segunda-feira, 2 de maio de 2022

Reflexões sobre o BBB 22

Nunca tinha visto um BBB, mas acabei acompanhando essa última edição, e pra minha surpresa fiquei bastante envolvido (percebi que assistir ao 1º episódio — a apresentação de cada participante e as primeiras interações entre eles — realmente faz toda a diferença, pois quando você pega o bonde andando, vê tudo de longe sem saber o que cada "peça" do jogo simboliza, sem entender o código oculto que existe por trás de cada movimentação, parece de fato um monte de gente vazia discutindo por motivos ridículos). Deixo abaixo algumas observações sobre a edição que têm a ver com Idealismo e as análises culturais do blog:

Analise BBB 22 mosaico


- Talvez pelo fato das últimas edições terem sido marcadas por figuras tóxicas, discussões ideológicas pesadas, participantes que saíram "cancelados" como a Karol Conká; ou talvez pelo fato da pandemia ter deixado as pessoas mais reflexivas, cuidadosas em relação à saúde mental, essa edição foi marcada inicialmente por uma positividade atípica; por um clima de harmonia, amizade, pela intenção consciente de certos participantes (como Tiago Abravanel) de evitar desentendimentos graves, de mostrar que era possível criar entretenimento sem ser na base de inimizades etc. Essa foi a primeira coisa que me surpreendeu (pois sempre associei BBB a um monte de gente brigando) e me fez querer continuar a ver o programa... Mas pra minha "surpresa", foi justamente esse fator que levou o grande público a começar a atacar a edição, chamar de "flopada", usar termos irônicos como "colônia de férias", "High School Musical", levando a Globo a forçar algumas dinâmicas pra balançar as amizades e criar desarmonia na casa. Ou seja, o insight aqui foi que não foi a Globo necessariamente que quis tornar o entretenimento mais negativo, e sim o público que exigiu isso. Da mesma forma, às vezes podemos achar que os grandes estúdios de Hollywood é que estão promovendo valores Anti-Idealistas nos filmes pra manipular a cultura, quando na verdade eles estão apenas se ajustando aos valores do público pra buscar audiência.

- O segundo grande choque (e que depois percebi que era totalmente coerente com o que observo no cinema) foi ver a enorme rejeição do público em relação a certos participantes, como a Bárbara Heck, que pra mim só tinham demonstrado qualidades admiráveis até então (ou cujos defeitos eram insignificantes perto das qualidades). Quase todo paredão, em vez de sair o participante mais fraco, o mais desinteressante, o que acrescentava menos em termos de entretenimento, acontecia justamente o oposto. Fui quase enxergando o programa como uma espécie de inversão da "seleção natural" de Darwin, onde em vez de resistirem os que tinham mais qualidades, o público se satisfazia promovendo a "sobrevivência do MENOS apto". Refletindo sobre esses padrões, conclui que o problema não era necessariamente o participante ter alguma força especial, superioridade em algo, e sim ele demonstrar isso na ausência de algum defeito ou desvantagem social que compensasse a força. Uma participante como a Natália Deodato, por exemplo, fez coisas muito mais condenáveis, injustas e agressivas do que alguém como a Bárbara. Mas como a Natália se enquadrava num estereótipo de vítima, de mulher negra, com vitiligo, desequilíbrios emocionais evidentes — isso criava um certo escudo pra ela, uma certa "honra" pros seus erros. O apelido de "Bad Naty" que ela recebeu não era negativo, e sim algo que amenizava e tornava mais aceitáveis seus comportamentos. Já a Bárbara se enquadrava num estereótipo de Barbie, de patricinha (mas ao mesmo tempo de mulher inteligente, disciplinada) algo que o público realmente rejeita. Então projetaram nela uma imagem de "cobra", de pessoa "tóxica", acusaram ela de racismo, distúrbios alimentares e de coisas que não faziam o menor sentido. Bárbara foi rotulada como uma Mean Girl, e isso jogava uma luz negativa sobre tudo o que ela fazia, ao contrário do caso da "Bad Naty".

- Da mesma forma, o favoritismo do vencedor Arthur Aguiar parecia ligado diretamente ao fato do público saber que ele tinha certos problemas de caráter fora da casa. Ele entrou no BBB com o estigma de ter traído a esposa 16 vezes — algo que ele mesmo admite e a esposa também (ela na verdade diz que foram muito mais que 16). Assim como a Bárbara, Arthur poderia muito bem ter caído num desses estereótipos de privilégio que o público rejeita. Mas o estigma do "traiu 16 vezes" parecia de alguma forma ajudá-lo, e trazê-lo pra perto do público (que adora a ideia de redenção). Com isso (e algumas outras manobras), ele conseguiu construir uma imagem de vítima — uma narrativa meio messiânica / cristã, onde ele era o underdog incompreendido por todos, um ser puro, iluminado, mas traídos por diversos "judas" (ironicamente, a pessoa mais famosa por trair, conseguiu se vender como a mais traída da casa), que inclusive chegou a "morrer" e a ressuscitar na Páscoa (paredão falso), pra no fim alcançar a glória máxima. Eu ficava me perguntando o tempo todo como teria sido a trajetória de Arthur, se além de famoso, atraente, ex-Rebelde, ele tivesse entrado na casa com um histórico positivo: como a fama de um homem honesto, íntegro, de caráter exemplar. Teria ele despertado tantas paixões? Pelo que conheço da psicologia do público atual, diria que não; ele teria sido apenas mais um, eliminado no meio da edição, como um Rodrigo Mussi — pois, como já discuti várias vezes, o espectador hoje se conecta com "personagens" muito mais com base em seus defeitos, desvantagens e "dores" em comum, do que com base em suas virtudes. Eu, como espectador de perfil "Idealista", sempre segui o processo inverso: primeiro me conecto com base nas qualidades e nas virtudes das pessoas. Depois, se ela demonstra limitações e desvantagens com as quais eu me identifico, posso criar um vínculo ainda maior. Mas não deixo de admirar as virtudes caso não exista essa identificação, e também não consigo me conectar com base em problemas de caráter, defeitos sérios que comprometam as virtudes. Já pra muita gente, a conexão só começa quando há primeiro a identificação de falhas e dores em comum. Este é o fator essencial. Depois disso, se o personagem demonstrar certas forças e qualidades superiores, o espectador poderá até admirá-lo mais. Mas desde que essas forças não anulem as falhas. Isso explica a predominância dos anti-heróis e dos heróis falhos no cinema das últimas décadas, como discuto aqui em muitos posts.

(Algo particularmente perturbador de se refletir é o fato da maior parte dos votantes do BBB serem mulheres. O que será que isso diz sobre o fato de Arthur, com fama de traidor compulsivo, ter gerado tantas paixões? E o que isso diz sobre a enorme rejeição a mulheres atraentes e fortes como Bárbara ou Jade Picon, ou sobre o fato da mulher que chegou mais longe ter sido a Jessilane, que era vista como "planta", "fraca", "muito simples" no começo? Não teria o sentimento de ameaça social, ligado a memórias traumáticas de colégio, comandado o julgamento do público?)

- O caso de Pedro Scooby e Paulo André é interessante. Embora eles não tivessem um fã clube tão dedicado e fanático, ambos foram longe e se tornaram muito queridos do público (estavam entre meus favoritos também no final). Porém eles caem numa categoria especial: a do atleta habilidoso e de postura humilde, que é universalmente querida, mesmo em tempos Anti-Idealistas (vejam que Neymar é o brasileiro mais popular do Instagram). Há algo a respeito das habilidades de um atleta, que por serem bem concretas e delimitadas, geram admiração mas sem provocar grande ameaça (especialmente se o atleta for dócil e não se vangloriar).

Dito tudo isso, é importante considerar que o BBB talvez não reflita a visão exata da população, até pelo fato de uma pessoa poder votar infinitas vezes nos paredões, o que favorece perfis fanáticos. Se fôssemos contar 1 voto por CPF, talvez descobririamos que o público é um pouco melhor do que aparenta, e que é uma minoria desequilibrada que provoca certas distorções e eliminações injustas. (Se bem que outras votações que funcionam na base de 1 voto por CPF também costumam ter resultados bizarros, então não daria tanto peso a este ponto.)

Acompanhar o Big Brother 22 acabou me trazendo uma série de surpresas, até por eu sempre ter tido preconceito contra o programa e reality shows em geral (pra maior parte deles vou continuar tendo). Minha diversão como espectador sempre veio mais da ficção, da arte, pois a arte serve pra nos mostrar riquezas e maravilhas que vão além da vida real. Mas numa época onde a arte anda tão pobre, tão vazia, a "vida real" do BBB é que pra mim foi a maior fonte de entretenimento e aprendizados dos últimos meses.

Termino com um texto que postei no meu Instagram algumas semanas antes do programa acabar, quando realmente entendi que não fazia sentido se prender a votações e resultados, pois eles não significavam muita coisa, e que eu deveria ver o programa apenas curtindo o dia a dia e aquilo que cada pessoa tinha de bom a oferecer.

"Uma coisa que aprendi há um tempo: se há uma multidão votando, não espere coisa boa. E quanto pior o estado da cultura em geral, mais isso é verdade. Hoje em dia eu acompanho o resultado de coisas como o Oscar, as eleições, o BBB, rankings, números de bilheteria, apenas com uma leve curiosidade antropológica, pra saber pra que direção o público resolveu caminhar desta vez… Mas daí a torcer, ficar indignado, isso acho cada vez mais inútil. Até quando o meu favorito ganha algo, já não consigo vibrar tanto, pois sei que a aprovação da maioria não prova nada — nem que a escolha foi certa, e nem que a maioria concorda comigo, afinal podemos ter tido as mesmas escolhas, mas por razões totalmente diferentes. Então aprendi a ficar com minha opinião, com a opinião de uma pessoa ou outra que respeito, e quem sabe a de alguns especialistas. A voz do povo não é a voz de Deus (ainda mais hoje que comunidades fanáticas com as piores mentalidades se organizam facilmente na internet e conseguem fazer qualquer coisa chegar ao número 1). As multidões costumam estar certas apenas em questões muito práticas e superficiais (se você quer desentupir um ralo e vai atrás de um tutorial no YouTube, o que tiver mais likes provavelmente será muito bom mesmo). De resto, é apenas a média da opinião de um monte de gente que você não conhece e que você provavelmente não daria ouvidos na vida real… Se você não gostaria de ter os mesmos hábitos da maioria das pessoas, os mesmos valores, a mesma inteligência, o mesmo estilo de vida, não faz muito sentido ficar torcendo pra que o voto de uma multidão reflita as suas preferências."

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