grupos: os Idealistas puros, aqueles que focam os positivos da vida, e os Idealistas críticos, aqueles que mostram situações negativas, personagens corruptos, mas num tom de crítica e condenação. O primeiro tipo está num degrau acima e é o mais perfeitamente Idealista, tendo como um de seus melhores representantes no cinema Steven Spielberg (especialmente em suas duas primeiras décadas de carreira). O segundo tipo ainda é Idealista, e é bem representado no cinema por Stanley Kubrick. Embora esse tipo de artista mostre personagens moralmente decadentes, situações indesejáveis, ainda existe um senso de que seus valores de referência são os mesmos dos Idealistas “puros” — é deste ângulo que a crítica aos personagens está sendo feita. Eles ainda passam uma mensagem de que o homem deveria ser virtuoso, que a vida poderia ser positiva, só que em vez de mostrarem a felicidade sendo conquistada, eles preferem alertar o espectador mostrando o que ocorre quando o ser humano não age racionalmente, quando ele não é virtuoso. O primeiro tipo celebra o positivo, e o segundo condena o negativo, mas ambos podem ter resultados positivos, assim como na matemática temos resultados positivos quando multiplicamos dois números com os mesmos sinais, mesmo quando se trata de dois sinais negativos.

Por valorizar tanto expressão individual, talento, autenticidade, quanto a experiência e o prazer do espectador, o Idealismo representa a união ideal entre arte e entretenimento, e é o caminho natural tanto para artistas com uma inclinação mais autoral, mas que desejam também agradar ao público, quanto para artistas mais inclinados ao entretenimento, mas que desejam também trazer autenticidade e qualidade artística a suas produções (quando as duas intenções não estão naturalmente equilibradas).

O Idealismo é baseado em princípios amplos que podem ser aplicados a todas as formas de arte. Algumas artes, no entanto, são mais expressivas e mais poderosas que outras quando se trata de Idealismo. A escultura, por exemplo, embora possa exigir grandes habilidades do artista e possa projetar valores positivos, não tem tanta capacidade de proporcionar uma “experiência ideal” ao espectador quanto o cinema. Nesse sentido, as artes que envolvem uma experiência temporal definida (música, teatro, filmes etc.) têm uma grande vantagem sobre as artes estáticas, pois permitem um controle muito maior do artista sobre a experiência do público. Além disso, as artes que unem elementos narrativos (que comunicam conteúdo verbal, explícito, estimulam o intelecto) a elementos sensoriais (que estimulam nossos sentidos, principalmente a visão e a audição) apresentam mais possibilidades e podem criar experiências mais intensas do que as artes que são apenas verbais/intelectuais (como a literatura) ou apenas sensoriais (como a música instrumental), pois recriam a realidade de uma maneira mais completa e fazem um uso mais pleno e integrado de nossas capacidades mentais (por isso o cinema é uma das artes mais expressivas e equipadas para os fins do Idealismo, especialmente quando aliado ao poder da música).

O Idealismo pode ser visto antes de mais nada como uma atitude, um desejo básico de inspirar, dar prazer e encantar que orienta as decisões de um artista, e que pode ser observado não só nas artes mas também em outras criações que incluem elementos artísticos. Alguém como Walt Disney, por exemplo, ao construir suas atrações e parques temáticos, estava representando muito melhor o Idealismo (e na minha opinião criando uma arte altamente sofisticada) do que um cineasta ou um escritor comprometido com o Naturalismo.

OBJEÇÕES

Uma das objeções mais comuns ao Idealismo é que esse tipo de arte pode criar expectativas muito altas com relação à vida, e com isso causar frustrações e danos psicológicos no espectador. Esse tipo de crítica costuma vir de pessoas que têm uma visão equivocada da função da arte em nossas vidas. A função da arte não é primeiramente a de nos mostrar como devemos viver no dia a dia. Ela não deve ser encarada como um guia prático. A mente humana tem potencial para atingir níveis incrivelmente elevados de prazer e satisfação, e um dos grandes atrativos da arte é sua capacidade de nos levar a esses estados, raramente disponíveis sem o seu auxílio. Traçando um paralelo, o sexo pode proporcionar prazeres físicos que são inatingíveis no resto de nossas rotinas, e ainda assim é algo visto como importante e saudável pela maioria das pessoas. Ninguém faz sexo (acho eu) limitando suas possibilidades de prazer, por achar que uma experiência prazerosa demais prejudicaria o resto de sua vida, tornaria o resto dos dias frustrantes e insatisfatórios. Arte é o sexo da mente, um momento de celebração, uma experiência que tem um fim em si mesmo (o encontro do prazer do artista, de se expressar e criar uma determinada experiência, com o prazer do espectador de receber e vivenciar essa experiência). Arte não deve ser uma simulação equilibrada dos estados de consciência que são apropriados à vida cotidiana, da mesma forma que Hitchcock não diria que você deveria comer bolo no café da manhã, no almoço e no jantar.

Mesmo que a arte possa servir de referência e possa criar certas expectativas em relação à vida real, o espectador não precisa que ela seja realista e didática para se sentir inspirado e extrair alguma mensagem útil dela. Com a exceção talvez de crianças muito pequenas, todo mundo sabe que arte não é vida real e não deve ser interpretada dessa forma; que na arte as coisas são mostradas de maneira exagerada, estilizada, e que o que tiramos dela é apenas uma mensagem abstrata — não devemos levá-la ao pé da letra. Se você se sente inspirado ao ver o Superman no cinema, o que você deve tirar da história é no máximo um exemplo de força, confiança, charme, integridade, que talvez possa te inspirar a melhorar seu caráter na sua vida pessoal. Mas se alguém se lamentar de não poder pegar uma capa vermelha e saltar pela janela, o problema é muito mais da pessoa do que da arte. Arte não é como religião, que afirma que o sobrenatural é real e possível. Arte é assumidamente um “faz de conta”, uma atividade cujo propósito até uma criança de quatro anos entende sem precisar de maiores explicações. Pessoas que nutrem expectativas irracionais a respeito da vida e delas próprias terão problemas psicológicos mesmo sem a “ajuda” da arte Idealista. Uma pessoa que não lida bem com suas limitações irá sofrer até pela existência de pessoas mais virtuosas que ela em seu grupo de amigos, em seu trabalho, nas redes sociais. Ela se sentirá miserável mesmo sem a referência do Superman. Já uma pessoa bem-resolvida, mesmo que não tenha grandes virtudes, poderá se divertir com heróis e até se sentir inspirada por eles sem que a experiência lhe cause qualquer dano. Não é o Idealismo que torna algumas pessoas inseguras e frustradas, e sim problemas emocionais que elas já carregam dentro de si.

Esse é apenas o começo de uma definição do que é o Idealismo. Mas ser uma criação artística focada em inspirar e dar prazer ao espectador ainda é algo muito vago, que pode ser interpretado de diversas formas. Para entender quais são os elementos essenciais do Idealismo, e de que maneiras específicas ele irá proporcionar essa experiência, teremos que entrar em mais detalhes.

sábado, 20 de julho de 2019

O Rei Leão

As imagens são lindas, a trilha continua espetacular, a história continua poderosa, mas infelizmente nem todo desenho da Disney se traduz bem para uma versão “live-action”. Não achei o filme ruim, mas o compromisso com realismo visual tirou muito da emoção da história, do encanto das sequências musicais, e matou completamente a expressividade dos personagens (que agora dependem 100% das vozes pra transmitirem qualquer emoção). Em termos de tom e valores, o filme se manteve fiel ao original (não tentou ajustar a história para o público atual, o que achei bom). O problema é que não existe quase nada de novo que demonstre talento, criatividade... Tudo o que há de bom no filme basicamente é mérito do original (uma das únicas partes originais pra mim foi a pior cena do filme - a sequência estranha do tufo de cabelo).

A polêmica em relação ao filme do Sonic, as reações divididas ao trailer de Cats que saiu esses dias, e agora ao CGI de O Rei Leão pelo menos servem pra lembrar que não basta ter a tecnologia mais avançada no mundo se você não tem artistas e contadores de história habilidosos fazendo o melhor uso dela.

The Lion King / EUA / 2019 / Jon Favreau

NOTA: 6.5

terça-feira, 9 de julho de 2019

Homem-Aranha: Longe de Casa

Apesar da Marvel supostamente ter encerrado uma era com Vingadores: Ultimato, o que vemos aqui é a velha fórmula ainda em vigor - mais um filme excessivamente familiar, sem grandes ideias, que se parece com 20 outras coisas que vimos recentemente. Na trama, Peter Parker está dividido entre salvar o mundo, ser o herói que todos esperam que ele seja (embora ele não queira mais essa responsabilidade) e curtir suas férias na Europa, perseguir seu objetivo maior que é viver um romance com MJ. Infelizmente nenhum dos 2 objetivos conseguem criar um gancho muito interessante para o espectador. MJ é uma personagem um tanto sem sal (Zendaya está bastante apagada no papel) ficando difícil de entender a fixação que Parker tem por ela. Aliás, Parker também é um personagem sem sal - um desses anti-heróis disfarçados de heróis que no fim servem mais pra celebrar o “loser em todos nós” do que pra gerar inspiração. O plano do vilão de dominar o mundo é tão nonsense que me impediu de embarcar direito na história - a ideia do filme parecia ser a de fazer uma crítica ao Trump, pois o vilão é um criador de ilusões, de "fake-news", que cria medo na população através de mentiras, monstros imaginários, e depois se apresenta como o salvador da pátria. A metáfora teria sido interessante se construída de maneira mais inteligente, mas aqui acaba prejudicando o enredo pois as ações do vilão ficam sem muito sentido - parecem criadas só pra sugerir a metáfora, não pra convencerem de fato (Se os monstros são apenas projeções holográficas feitas pro drones, a população não iria perceber o truque quando os drones fossem embora? Não acharia estranho que a água não molha, que o fogo não queima? Que as cidades não foram de fato destruídas após os ataques?). O mais dramático no fim talvez seja a cena pós-créditos, que apresenta um conflito mais forte do que os que havíamos visto ao longo do filme.

Spider-Man: Far From Home / EUA / 2019 / Jon Watts

NOTA: 5.0

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Turma da Mônica: Laços


Tinha boas expectativas por se tratar de um filme do Daniel Rezende (editor de Cidade de Deus indicado ao Oscar e diretor de Bingo - O Rei das Manhãs, pra mim uma das melhores produções nacionais), e talvez por isso tenha me decepcionado um pouco. A história é tão genérica e despretensiosa (tudo gira em torno do sumiço do cachorro Floquinho) que me pareceu mais adequada pra um episódio do gibi do que pra um longa-metragem de fato (sempre preferi filmes infantis que tratam crianças de igual pra igual, com inteligência, seriedade artística, sem medo emocionar, lidar com temas importantes - em vez de tratá-las como casuais e bobinhas). Acho sempre problemático também quando o Brasil se propõe a fazer filmes mais escapistas, recriar um universo fantasioso na tela. Talvez por falta de verba (e de expertise no gênero), a produção acabe parecendo meio pobre em termos de direção de arte, design de produção, efeitos especiais, quando comparada às produções americanas com as quais estamos acostumados. Giulia Benitte está ótima como a Mônica, mas nem todo o elenco funciona tão bem (Rodrigo Santoro como o Louco me pareceu uma escolha bem equivocada). O filme é bem intencionado e mais bem feito do que se poderia esperar pra um live action da Turma da Mônica, mas infelizmente não chega a cumprir o potencial que tinha de se tornar a nova referência nacional do gênero.

Turma da Mônica: Laços (Brasil / 2019 / Daniel Rezende)

NOTA: 5.5

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Outros filmes vistos - Junho 2019

I am Mother (2019) - 4.0

Benzinho (2018) - 3.5

Democracia em Vertigem (2019) - 3.0

Mistério no Mediterrâneo (2019) - 6.5

Dor e Glória (2019) - 6.5

Pokémon: Detetive Pikachu (2019) - 6.5

sábado, 22 de junho de 2019

Toy Story 4

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- O flashback inicial serve pra estabelecer que Bo foi doada e se separou da turma, mas toda a sequência de ação pra salvar o carrinho da enxurrada parece desnecessária, jogada ali só pro filme começar num ritmo acelerado.

- Muitas vezes os alívios cômicos acabam sendo as melhores coisas nos filmes da Pixar (sacadas divertidas como Forky ser complexado por ser feito de lixo, etc).

- A animação é excelente como de costume, mas o filme acaba parecendo uma continuação desnecessária, redundante, pois volta a falar de abandono, temas já explorados em episódios anteriores. Sem falar que a trama é não é das mais envolventes: a garotinha Bonnie apenas corre o risco de perder um garfo descartável que ela gosta de brincar, e Woody cria toda uma mobilização pra evitar que o garfo se perca - mas não é algo que pareça sério o suficiente pra prender a plateia. Falta um conflito mais dramático.

- Woody é um protagonista meio desinteressante pois é daqueles heróis altruístas cuja missão na história é apenas servir, ajudar os outros a conseguirem o que querem, mas que nunca busca um objetivo pessoal, atraente, com o qual a gente possa se identificar (no começo do filme, fica claro que o desejo real dele é ser importante pra Bonnie, ser amado por ela como ele era amado pelo Andy - com isso a gente até poderia se identificar, o problema é que daí ele percebe que Bonnie gosta mais do garfinho descartável, e então ele passa a fazer de tudo pra que Bonnie e o garfinho fiquem juntos, ignorando suas necessidades pessoais).

- O roteiro é cheio de desvios e sub-tramas desnecessárias, pouco interessantes. Por exemplo Buzz indo atrás de Woody e ficando preso no parque de diversões, ou a missão dos brinquedos de roubar a chave da velhinha pra abrir o armário (várias piadas em cima disso), sendo que não fica claro que o armário está trancado (o boneco de ventríloquo entra e sai de lá pra falar com Gabby Gabby sem parecer usar chave). Daí tem o motoqueiro que precisa fazer o salto pra chegar no armário (criam todo um "arco" pro motoqueiro, vemos flashbacks, ficamos sabendo de seus traumas pessoais) sendo que parece um personagem desnecessário - não parece tão difícil assim subir num armário, ainda mais pra brinquedos que estão o tempo todo saltando de carros, voando pelos ares, etc. SPOILER: No fim tudo ainda dá errado, Forky continua preso no antiquário, e nada disso serviu pra qualquer coisa.

- SPOILER: O filme romantiza tanto o auto-sacrifício que faz Woody praticamente doar um rim (sua caixinha de voz) pra resgatar Forky. E como se isso não bastasse, depois que eles já estão livres, Woody resolve voltar e arriscar tudo de novo só pra ajudar Gabby Gabby, a vilã do filme!

- A sequência de ação final é meio fraca (inventam que é necessário dar um salto épico da roda-gigante pra chegar a tempo no carrossel, o que não parece ter lógica). Isso é como a ação inicial pra salvar o carrinho da enxurrada - o roteirista deve ter lido em algum lugar que é necessário começar um filme com uma cena de ação, terminar com uma ainda mais intensa, e daí inventa qualquer desculpa pra enfiar essas cenas, mesmo que a trama não justifique.

- SPOILER: O final é um festival de abnegação, auto-sacrifício (e oportunidades pra mensagens progressistas sutis). Gabby Gabby, que era a vilã, agora parece ser boazinha pois abandonou seu "sonho americano" (que o filme caracteriza como algo retrógrado, artificial, nocivo - a boneca perfeitinha que serve chá, etc) e ao mesmo tempo passou a ser "socialmente consciente", se doando pra uma garotinha necessitada de família inter-racial. Woody também abre mão de sua estrela de xerife e a entrega para Jessie (assim como o Capitão América e o Thor se aposentaram e entregaram suas armas para representantes de "minorias" no final de Vingadores: Ultimato). Pior de tudo é a ideia de Woody abandonar tudo aquilo que sempre valorizou, seus amigos, sua "criança", pra ficar com uma personagem como a Bo, com quem ele não tem real afinidade (os dois têm valores incompatíveis, tiveram atrito ao longo do filme todo). Em nenhum momento ele pareceu ter romance como seu grande objetivo, ou valorizar Bo mais do que ele valoriza sua vida com uma criança. Toda a proposta de Toy Story costumava ser romantizar a relação entre criança e brinquedo, tornar essa relação algo mágico, parte essencial da infância. É muito claro que felicidade, no universo do filme, é ser querido por uma criança. E que ser abandonado, perdido, é o equivalente à morte para um brinquedo (todos os brinquedos perdidos ou sem dono no filme invejam aqueles que têm uma criança). Mas a esse ponto já está claro que, pra Pixar atual, há algo de maduro e profundo em abrir mão da felicidade, de seus sonhos - em aceitar a infelicidade, a morte (como na pavorosa cena da parte 3, onde os brinquedos dão as mãos em direção à fornalha). É o que discuto na postagem Pseudo-sofisticação. A personagem da Bo representa bem essa vertente "Anti-Idealista" do entretenimento atual. Ela é aquela que não acredita mais na felicidade; fala como se o sonho de Woody de viver com uma criança fosse uma espécie de romantismo ultrapassado, inadequado pros tempos atuais. Ela vive agora numa realidade "pós-idealista", num mundo meio Mad Max, cheia de cicatrizes, endurecida pela vida, vivendo por conta própria, excluída da sociedade - uma realidade onde a magia acabou. E é isso que o filme faz Woody escolher no fim - os amigos, a vida feliz com uma criança, essas são fantasias tolas que ele deve abandonar.

Toy Story 4 / EUA / 2019 / Josh Cooley

NOTA: 5.0

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Godzilla II: Rei dos Monstros

Tenho percebido uma demanda em Hollywood por filmes de ação que sejam ruins de propósito, de forma auto-consciente, como é o caso de Godzilla II (o filme tem tantas ideias nonsense por minuto de projeção que outra explicação me parece improvável) - filmes que lembrem as pessoas de filmes-pipoca do passado que elas curtiam quando jovens (e que na época não eram auto-conscientes), mas que se tornaram tolos demais pra serem apreciados seriamente na vida adulta (protagonistas excessivamente corajosos, atores canastrões, cenas de ação forçadas, etc). É uma pena que esses cineastas não consigam dissociar aquilo que de fato atraía o público a esses filmes (o senso de heroísmo, de aventura - ou seja, valores Idealistas) dos elementos ruins (a falta de sofisticação das produções de segunda linha). Na cabeça deles, é como se pra provocar de novo aquele tipo de sentimento fosse necessário abandonar a inteligência, o bom gosto, a seriedade, e se entregar a prazeres infantis e irresponsáveis. São pessoas cínicas no fundo, que não acreditam mais que a vida possa ser interessante como nos filmes, que não respeitam a função do escapismo, e que agora só conseguem apresentar aventuras do tipo sob um ar de deboche, dando confirmações constantes para o espectador, cena após cena, de que todo aquele espetáculo não passa de uma grande tolice e não deve ser levado a sério. Se essa era a intenção, Godzilla II não é um filme mal sucedido - mas talvez seja necessário ter se juntado ao clube dos cínicos para aproveitá-lo totalmente.

Godzilla II: Rei dos Monstros / EUA, Japão / 2019 / Michael Dougherty

NOTA: 4.0

terça-feira, 11 de junho de 2019

X-Men: Fênix Negra

Fênix Negra reforça essa tendência do cinema de querer "humanizar" os heróis, focar em suas falhas e conflitos (reparem como os super-heróis atuais estão constantemente lutando entre si, não apenas contra os vilões) a tal ponto que agora a única coisa que os diferencia de pessoas comuns são suas habilidades físicas inatas, que muitas vezes nos filmes são apresentadas mais como maldições do que como dons atraentes de fato.

Em termos de narrativa, a história é pouco empolgante e cheia de ideias estranhas, como a presença de E.T.'s que podem mudar para a forma humana, embora essa característica deles não tenha a menor necessidade para a trama - e ainda estou tentando entender como é que aquela mini-nebulosa flutuando no espaço pode ter sido confundida com uma "explosão solar" por qualquer pessoa. O filme tem bons atores e uma produção decente, porém nada disso compensa o roteiro fraco. Fênix Negra não é o pior filme da franquia X-Men como aponta o Rotten Tomatoes, mas é um capítulo genérico e não muito inspirado da série, que parece ter sido feito apenas pra aproveitar a onda atual de filmes protagonizados por super-heroínas.

Dark Phoenix / EUA / 2019 / Simon Kinberg

NOTA: 5.0

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Chernobyl

O criador da série Craig Mazin fez sua carreira escrevendo comédias não muito respeitadas como Todo Mundo em Pânico 3 e 4 e as sequências de Se Beber, Não Case - o que nos faz pensar no quanto talento é uma coisa traiçoeira, pois nem sempre ele está naquilo que achamos que mais temos vocação pra fazer, e no caso de Mazin, foi necessário ir na direção oposta do que ele fez a vida toda pra descobrir onde estava escondido seu maior potencial.

Chernobyl é a nova mini-série da HBO que mostra as consequências do acidente nuclear de Chernobyl de 1986, considerado um dos maiores desastres causados pelo homem. Atualmente está em primeiro lugar no ranking de séries mais bem avaliadas do IMDb, acima de Breaking Bad e Game of Thrones, e realmente merece a aclamação que vem recebendo - a série basicamente faz para Chernobyl o que A Lista de Schindler fez para o holocausto em 1993. É um excelente suspense que funciona bem já no nível “filme-catástrofe”, mas quando é hora de focar em substância, a série mantém o mesmo nível de excelência e apresenta cenas, personagens e diálogos tão bem escritos que faz você duvidar de que se trata de um material inédito, escrito originalmente pra TV, e não uma adaptação de um best-seller consagrado. Sem nunca se tornar partidária ou perder o foco do drama humano, Chernobyl também consegue levantar discussões políticas relevantes e, ao explorar 1 único incidente, serve como alerta tanto para os perigos do capitalismo (possíveis problemas ambientais decorrentes da produção de energia) quanto para os perigos do socialismo (a ineficiência e os males de um governo autoritário e centralizado). Muito do mérito vai também pra direção de Johan Renck (famoso diretor de comerciais e videoclipes - como Hung Up da Madonna e Blackstar de David Bowie) que soube transpor o material para a tela da melhor forma, nos fazendo sentir os assombros da contaminação radioativa sem cair pro horror explorativo.

Chernobyl (EUA, Reino Unido / mini-série HBO / 2019)

NOTA: 10

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Rocketman


Bohemian Rhapsody não tinha um grande roteiro, mas acabou sendo um bom espetáculo por conta da performance de Rami Malek e da direção habilidosa de Bryan Singer. Rocketman infelizmente é como se fosse Bohemian Rhapsody mas sem um Malek e nem um Singer pra salvar o roteiro. É tudo tão superficial, clichê e inautêntico, que na minha memória o filme provavelmente ficará armazenado não na “pasta” de memórias ligadas a Elton John (de quem eu gosto bastante), e sim na pasta de coisas como Ayrton Senna - O Musical, ou Hebe - O Musical, produções claramente oportunistas que sabem que biografias de celebridades vendem, ainda mais quando embaladas por canções conhecidas do público. Esse tipo de “musical jukebox” se tornou apenas mais um tipo de arte enlatada - uma fórmula pra atrair público fácil sem ter que usar a imaginação e nem ter que criar algo de real valor artístico.

Talvez por Elton ainda estar vivo e bem, o filme não consiga achar uma narrativa satisfatória e conclusiva pra sua vida (o foco acaba sendo a superação do vício em drogas, o que não poderia ser mais batido). As sequências musicais em geral não empolgam (as que envolvem Elton criança são ligeiramente constrangedoras, assim como o uso pobre de simbolismo - por exemplo fazer Elton John literalmente decolar como um foguete enquanto canta Rocket Man), e o filme não nos dá nem a satisfação jornalística de sentir que estamos conhecendo o verdadeiro Elton John por trás da caricatura, pois a caracterização é tão genérica que faz com que ele se pareça com 20 outros artistas da época que já vimos em outras cinebiografias. Não é um filme chato ou mal feito, mas fica um senso de que ele não faz jus a uma carreira tão impressionante quanto a de Elton John.

Rocketman (Reino Unido, EUA / 2019 / Dexter Fletcher)

NOTA: 5.0

sábado, 25 de maio de 2019

Aladdin


Acho que um remake deve sempre buscar uma execução tão boa ou melhor que a do original, e acrescentar elementos que deem novos valores à experiência, provando que existe talento fresco na produção. O que ocorre aqui é o contrário - o que há de bom é basicamente o que foi preservado do desenho de 92, e o que há de novo é ruim: a direção é ruim, a fotografia é ruim, as mudanças na história em geral são pra pior, e com a exceção de Will Smith (que está bem divertido como o Gênio) os atores parecem mal escalados, principalmente Aladdin e Jafar (é isso o que ocorre quando a sociedade não permite mais que se escale livremente os atores ideais pro papel, pois a prioridade agora é achar o ator da etnia certa, da descendência certa pra não gerar polêmica, etc). O filme acaba funcionando pois a essência da história ainda está lá, e o carisma de Smith ajuda, mas já era de se suspeitar que Guy Ritchie (ex da Madonna, que ficou conhecido por suas comédias de crime moderninhas como Snatch - Porcos e Diamantes, que não podiam estar mais distantes do espírito da Disney) não era a pessoa mais adequada pra dar vida ao “mundo ideal”.

Aladdin (EUA / 2019 / Guy Ritchie)

NOTA: 6.5

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Uma Nova Chance

Comédia romântica leve dessas sobre mulheres independentes buscando sucesso profissional e tentando equilibrar trabalho com vida amorosa - algo que parece desenterrado do início dos anos 2000, e que se fosse feito no Brasil provavelmente seria estrelado pela Ingrid Guimarães. A trama tem umas reviravoltas absurdas e o conflito central é extremamente água-com-açúcar (o grande "suspense" da história é que ninguém na empresa pode descobrir que a Jennifer Lopez mentiu no currículo), mas dentro da proposta, o filme não é dos piores - ele se sustenta numa fórmula que já funcionou milhares de vezes antes, e que continua tendo certa eficácia mesmo numa produção mais genérica. Não é o novo Uma Secretária de Futuro (1988) e nem mesmo o novo O Diabo Veste Prada (2006) mas se você não for com grandes expectativas, poderá ser um bom passatempo.

Uma Nova Chance (Second Act / EUA / 2018 / Peter Segal)

FILMES PARECIDOS: Não Sei Como Ela Consegue (2011) / Uma Manhã Gloriosa (2010) / De Pernas pro Ar (2010) / A Verdade Nua e Crua (2009) / O Diabo Veste Prada (2006)

NOTA: 5.5

segunda-feira, 20 de maio de 2019

John Wick 3: Parabellum

Até uns anos atrás era comum se dizer quando um filme era ruim, vazio, sem história, focado apenas em ação, que assisti-lo era “tão chato quanto assistir outra pessoa jogando video game”. Ironicamente, assistir outras pessoas jogando video game se tornou uma atividade altamente popular na cultura (talvez até pelo cinema comercial ter se tornado tão morno e desinteressante nas últimas décadas) então os filmes agora não têm mais problema em parecerem um game vazio em história, personagens, focado apenas em ação bruta. Pelo contrário, eles parecem estar indo cada vez mais nessa direção, justamente porque agora existe um público enorme cujo passatempo favorito se tornou assistir outras pessoas jogando video game, e que desenvolveu a capacidade incrível de passar horas e horas olhando bonecos dando tiro em outros bonecos.

O que me leva a outro elemento que me intriga em John Wick - todo esse culto à dor e à violência presente na história; fico pensando de onde vem esse prazer de ver alguém matando dezenas de pessoas anônimas, como se a visão de alguém sendo morto na tela gerasse uma satisfação automática, independente de qualquer contexto dramático ou narrativo. Essa não é uma tendência nova, claro, afinal muitos faroestes antigos (ex: Josey Wales, o Fora da Lei e outros do Clint Eastwood) mostram que sempre teve público pra esse tipo de produto.
John Wick 3 é lindamente fotografado e algumas cenas de ação são muito bem coreografadas e dirigidas (há algo de genial na cena em que John Wick usa um livro grosso e pesado pra assassinar o adversário, simbolizando o desprezo por conteúdo desse tipo cinema - livros aqui são apenas objetos ocos que servem pra dar porrada). A produção é de primeira, mas se você é do tipo que precisa de uma variedade mais rica de estímulos pra se ver preso a uma história, a experiência provavelmente será monótona e tediosa, apesar da agitação física ocorrendo na tela.

John Wick: Chapter 3 - Parabellum (EUA / 2019 / Chad Stahelski)

NOTA: 4.0



terça-feira, 14 de maio de 2019

Outros filmes vistos - Maio 2019

John Wick 3: Parabellum (2019) - 4.0

Cemitério Maldito (2019) - 5.0

Como Treinar o Seu Dragão 3 (2019) - 3.0

sábado, 27 de abril de 2019

Vingadores: Ultimato


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão - um método que adotei para passar minhas impressões de forma mais objetiva.)

ANOTAÇÕES:

- Incrível como a Brie Larson está ótima aqui como a Capitã Marvel (foi uma das minhas coisas favoritas do filme todo), enquanto no filme solo ela me pareceu mal dirigida, como se fosse a atriz errada pro papel. Deram uma outra atitude pra ela que combinou muito mais com seu perfil natural, e isso tornou a personagem mais carismática.

- SPOILER: Surpreendente eles matarem o Thanos logo no comecinho do filme. Cria uma imprevisibilidade interessante.

- Tenho certos problemas com o elemento de viagem no tempo no filme. Primeiro porque dá um senso de que nada que acontece na história é definitivo e deve ser levado a sério, afinal tanto o vilão quanto os heróis poderão usar esse recurso pra desfazer qualquer evento do filme (tira o peso dramático das mortes). Depois porque o filme tem uma atitude extremamente não-científica com o assunto: parece muito vaga e fácil a maneira como eles conseguem viabilizar a viagem no tempo, e é tudo levado num tom de piada, o que tira a seriedade da história (os testes iniciais que dão errado e um deles vira um bebê, etc). As regras da viagem no tempo também são muito confusas e mal estabelecidas. Por exemplo: por que ao viajar no tempo eles também se deslocam no espaço e vão parar em lugares dramaticamente convenientes?

- O humor do filme é legal - em geral são comentários divertidos que não diminuem a estatura dos personagens, apenas os fazem parecer inteligentes e espirituosos (o comentário sobre receber e-mails de um guaxinim, por exemplo), diferente do humor destrutivo de outros filmes da Marvel (ok, o Thor gordo talvez tenha passado um pouco do ponto).

- SPOILER: Não fica claro por que eles precisam revisitar diversas cenas dos filmes anteriores pra encontrar as pedras. É uma ideia copiada de De Volta para o Futuro (alguns momentos parecem roubados diretamente do filme, como o Tony Stark encontrando o pai, e o pai achando ele familiar, etc). Só que aqui parece um movimento forçado do roteiro só pra criar essa interação nostálgica entre os personagens do passado e os do presente (ou seja, a única ideia mais marcante do roteiro acaba sendo uma ideia copiada de um filme extremamente conhecido, e usada de maneira menos eficiente, o que reforça o que discuto na postagem A Importância de Ideias e Inspiração).

- SPOILER: Chato auto-sacrifícios ainda serem necessários mesmo eles tendo o poder de viajar no tempo. Não é muito bem explicado por que a Scarlett Johansson não pode voltar depois.

- Também não fica claro por que a luva não funciona no Hulk (ou se funcionou, o que aconteceu). O filme é cheio de crises e obstáculos que não são muito justificados; surgem de qualquer jeito apenas porque a fórmula diz que coisas devem dar errado pra gerar conflito.

- SPOILER: Na minha sessão a plateia aplaudiu quando o Capitão América usou o martelo do Thor. Eu fiquei meio perdido, pois não entendi por que agora de uma hora pra outra ele adquiriu esse poder (ou resolveu mostrá-lo, caso já o tivesse antes). É o tipo de cena que talvez faça sentido pra fã, pra quem conhece bem o universo, mas que fica fora de contexto pro espectador normal, pois não foi construída nenhuma expectativa nesse filme em específico em relação a isso.

- SPOILER: A cena em que todos os Vingadores se reunem contra o Thanos pra mim também foi um pouco insatisfatória. Óbvio que isso eventualmente iria acontecer (já é uma ideia batida), mas não entendi direito como foi que eles conseguiram ressuscitar todo mundo finalmente. Foi quando o Hulk colocou a luva? Acho chato quando um momento crucial como esse deixa margem pra dúvidas. Não consigo curtir a cena plenamente se o filme não me convenceu primeiro de que aquilo faz sentido, não se trata apenas um fan-service jogado na trama.

- SPOILER: Como o Homem de Ferro conseguiu roubar as pedras do Thanos no último momento? Por que elas funcionaram na luva dele? É outra reviravolta mal explicada. Se o herói vai realizar o ato mais importante do filme, a jogada que irá salvar o mundo, você espera que isso seja algo claro, que você realmente consiga observar a ação dele, entender qual foi a sacada que resultou na vitória, e que também seja uma ideia interessante, inesperada  - não apenas o Homem de Ferro distrair o Thanos e tomar as pedras da mão dele como se fosse uma criança roubando balas da mão da outra.

- SPOILER: Chatíssimo esse clichê mais uma vez do auto-sacrifício no final (o Homem de Ferro ter que morrer pra salvar os outros). Sempre achei que esses filmes funcionam melhor pra quem tem uma mentalidade cristã. Eu por exemplo já não vejo nada de muito admirável nesses auto-sacrifícios gratuitos nos finais dos filmes. O fato de eu ter uma mentalidade mais "científica" também me faz questionar a coerência dos poderes dos personagens, querer entender direito as regras da magia, a lógica dos eventos - já os mais místicos costumam ser bem mais permissivos em relação a essas coisas mal explicadas: enxergam tudo de forma mais simbólica, abstrata, que funciona por uma lógica alternativa, afinal é assim que eles foram acostumados a digerir os textos religiosos.

- SPOILER: Péssimo esse final do Thor e do Capitão América abdicando de seus poderes, passando o bastão para as "minorias da América" (o momento politicamente correto do filme). É mais um reflexo dos valores altruístas / coletivistas por trás desses filmes - que na verdade parecem surgir pra contrabalancear o que veio antes - a culpa gerada pelo desejo por poder, ambição, etc. Me remete ao que discuti no texto Por que não gosto de Game of Thrones. Imagino que quem deseje poder, autoestima, sucesso, mas enxergue essas coisas como coisas destrutivas, ruins, imorais, acabe se sentindo culpado e vivendo essa dualidade - querer poder e tudo mais, mas ao mesmo tempo achar que o nobre e moral no fim é abrir mão dessas coisas - se sacrificar, ser humilde, altruísta, etc. Como eu não tenho essa visão, um final como esse pra mim é apenas tedioso. Mas pra quem aceita essa dualidade, talvez pareça um ato nobre dos heróis, e a pessoa se sinta mais ética saindo do cinema. Só como ilustração, observe como Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal faz o oposto disso na cena final, e brinca com esses valores de forma sutil e inteligente, fingindo por um momento que irá tombar pro lado do auto-sacrifício, da abdicação, só pra enganar a plateia (ou seja, o filme aqui pressupõe que o espectador rejeite esses valores altruístas, e irá vibrar quando Indiana tomar o "bastão" de volta, representado pelo chapéu - mas a verdade é que muito do público atual aceita sim esses valores, admira o auto-sacrifício, rejeita expressões de autoestima, individualismo, e provavelmente não irá se deleitar como eu nessa cena, o que mostra como nossos valores morais influenciam diretamente na maneira como reagimos aos filmes).

Avengers: Endgame / EUA / 2019 / Anthony Russo, Joe Russo

NOTA: 5.5