sexta-feira, 13 de maio de 2022

Diagramas complementares

Quando reflito sobre arte e cinema, é comum eu imaginar diagramas pra organizar certas ideias, e embora alguns não sejam centrais para minhas teorias, acho que eles servem como metáforas e ajudam a esclarecer certos pontos.

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Este Mapa de Valores é um conceito que concebi há muitos anos, quando estava começando a decifrar os 4 Pilares do Idealismo. Se tornou uma ferramenta valiosa para eu refletir sobre os valores sendo projetados numa história e entender também a importância dos Contrastes. Antigamente me intrigava o fato de muitos de meus filmes favoritos terem sentimentos contrastantes na narrativa, e conseguirem fazer isto sem prejudicar a positividade geral da experiência: 2001 me parecia um dos filmes mais inteligentes e lógicos que já tinha visto, mas ao mesmo tempo era um dos mais complexos e difíceis de entender. E.T. era um dos mais esperançosos, mas lidava com temas de morte/perda de maneira incrivelmente intensa, etc. Não acho que todos os filmes precisem ter todos os valores positivos e todos os contrastes acentuados. Mas olhar para o gráfico me ajuda a entender o que pode estar faltando em uma história, dá ideias de como torná-la mais impactante, além de claro, de dar uma compreensão mais clara do que é o Idealismo e dos valores que estão em sua base.

(Pra visualizar em tamanho grande, em alguns navegadores você precisa clicar na imagem, e depois que ela abrir, clicar de novo sobre ela com o botão direito e pedir para abrí-la numa aba nova).



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Este gráfico reúne alguns dos princípios mais importantes discutidos aqui no blog em um único paradigma; desde o Princípio da Ascensão, até o conceito de Set Piece/Grandes Cenas, Motivação da Plateia, etc. Ele se aplica a todo entretenimento temporal planejado: artes como cinema, teatro, música, literatura, até shows/concertos e outras formas de espetáculo. Claro que o gráfico não é uma estrutura rígida; não precisa haver 3 "picos de satisfação" necessariamente (em alguns casos podem ser menos, em outros podem ser mais) e eles não precisam estar nessas posições. O "gancho" pode ocorrer junto com a apresentação, ou um pouco depois. Depois do clímax, a obra não precisa acabar imediatamente; é adequado que haja um trecho mais calmo após o clímax para concluir a experiência — mas a estrutura geral precisa ser respeitada pra que ela seja satisfatória (tem que haver uma motivação inicial, assim como momentos de "satisfação concentrada", um final satisfatório, etc.). Cada arte/mídia proporcionará esta experiência de uma forma particular. Na música, a apresentação do "universo" consistirá de certas harmonias, padrões sonoros, instrumentos, e também da voz do artista (caso não seja música instrumental, e o universo tenha também um "personagem"); o gancho consistirá de alguma melodia particularmente interessante, os "picos de satisfação" serão os refrãos (a letra e a performance do artista podem gerar interesse e picos de satisfação também, desde que não estejam desconectadas da motivação principal, que deve ser musical/melódica). Já no cinema, precisa haver uma história, uma narrativa que engaje o espectador intelectualmente — o "gancho" será algum conflito/desequilíbrio surgindo no universo do personagem, que o fará partir em busca de alguma solução/resposta/conquista; os "picos de satisfação" serão grandes cenas, eventos memoráveis, etc. (elementos secundários como efeitos especiais ou aparições de atores famosos podem gerar picos de satisfação, mas, mais uma vez, a motivação fundamental deve surgir da narrativa, do interesse na história).




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Um esquema visual que acho interessante é este que mostra a diferença entre filmes que seguem a Primazia do Espectador, e filmes que sacrificam o prazer do espectador em nome da expressão do autor ou de outras "causas":


Na literatura objetivista, por exemplo, existe uma confusão comum que este mapa ajuda a esclarecer: a essência do Naturalismo, na visão de muitas pessoas, é o retrato do homem como um ser determinado, sem livre-arbítrio, vítima das circunstâncias. Porém isso nos levaria a colocar uma história como a de Anna Karenina na mesma categoria de uma história como a de filmes como Roma ou Nomadland, por exemplo — o que me parece um erro, e cria a impressão de que essas classificações não correspondem muito à realidade. Já com este diagrama, fica fácil de entender que Nomadland estaria no grupo inferior, junto com o cinema não comercial (o Naturalismo que retrata pessoas comuns, que não tem trama, que é motivado por mensagens sociais), e que Anna Karenina estaria no grupo de cima, como uma forma de Idealismo Crítico ou um entretenimento temperado com valores negativos (eu nunca li o livro Anna Karenina, então pode até ser que eu esteja enganado e na prática seja uma história tão Naturalista quanto Roma/Nomadland — mas duvido que seja o caso pelo que conheço das versões para o cinema, que têm sempre uma narrativa forte, focam em personagens glamourosos, eventos dramáticos, etc.).

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Outro diagrama interessante é este onde pegamos os conceitos de Aristóteles de Ethos, Logos e Pathos (usados na Retórica) e transpomos para o mundo da arte — afinal, o processo de impactar o ouvinte/espectador é similar nos dois universos: os melhores resultados ocorrem sempre quando um orador/artista respeitável consegue racionalmente provocar sentimentos positivos que motivam o espectador.



Nada disso é inédito aqui, e eu sempre enfatizei a importância do talento, da admiração pelo artista, etc. Mas esta é uma forma ligeiramente diferente de enxergar a relação entre esses elementos, pois ela separa de maneira mais clara os sentimentos que são voltados para o artista (Ethos) dos sentimentos que são voltados para o conteúdo da obra (Pathos). Ethos não seria um "5º Pilar do Idealismo", afinal, os critérios que teríamos que usar para avaliar o artista/orador ainda seriam derivados dos 4 Pilares (autoestima, benevolência, etc.). No fim, apenas os 4 elementos precisam ser estimulados na consciência do espectador para obtermos o efeito máximo. Nos melhores casos, os sentimentos terão sido estimulados tanto por nossa avaliação do artista quanto pela mensagem/história/personagens — mas em casos onde existe um desequilíbrio entre estilo e conteúdo, é útil ter um diagrama como este para identificarmos melhor onde está o problema.

Com base nessa organização, fica fácil entender também por que cada "inimigo" do entretenimento que discuto no blog (como o do "herói envergonhado", por exemplo) é um inimigo de fato — é porque são coisas que ferem diretamente alguma virtude ou princípio básico do Idealismo:




3 comentários:

Leonardo disse...

Olá, Caio.

Eu vou responder 3 comentários em um só.

Quanto à sua resposta ao Yaron sobre Titanic, acredito que eu já li tanto as suas críticas e me habituei tanto ao estilo de pensar, que eu imaginei que a resposta fosse mesmo algo parecido com a que tu deu.

Estou a reler A Nascente e é curioso que até a metade do romance os heróis são relativamente pobres ou desengajados com o seu dinheiro, e há também ricos vilanescos e irracionais. Mike, o grande amigo de Roark, por exemplo, é um operário que despreza a “classe” dos arquitetos. Sei que o padrão de avaliação é outro, mas pela crítica do Yaron, me pareceu algo tão superficial quanto.

Quanto aos conteúdos apagados, houve uma época em que eu custava acreditar que críticas aos filmes poderiam ser filosóficas e psicológicas. Falar de valores, temas abstratos consistentes. Eu lia e relia suas críticas o tempo todo, como se fosse uma nova forma de cognição, uma “ferramenta mental” para apreciar não apenas os filmes, mas a vida também. Até decorei alguns trechos (como a metáfora do pêndulo). Quando as críticas eram apagadas, sentia muita falta. Percebo que o estilo mudou, mas a essência já existia, talvez de uma forma menor desenvolvida. Lamento sobre como fala de seus vídeos musicais, parece ter horror a eles. Qual seria a causa?
O seu curta foi um ato falho, realmente está lá....

Sobre a “metáfora do pêndulo” ou do “cabo de guerra”, eu tenho algumas reservas sobre seus argumentos (mas eu concordo com eles). Desconheço o quanto deve estar habituado com o Idealismo Dialético hegeliano, mas a tua explicação sobre as forças culturais me lembra muito a de Hegel (e o nome Idealismo talvez seja apenas uma coincidência). Evito discorrer muito aqui, mas tenho uma perspectiva parcialmente crítica sobre a tua interpretação das forças que moldam a cultura. Como comparação, eu acho muito forte a análise do Peikoff sobre a República de Weimar em The Ominous Parallels e de todo o pós-modernismo observado por Hicks. Também tenho tentado utilizar a percepção objetivista da primazia da consciência aplicada na cultura: todo o cinema contemporâneo, por exemplo, como orientado a opiniões de segunda-mão das “tribos”, a referências, a eliminação das leis da física, a “realidades sociais”, a emoções irracionais ou tudo aquilo discorrido em seu texto “1999”. Por fim, retorno a Roark quando este diz que ele pensa apenas na integridade de sua criação, e não em quem vai utilizá-la. Por isso talvez, diz Roark, é que seus prédios sejam tão apreciados por quem utiliza – uma comparação que talvez se distancie da primazia do expectador. Mas isso iria requerer um debate ou análise mais cuidadosa das definições e eliminação dos erros de interpretação.

Por fim, quanto a presente postagem dos Diagramas Complementares. Excelente construção. Mostra o desenvolvimento das idéias e a paixão por elas. Alguém que se dedica em explicar de forma racional e coerente e que precisa acertar todos os detalhes e eliminar todas as lacunas - coisa de cientista. É aquele tipo de matéria estudado em autores mais consagrados nas universidades. Onde o autor desenvolve melhor sua teoria ao longo da vida conforme pratica a metacognição. Até o presente momento, tu é o melhor escritor que discorre sobre arte de forma coerente com os argumentos objetivistas. Espero vê-lo ainda no hall dos grandes nomes.

Caio Amaral disse...

Oi Leonardo!

Quanto às postagens apagadas.. a maioria na verdade está apenas offline.. então eventualmente posso até ir voltando algumas ao ar, pois tem casos que não é o texto inteiro que eu não gosto.. só uma frase ou outra que dá pra reformular.

Os vídeos de música (alguns pelo menos) eu acabo excluindo por amadorismo da minha parte mesmo… Se você não é um performer natural (eu certamente não sou) a única forma de ficar bom é praticando muito, se apresentando em público, pegando feedback, sendo dirigido, colaborando com outros profissionais, até você ter uma identidade madura. Eu, sem experiência (e sem orçamento) estava inventando de compor as músicas, produzir, cantar, dirigir os vídeos, tudo sozinho, meio que isolado numa bolha… Essa ideia de se auto-produzir costuma ser uma receita para o desastre na música, a não ser que a pessoa já tenha muita estrada e saiba bem o que funciona. Eu só arriscaria fazer algo do tipo hoje se tivesse um ótimo produtor.. como falo no livro, o artista na música funciona como um personagem.. e a maioria das pessoas têm pontos cegos inevitáveis que as impedem de fazer uma autoavaliação objetiva, se enxergarem como o espectador enxerga.. Portanto uma boa produção/direção costuma ser vital, até pra pessoas já de sucesso. (Se eu rejeitasse a Primazia do Espectador e me conformasse com o campo de baixo do diagrama, seria bem mais “simples”, hehe..)

Olha, a metáfora do pêndulo foi só uma maneira de eu explicar que a cultura às vezes está mais pra um lado e às vezes mais pro outro em termos de valores.. Pois tem gente que acha que a direção é 1 só.. que o Idealismo (ou qualquer espírito mais alegre) é necessariamente algo do passado.. que a tendência da cultura é sempre ir em direção ao pessimismo, ao cinismo cada vez mais, e que não existe volta.. Então queria ilustrar que este não é sempre o caso.. Mas não quis dizer que tenho uma teoria final pra explicar o que causa essas oscilações, quais são os mecanismos específicos que levam a essas mudanças.. pode ser que as explicações de Hegel ou do Peikoff sirvam pra mim também (não as conheço muito bem).

A Primazia do Espectador não tem nada a ver com subjetivismo ou primazia da consciência — não sei se você enxerga alguma confusão nessa área.. Roark, mais até que um cineasta, não poderia ignorar a “primazia do espectador” (afinal arquitetura antes de mais nada tem um propósito utilitário) e precisa se certificar de que tudo o que ele faz se adeque às necessidades/bem estar do morador.. não sejam apenas baseados em autoexpressão, impulsos aleatórios, como fazem os subjetivistas na arte.

Obrigado pelos comentários finais! Abs!!

Caio Amaral disse...

Adicionei um diagrama novo no final da postagem (Relação entre os Problemas do Entretenimento e as Virtudes do Idealismo).