quarta-feira, 29 de setembro de 2021

O Menino que Matou Meus Pais / A Menina que Matou os Pais

Tirando Cartas de Iwo Jima / A Conquista da Honra, não lembro de ter visto nenhum outro projeto desse tipo, onde 2 filmes são lançados contando a mesma história de 2 pontos de vista diferentes. A ideia de unir isso a uma história de "true crime" me pareceu ótima desde que li sobre a produção, e me fez pensar que o Brasil pudesse estar finalmente aprendendo a fazer cinema comercial, a pensar em premissas interessantes que atraem o público organicamente. Infelizmente a execução não é tão boa quanto a proposta — a direção, as atuações, o roteiro, tudo parece meio simplório e pobre artisticamente... O fato dos filmes não terem uma ordem específica para serem vistos, e não haver uma interpretação oficial da história, também deixa tudo um pouco subjetivo e insatisfatório em termos de narrativa (talvez eu tivesse preferido um formato como o do francês Bem Me Quer, Mal Me Quer de 2002, que é "rebobinado" na metade pra recontar a mesma história de outro ponto de vista, mas tudo ocorrendo dentro do mesmo filme). Além disso, mesmo após ver os 2 filmes, o crime ainda não fez sentido pra mim psicologicamente. Parecem 2 versões incompletas e distorcidas da história, dando a impressão que os próprios cineastas não tinham uma compreensão profunda das motivações dos assassinos, e por isso só conseguiram entregar caricaturas para o público; personagens que de uma hora pra outra se tornam maléficos e cometem um ato incompreensível, desproporcional, que não condiz com suas personalidades e com o contexto geral de suas vidas (algo bem diferente do documentário sobre a Elize Matsunaga, que pinta um quadro muito claro e convincente da situação). O que acaba sustentando o filme no fim é o fato de ser um crime real, chocante, e a curiosidade natural do público de saber como tudo ocorreu. Como cinema não tenho muito a elogiar, mas pra quem tem interesse no aspecto mais documental do caso, pode ser um programa interessante.

O Menino que Matou Meus Pais, A Menina que Matou os Pais / 2021 / Mauricio Eça

Nível de Satisfação: 4

Categoria C: Entretenimento com valores negativos e problemas estéticos.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Cultura - Setembro 2021

28/9: Nova Brasil Paralelo

Vendo no YouTube o evento de lançamento da plataforma de streaming da Brasil Paralelo, fiquei com a sensação péssima de imaginar que algumas pessoas devem achar que minha visão de cinema é parecida com a deles... que eu faço parte dessa mesma "onda" de alguma forma. Pois de fato existem alguns pontos em comum, como a avaliação negativa do entretenimento atual, o desejo de resgatar certos valores da Hollywood clássica, etc. Mas é o velho problema de liberais serem confundidos com conservadores... Na área da arte isso não costumava ocorrer tanto, pois esses grupos raramente discutiam princípios estéticos explicitamente, como discutem política. Mas conforme essa tendência aumenta e as pessoas vão se conscientizando mais da relação entre cultura e política, a necessidade de diferenciar grupos vai se tornando importante na área do entretenimento também (sem querer sugerir que a minha visão represente a dos "liberais" — eu falo apenas por mim). Mas pra mim o mais incômodo nesse evento não é nem tanto o posicionamento político específico deles... E sim o fato deles estarem usando a arte como propaganda ideológica e se "apropriando" de certos filmes no processo — dá desgosto ver filmes como Lawrence da Arábia e Contatos Imediatos sendo exibidos naquele palco, como se fossem filmes que representam o "espírito conservador". Enfim, é o tipo de coisa que me dá desânimo de vez em quando, e faz com que eu queira me dissociar de assuntos políticos.


19/9: Menos sutil que Hollywood

Gravuras que você vê em destaque em praticamente toda banca da Av. Paulista (o que sugere que são as mais populares da categoria).



18/9: 13 de Junho de 2013

Folheando minha agenda de 2013, encontrei o dia exato em que a polarização política se tornou explícita pra todo mundo na internet (pelo menos no meu universo social): dia 13 de Junho, no 4º dia de protestos contra as tarifas de ônibus em São Paulo. Sempre digo que a cultura vem piorando desde o final dos anos 90, do 11/9, etc. Mas até esse dia de 2013, eu não fazia ideia que meu Facebook inteiro estava do lado oposto ao meu no espectro político. E isso faz uma diferença grande no nosso comportamento e na nossa percepção de mundo... Até então, havia uma certa inocência na maneira como nos expressávamos publicamente, interpretávamos os eventos ao nosso redor... Depois, tudo virou política. Tudo passou a ter que ser pensado 3x, passamos a ter mais receio de falar, a suspeitar mais dos outros... Eu tinha até certa ingenuidade em relação às mudanças no entretenimento. Apesar de criticar o cinismo e o tom sombrio dos filmes, eu ainda não via uma intenção tão sistemática e proposital de corromper o entretenimento. Quando saiu Frozen entre 2013/2014por exemplo, eu ainda tive certa dificuldade de articular o que me incomodava no filme, pois a "invasão Anti-Idealista" estava apenas começando a se tornar explícita. Então acho interessante estabelecer esse marco, pra diferenciar a primeira fase das mudanças culturais (finalzinho dos anos 90 até 2013), do estágio mais radical que veio depois.

Isso casa bastante com um gráfico que o Stephen Hicks mostrou recentemente em um vídeo, mostrando o aumento de palavras associadas a preconceito na mídia (racismo, sexismo, homofobia, etc.). Ele não explica o que causou esse aumento... Mas é interessante notar o quão pouco essas mudanças têm a ver com questões políticas concretas, como o presidente eleito, as tarifas de ônibus, etc... Obama já era presidente dos EUA desde 2009, o PT governava o Brasil desde 2003... Considerando isso, chega a ser estranho 2013 ter sido o ano em que a esquerda "saiu do armário" e começou a se rebelar nas ruas. E se fosse um fenômeno ligado a acontecimentos políticos do Brasil, a mesma coisa não estaria ocorrendo nos EUA praticamente ao mesmo tempo. 

Não sei dizer ao certo também o que provocou essa guinada nesse período... Mas se fosse pra chutar, eu diria que boa parte disso tem a ver com a explosão do uso de smartphones e de redes sociais baseadas em smartphones, especialmente o Instagram, que foi quando a vida das pessoas realmente começou a se tornar um reality show, e problemas de autoestima derivados dessa nova forma de existir socialmente começaram a se manifestar (levando em conta o que já falei sobre o sentimento de desilusão dos millennials).



11/9: Cinderela com Camila Cabello

Tentei assistir mas parei no meio por um misto de tédio e vergonha de estar perdendo tempo com aquilo. Tudo é tão malfeito que eu nem consegui me irritar com os valores da história sendo deturpados — como se a produção não tivesse o mínimo de inteligência necessário pra estar fazendo aquilo de propósito. Quando apareceu o James Corden na cena da carruagem, fique pensando que, se fosse um filme nacional, seria o equivalente a esses filmes que têm participações especiais da Anitta ou do Luciano Huck. Até aí, o mesmo poderia ser dito da versão com a Brandy de 1997, que eu vi com mais simpatia... Acho que, quando pobreza estética está associada a inocência e despretensão, pra mim se torna algo mais perdoável. Mas há algo de particularmente constrangedor em um filme tosco/convencional que acha estar sendo transgressor e inteligente. Além disso, no filme com a Brandy, apesar da produção ser ruim, a música era de Rodgers & Hammerstein. Aqui, a maior parte da trilha é composta por uma seleção duvidosa de músicas pop não originais (e rap, como eu havia previsto), dando mais a impressão de um especial de Glee do que de um musical legítimo.

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

The Elephant in the Brain

Acabei de ler este livro muito interessante cuja proposta é expor as motivações ocultas do ser humano em diversas áreas: na arte, no consumo, na medicina, caridade, política, religião, etc. A ideia central é que, na maior parte do tempo, as pessoas têm explicações floreadas para as coisas que fazem e acreditam, quando na verdade são movidas por intenções não tão populares que elas preferem ocultar — o tal do "elefante no cérebro" do título, que é um trocadilho com a expressão "the elephant in the room". O principal tabu aqui seria a questão do egoísmo: embora as pessoas se promovam de maneira "pró-social" e altruísta, quase sempre elas agem em interesse próprio, estão em busca de status social, sexo, mesmo em atividades onde isso não é óbvio. E como essas motivações não "pegam bem" socialmente, o cérebro cria mecanismos para ocultá-las dos outros e delas próprias — o que é bem na linha do que discuto no texto Racionalizações.

Eu discordo de algumas coisas do livro, principalmente da ética da qual ele parte, que no fundo é contra o auto-interesse (os autores defendem um certo "equilíbrio" entre egoísmo e auto-sacrifício) mas achei o livro enriquecedor por conta dos exemplos e dos diversos estudos que ele apresenta para embasar suas alegações em cada área. 

Por exemplo: analisando o quanto se gasta com remédios e tratamentos em diversas regiões dos EUA, fica bem claro como na saúde, muito do que se faz não tem tanto a ver com curar doenças e obter resultados práticos, e sim com fazer as pessoas sentirem que estão sendo cuidadas (como a mãe que dá um beijinho no joelho do filho quando ele se rala, mesmo que isso não ajude em nada o ferimento), ou então para os cuidadores exibirem publicamente o quanto eles se importam (inclusive quando o “cuidador” é o governo) — o que bate bem com minhas reflexões sobre a pandemia.

Acho engraçado em certos momentos o livro falar como se fosse uma revelação incômoda o ser humano ser auto-interessado... No capítulo sobre Arte, por exemplo, eles "revelam" que o artista não age apenas pelo desejo de criar beleza, de transmitir uma mensagem importante, mas também pelo desejo de exibir seus talentos e obter prestígio. Isso pra mim sempre foi algo tão óbvio, natural, e não-controverso, que no meu livro nem me ocorreu parar pra justificar isso. Eu falo do assunto como se fosse parte do senso comum, até porque nunca vi auto-interesse da maneira negativa como a maioria das pessoas vê (uma competição maliciosa de "soma-zero").

O que eu acho de fato problemático nos exemplos que o livro dá é o quanto desse "egoísmo" parece consistir apenas de uma busca por status social com base em falsas aparências — o quanto as pessoas agem exclusivamente com base em emoções irrefletidas, ignorando a razão e os fatos. O livro parece jogar tudo isso no mesmo saco de “egoísmo”, e não faz uma distinção moral entre agir racionalmente em seu próprio interesse, pra realmente melhorar sua vida, sem querer prejudicar os outros, versus agir com base em impulsos irracionais, querendo "se dar bem" prejudicando os outros e você mesmo a longo prazo (Michelangelo esculpindo o David e a menina que usa linguagem corporal inconscientemente pra seduzir o namorado da amiga estariam ambos na mesma categoria).

Em vez de entender que o conflito é entre racionalidade vs. irracionalidade, ética vs. antiética, os autores acham que o problema reside no egoísmo em si, e concluem que o ser humano precisaria de algumas doses de abnegação e auto-sacrifício para manter uma vida equilibrada.

Outro insight que achei interessante do livro é quando ele discute que pessoas que têm mais facilidade de enxergar o elefante, e falam dele abertamente, nunca são tão populares e bem-vindas quanto as pessoas que entram naturalmente no jogo de fingimento, e falam apenas das motivações "bonitas". O mesmo pode ser dito de obras, livros (os autores tinham consciência que o livro deles nunca seria um grande best-seller por conta disso). Falar do elefante é sempre um estraga-prazeres que arruina o clima e torna o ar pesado para a maioria das pessoas... Há inclusive a sugestão de que não ter esse filtro mental (que esconde o elefante) possa levar à depressão. Que a capacidade de distorcer e racionalizar seria uma "dádiva" da evolução — o que eu acho questionável, mas digno de considerar (minha reflexão completa sobre isso está naquele vídeo Felicidade Requer Seletividade, que no momento não está no ar). 

Eu já senti na pele algumas dessas consequências, mesmo evitando entrar em assuntos pesados em contextos sociais. Mas como pra mim o elefante sempre está muito em vista (ou pelo menos uma parte maior dele do que seria o normal), talvez seja inevitável isso escapar pelas entrelinhas quando eu me comunico. E quando paro pra pensar no que eu faço aqui no blog o tempo todo, é justamente ficar apontando para elefantes — os da sala de cinema! O que explica melhor por que eu me sinto sempre nadando contra a maré, violando alguma norma social básica mesmo quando tento me expressar de maneira educada.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Cry Macho: O Caminho para Redenção

Se este filme fosse estrelado por um ator qualquer, eu diria simplesmente que se trata de um neo-western sem grandes novidades, que apenas repete os clichês do gênero de maneira previsível e superficial: a velha história do homem durão e solitário que relutantemente aceita uma missão na qual terá que conviver com alguém mais jovem e imaturo, para quem ele ensina valores como honra, disciplina e coragem — as "boas e velhas maneiras" — e que termina a jornada tendo aprendido uma lição vaga e com seu coração levemente amolecido. (Isso sem falar em outros clichês mais "cringy" como o do herói que vive um romance com nativa humilde, de beleza "étnica", etc.) 

O problema é que o filme não é estrelado por um ator qualquer, e sim por Clint Eastwood, o que muda completamente a experiência. Isso gera tanto os pontos mais positivos quanto os mais negativos do filme. O ponto positivo (que não é um mérito artístico) é que o filme adquire certo encanto pelo simples fato de você saber que está em 2021 vendo um western com um cara que é um ícone do gênero desde os anos 60, o que por si só é um feito admirável. Por outro lado, o fato de Eastwood não perceber que tem 90 anos de idade acaba comprometendo parte da história. Não — não acho que idosos tenham que interpretar apenas velhinhos com Alzheimer no cinema. Um personagem de 90 anos ainda pode ser forte e admirável, desde que a história não ignore totalmente a realidade. O problema não é o fato de Eastwood estar querendo impor respeito, provar que ele ainda é "o cara"... E sim o fato dele estar querendo fazer isso da mesma forma que fazia há 50 anos: montando em cavalos, socando bandidos, seduzindo mulheres por onde passa, etc. Ele está tão frágil e magro que dá receio de vê-lo de pé em determinadas cenas. Não há truque de edição que possa convencer o espectador que ele está de fato em cima de um cavalo (essa cena em particular é mais inacreditável do que Godzilla e King Kong lutando sobre o porta-aviões). A própria atitude dos personagens coadjuvantes parece artificial... Na vida real, pessoas mais jovens diante de alguém de 90 anos sempre agem com certo respeito, cuidado... Mas no filme, Eastwood está sempre sendo atacado ou menosprezado pelos adversários, como se fosse um adulto qualquer. Ninguém nessa idade desperta esse tipo de ira ou temor nas pessoas (a não ser que seja um político, claro). Portanto, Eastwood está agindo aqui como uma típica diva, dessas que continuam querendo mostrar a bunda e esconder as rugas na 5ª década de carreira. E o que torna tudo um pouco frustrante é o fato disso sugerir que, na cabeça dele, se não fosse por sua virilidade e intensidade física, ele não teria outras qualidades para oferecer ao público, o que não é verdade.

Cry Macho / 2021 / Clint Eastwood

Nível de Satisfação: 6

Categoria B: Idealismo comprometido por problemas estéticos e alguns valores negativos

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

The Voyeurs

Desde os primeiros segundos você já percebe que está diante de um filme diferente, com um olhar próprio, e apesar dele partir da premissa não tão nova de pessoas espiando os vizinhos pela janela e se envolvendo em um mistério (a carga erótica e o tom excêntrico faz o filme lembrar mais Dublê de Corpo do que Janela Indiscreta) em nenhum momento ele parece estar seguindo fórmulas e clichês cegamente. Se A Mulher na Janela pecou pelo excesso de subjetivismo, este filme é um ótimo contraponto pra mostrar como uma trama é mais envolvente e divertida de acompanhar quando o cineasta respeita a objetividade do espectador (o fascínio que Michael Mohan demonstra por lentes e olhos não me parece acidental nesse sentido — o desejo de enxergar com precisão vem frequentemente do desejo de entender com precisão). Mesmo quando algumas coisas parecem forçadas, vemos uma preocupação incomum aqui em explicar cada desenvolvimento da narrativa, em deixar claro para o público cada ação dos personagens, o que traz um senso de presença pra cada cena (como na sequência onde eles precisam instalar o espelho no apartamento dos vizinhos, e depois refletir o laser de volta para terem o áudio das conversas). O filme não está livre de problemas, e o final não é dos mais satisfatórios emocionalmente. Mas, de qualquer forma, pra mim é sempre um prazer ver um filme que consegue entreter ao mesmo tempo em que demonstra um grau elevado de autenticidade e respeito pela consciência do público.

The Voyeurs / 2021 / Michael Mohan

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Maligno

Novo terror de James Wan, que tenta fugir aqui do estilo mais clássico e "safe" de filmes como Invocação do Mal e Sobrenatural, pra apostar em uma linguagem mais de cinema cult, que flerta com o giallo (terror italiano popular nos anos 70) e filmes trash (embora na fotografia Wan continue buscando um visual de blockbuster). É daqueles filmes excêntricos (meio Arraste-Me para o Inferno) que críticos e cinéfilos provavelmente gostarão mais do que o espectador comum, que quer apenas ver um filme pra levar sustos. Há sem dúvida um toque de Idealismo Corrompido nessa atitude de tornar a história meio ridícula de propósito, exagerar certas cenas e discursos pra deixá-los cafonas, com cara de filme B, provocando risos em momentos inusitados. Mas pelo menos o filme é ágil, cheio de surpresas e ideias originais. Não dá pra dizer que é chato, mesmo que você estranhe alguns elementos da história.

Malignant / 2021 / James Wan

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis

Uma boa surpresa da Marvel, da qual eu raramente tenho algo positivo pra falar. Não só em termos de valores o filme é bem mais benevolente que o de costume (não é sobre sacrifício, decadência, sobre heróis moralmente ambíguos, e nem sobre pregação política) como em termos de direção/roteiro ele está entre os melhores que o estúdio já fez. Não que isso seja um grande elogio — filmes da Marvel costumam ser tão pobres nesse sentido, que quando vemos uma história razoavelmente bem contada, com começo, meio e fim, objetivos bem estabelecidos, cenas dirigidas com clareza, isso já é motivo de comemoração. Claro, não há espaço aqui para aquele tipo de requinte e criatividade que vemos nos filmes de artes marciais do Zhang Yimou (discuti isso recentemente na crítica de Shadow) mas dentro do "arroz com feijão", o diretor Destin Daniel Cretton faz um ótimo trabalho. Gostei de como a história segue sempre evoluindo — como o primeiro ato não se parece com o segundo, e como o segundo não se parece com o terceiro (em termos de ambientação, tom, conflito central), achei divertida a Awkwafina como alívio cômico, gostei da participação da Michelle Yeoh, do fato da ação ser relativamente contida até a batalha final (a sequência na lateral do prédio, por exemplo, tem seus exageros, mas não chuta o balde da lógica como a maioria dos filmes, portanto consegue criar tensão). O que menos me convenceu no filme foi o conflito entre o pai e os 2 filhos... Wenwu, sendo um homem tão sábio e experiente, não acho que se voltaria contra os filhos sem uma razão muito forte, e nem se iludiria tão facilmente com os chamados da esposa falecida. Também achei um pouco deslocado o personagem do Ben Kingsley, que parece ter caído de paraquedas no filme errado. Mas no balanço geral, foi um dos poucos filmes do gênero dos últimos anos que me pareceu um entretenimento honesto.

Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings / 2021 / Destin Daniel Cretton

Seven

Mais novo documentário sobre o 11 de Setembro do diretor de Loose Change 9/11: An American Coup, que levanta mais uma vez perguntas (ainda) não respondidas sobre o colapso dos prédios do World Trade Center. Este novo filme (que tem só 46 minutos) foca apenas na queda do 3º prédio, o "Building 7", por ser o evento mais inexplicável do atentado (como é algo que até um leigo percebe que não faz muito sentido, é o melhor chamariz para a causa). O Loose Change era mais explícito em fomentar teorias da conspiração. Neste aqui (feito mais de 10 anos depois) é como se os produtores tivessem se tornado mais cautelosos, talvez por terem percebido que qualquer coisa associada a teorias da conspiração passou a ser instantaneamente ridicularizada e descartada pela cultura nos últimos anos (a popularização de conceitos como "Terraplanismo" acabou servindo para rotular todas as outras teorias como igualmente lunáticas). O assunto também passou a gerar mais ataques e cancelamentos. Spike Lee, por exemplo, teve que remover meia hora de seu novo documentário sobre o 11/9 para a HBO Max, pois o episódio final incluía entrevistas com arquitetos e engenheiros que defendem a ideia de que os prédios foram implodidos (o que provocou a ira de vários jornalistas). Seven adota então uma postura mais imparcial, sem pular para conclusões controversas, apenas tentando provar que, cientificamente, teria sido impossível o Building 7 ter desabado pelos motivos que o governo deu (incêndios em alguns andares). Não sei se a estratégia fará mais gente se questionar... O filme não acrescenta muito aos argumentos já apresentados em Loose Change. É mais uma nova atitude do que um novo caso. Mas a presença confiável do Dr. Leroy Hulsey e a narração de Ed Asner (lenda da TV americana que faleceu agora dia 29/8) traz mais respeitabilidade para a investigação.

Seven / 2020 / Dylan Avery

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

A Lenda de Candyman

Sequência do filme de 1992 (que ignora as partes 2 e 3 lançadas ainda nos anos 90) sobre a lenda urbana de Candyman, o homem com um gancho no lugar da mão que surge quando você repete seu nome 5 vezes em frente a um espelho. Apesar de não ser o diretor, o filme foi escrito e produzido por Jordan Peele, de Corra! e Nós, então não é de se surpreender que o resultado seja mais um filme do gênero "race horror" ou "black trauma" que, assim como o recente O Que Ficou Para Trás, também foca em problemas raciais ligados a questões de moradia. Candyman aqui é mais um símbolo do racismo e das violências cometidas contra negros ao logo da história do que um monstro real. Portanto não espere muita objetividade no desenrolar da trama, que vai se parecendo cada vez mais com um sonho conforme a história avança. Além de discutir escravidão, violência policial e outras manifestações de racismo, uma das principais críticas do filme é à "gentrificação", ou seja, ao processo de enobrecimento de certos bairros de periferia, que acaba elevando o custo de vida de certas regiões e expulsando moradores antigos de baixa renda, predominantemente negros (o que parece ser visto como uma forma de "racismo estrutural").

Visualmente o filme é decente (além da fotografia bem cuidada, a técnica do teatro de sombras é usada de forma interessante), o que dá a impressão dele ser melhor do que é de fato. Como terror/slasher na realidade achei uma produção bastante esquecível, com uma direção desengonçada, uma mitologia confusa, cenas de morte pouco criativas, que será lembrada principalmente por conta de suas mensagens sociais.

Candyman / 2021 / Nia DaCosta