quinta-feira, 26 de maio de 2022

Cannes e Hollywood, amigos tóxicos

Como discuto no texto A Invasão Anti-Idealista, é muito comum o cinema americano ser invadido por pessoas que são contra o que ele representa — haters que se infiltram em certas produções de Hollywood pra deturpá-las e tentar alterar os rumos da cultura.

Pro crédito de Hollywood, o contrário já não é tão comum — você não vê o Michael Bay se infiltrando em filmes franceses independentes pra tentar inserir uma ou outra explosão no meio de discussões existenciais.

Mas há uma fraqueza nos hollywoodianos nesse ponto, que é essa necessidade de obter o reconhecimento dos Anti-Idealistas da Europa, algum tipo de validação moral-artística, que pode ser vista no festival de Cannes todos os anos. Até Tom Cruise, o mais americano dos astros de Hollywood, foi até lá exibir Top Gun: Maverick, um filme que é a antítese do festival.

Cannes é o grande covil do Anti-Idealismo, um lugar onde celebridades bebem champagne e desfilam em roupas glamourosas pra protestar contra o capitalismo e celebrar o que há de mais grotesco no cinema em termos de valores e ideias.

Na atual edição, um dos favoritos à Palma de Ouro é The Triangle of Sadness — um filme que se passa num cruzeiro frequentado por super-ricos, cujo capitão é marxista. "Tudo vai bem, ou quase, até que em uma noite, uma tormenta põe os ricos, arrogantes e gananciosos hóspedes à beira de naufrágio. O que seria o pomposo jantar com o Capitão se torna um "shit show" de vômitos. A tormenta piora e o esgoto da embarcação estoura, espalhando a "m" por todos os lados. O barco é atacado por piratas e afunda... O filme foi várias vezes aplaudido em diversas sequências que mexem com o âmago de uma plateia imersa em uma sociedade de consumo hipócrita, racista, classista e gananciosa." (UOL). 

Até entendo que, no passado, artistas associados ao cinema de entretenimento buscassem um "tapinha nas costas" do mundo de Cannes, do cinema de "arte" (assim como já discuti o fenômeno de cineastas mais alinhados com o cinema europeu quererem reconhecimento no Oscar). Truffaut, por exemplo, ajudou Hitchcock a ser reconhecido como diretor autoral, o que foi algo positivo. Mas o cinema europeu não é mais representado por figuras interessantes como Truffaut, e o festival de Cannes não é mais o festival semi-respeitável que talvez já tenha sido. Não há mais o que lucrar com suas palmas hoje, exceto talvez exposição na mídia (nada contra quem use festivais do tipo pra promover seu trabalho). Mas alguém bem sucedido em Hollywood sair de lá pra buscar aprovação num festival cujo prêmio tem ido sempre pro filme que melhor expressa ódio contra qualquer coisa que remeta à cultura americana, é no mínimo fútil.

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