(Os comentários a seguir foram baseados nas notas feitas durante a sessão.)
- Há um tom grave/sombrio forçado a todo momento (na fotografia, no tom de voz dos atores, etc.) me lembrando o caso do Batman (2022).
- O filme romantiza uma civilização horrível; personagens selvagens, uma cultura que gira ao redor de violência, guerra. E em vez de focar em uma exceção — em um personagem mais nobre no meio da barbárie — o protagonista é igualmente animalesco (ótimo pro roteirista, que assim precisa apenas escrever uns gritos de guerra e umas falas funcionais a cada tantas páginas, que é o máximo de caracterização que o personagem requer).
- Pelo menos não é um filme tão tedioso e sem trama quanto O Farol. Depois que o pai de Amleth é morto e ele escapa, fica claro qual o propósito do personagem e o direcionamento da história.
- O filme é claramente fundado num fascínio pelo primitivo, pelo homem em seu estado bruto, livre de civilidade, razão, que é típico da extrema-direita atual — que no fim lembra os hippies e a esquerda do passado; só que nos anos 60, eles pareciam querer voltar às "raízes" pra entrar em contato com a consciência, com um lado espiritual/transcendental, enquanto aqui, isso é um meio pra entrar em contato com a matéria, o lado físico/animal, uma espécie de instinto masculino perdido.
- A visão de mundo mística/determinista da história acaba tornando a narrativa meio tediosa, pois o protagonista não tem livre-arbítrio, não pode alterar seu destino. A profecia diz que ele só poderá matar o inimigo num dia e num local específico. Então até lá, ele não tem muito o que fazer. E as coisas que ele faz são movidas por forças sobrenaturais (como a escolha da espada), não por valores pessoais, escolhas inteligentes que tragam algum insight útil para o espectador.
- Não há nada de positivo pra aguardar na história, apenas um banho de sangue. Nem há conflitos morais envolventes (como em O Último Duelo), lições a serem tiradas, etc. É só uma história de vingança das mais básicas e previsíveis, cujo propósito final é mostrar violência.
- Se Amleth, disfarçado de escravo, começasse a ter uma relação mais próxima com o tio, haveria certo suspense, pois ficaríamos interessados em saber quando o tio descobriria a verdade, haveria um desenvolvimento melhor do vilão etc. Mas o tio é uma figura distante, mal aproveitada, que mal cria um senso de ameaça ou um desejo no público de vê-lo derrotado (longe de um Joaquin Phoenix em Gladiador).
- SPOILERS: Quando Amleth revela sua identidade pra mãe (Nicole Kidman), as reações são totalmente artificiais. Robert Eggers é desses diretores que colocam estilo acima de conteúdo, de emoção — quer tanto parecer diferentão e autoral que destrói a credibilidade de certas cenas.
- Há um único momento onde o protagonista questiona seu estilo de vida, sua motivação por ódio/vingança, e considera um futuro melhor. Mas isso dura pouco: logo depois ele já volta pra batalha, pra cumprir seu "destino", "honrar seu sangue", etc.
- SPOILER: Outro momento artificial que prejudica o drama: quando Amleth mata a Nicole Kidman e o garotinho, e o tio mal expressa qualquer sentimento ao entrar no quarto. Combina calmamente um duelo pra mais tarde, à beira do vulcão (que não parece fazer muito sentido, mas pelo menos o filme termina numa locação estilosa).
- SPOILER: Apesar de Amleth morrer, o filme termina num tom positivo, pois a Anya Taylor-Joy se salva grávida de 2 filhos dele, e ele termina cavalgando para os céus de forma heroica. Um "final feliz" que só é possível através do misticismo/tribalismo dessa vertente da direita, que acredita no sacrifício e no sofrimento nesta vida para a salvação numa próxima, que se preocupa mais com linhagem, descendência, "sangue", do que com vidas individuais.
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The Northman / 2022 / Robert Eggers
Satisfação: 4
Categoria C: Entretenimento com valores negativos
Filmes Parecidos: O Cavaleiro Verde (2021) / Game of Thrones (2011) / O Regresso (2015) / 300 (2006) / Batman (2022)
5 comentários:
Pelo que ando vendo sobre esse filme, o pessoal criou um fascínio por ser algo fora do nicho de super heróis que andou tomando conta do cinema nos últimos anos. E segundo alguns conhecedores da cultura Viking dizem que é o retrato mais fidedigno dessa cultura num filme até agora. O pessoal mais voltado pra esquerda tá odiando devido a essa brutalidade que o filme trás.
Também ouvi críticas dizendo: "não é o filme que queremos, mas é o filme que precisamos no momento". Provavelmente por incitar alguns com o discurso de masculinidade toxica.
Tem certos filmes, como Free Guy, que embora não sejam de super-heróis / franquias, eu não consigo ver como algo fora do nicho, pois eles seguem inúmeras tendências e temáticas que estão em alta no cinema, na TV (no caso de The Northman, pense na série Vikings, ou em Game of Thrones…) então acabam parecendo bem familiares, moldados pra um mesmo público.
Quanto ao retrato fidedigno.. o problema é que é uma história bem rasa, obviamente focada em violência, então mesmo que o cineasta tenha pesquisado direitinho a época pra reproduzir certos cenários, figurinos, hábitos, não acho que o filme sirva pra quem está atrás de um programa cultural.. vejo como uma versão moderna (e mais dark / pretensiosa) de coisas tipo Conan - O Bárbaro (1982).
"não é o filme que queremos, mas é o filme que precisamos no momento" — é aquela coisa que ouvimos sempre em época de eleições.. "já cansamos do racismo/coletivismo de esquerda, precisamos agora de um pouco de racismo/coletivismo de direita", rs.
Pela descrição da sua resenha seria o que chama de trama Naturalista.
Quanto a reação não é o filme que queremos, mas sim o que precisamos de alguns é porque muitos enxergaram esse filme como escape de tudo que tem se oferecido pela cultura woke que é forçada até a medula pra massa, existe também aquela "se fulano falou mal, deve ser bom". Pra você ver o nível do cenário.
Quando você comparou com o filme do Conan teve gente que fez essa semelhança. Principalmente com as histórias que Rober E Howard criador do bárbaro fazia.
Lá nos gráficos complementares eu comento que divirjo um pouco da Rand nesse ponto, pois não acho que uma visão determinista do ser humano resulte sempre numa obra Naturalista.. Costumo classificar um filme como Naturalista quando ele reúne algumas características.. o determinismo sendo uma delas, mas em geral precisa ser também um filme sobre eventos e pessoas típicas, um retrato da "vida como ela é".. The Northman certamente não é isso, é um entretenimento sobre eventos extraordinários.. mas o determinismo do personagem impede sim a trama de ser totalmente satisfatória (no sentido Romântico/Idealista).
Até que existem filmes não-woke saindo.. é que às vezes não notamos tanto pois não são filmes que militam, que ficam contra-atacando.. apenas refletem outros valores (em geral cristãos — aqueles filmes fantasiosos repletos de sofrimento e sacrifícios no final, que também critico aqui). Mas os woke ainda dominam mais, sem dúvida.
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