quinta-feira, 19 de maio de 2022

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo | Crítica

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo cartaz
Drama de ação/sci-fi misturado com comédia produzido pela A24 sobre uma imigrante chinesa (Michelle Yeoh), mãe de família e dona de uma lavanderia, que é jogada no meio de uma aventura insana através de universos paralelos, que unem o conceito de multiverso da Marvel a ideias derivadas de Matrix. Já se tornou um dos mais aclamados do ano, entrando rapidamente para o Top 250 do IMDb e batendo recordes de avaliação no Letterboxd.

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(Os comentários a seguir foram baseados nas notas feitas durante a sessão.)

- O filme começa com temas Naturalistas: pessoas comuns com problemas financeiros, foco em questões sociais (dramas LGBTQ, etc.). Depois, quando há a reviravolta do multiverso, o filme ganha um ar mais escapista/comercial, mas fica claro que ainda não se trata de uma aventura que se leva a sério, tipo Matrix, e sim de um desses filmes que apresentam a aventura num tom irônico, feitos por pessoas que no fundo consideram filmes de ação banais, e estão mais interessadas no drama intimista, na mensagem social etc. Numa ficção-científica "pra valer", haveria uma tentativa bem maior de justificar cientificamente o multiverso, de convencer o espectador que aquilo está acontecendo. Aqui, a aventura é propositalmente surreal e cômica. (Idealismo Corrompido)

- Regras meio confusas: o que acontece a longo prazo com o corpo "deixado" pra trás num universo, ou com a consciência/memória do novo corpo possuído?

- As cenas de luta são muito bem coreografadas e filmadas — só não empolgam como num filme de ação tradicional pois não há heróis de verdade, uma situação crível, etc. Está mais pra um filme do Jackie Chan, mas que não se assume comédia também (essa linha borrada entre seriedade e autoparódia é típica do "Idealismo Corrompido").

- O filme tem dezenas de ideias por minuto, é super criativo, mas não pelo conceito do multiverso em si (essas distorções da realidade já são o feijão com arroz do cinema há 20 anos), mas sim pela maneira como ele explora a ideia, levando tudo ao extremo, e principalmente pelo estilo frenético de direção: pela edição acelerada, caótica, cheia de efeitos, pelo fluxo ininterrupto de ideias arbitrárias e surpreendentes, que te dão a sensação de estar vendo 2 horas de vídeos do TikTok sob o efeito de LSD (às vezes parece que o filme todo é um pretexto pra esse tipo de montagem).

- É interessante a ideia da Jobu Tupaki ter se tornado vilã por perder a noção de realidade objetiva, e o filme entender que niilismo e a relativização da realidade podem ser apenas racionalizações pra aliviar frustrações pessoais, sentimentos de culpa, etc. Só que o filme não é "pró-objetividade" como pode parecer: a narrativa é completamente anárquica e os diretores trabalham o tempo todo pra desintegrar o pensamento do espectador.

- Anti-heróis: a protagonista é a versão menos excepcional de Evelyn em todos os universos, a única que não é boa em nada, o que parece torná-la especial na trama (tipo a protagonista de Encanto).

- Como o filme é uma celebração do caos, da aleatoriedade, ele não precisa construir um universo coerente, ter preocupação com sentido, regras. Portanto é muito mais fácil do que escrever uma trama de ficção-científica de verdade, que requer uma integração inteligente de vários conceitos. Aqui vale tudo, e contradições são sempre bem vindas. Os diretores usam o mesmo truque do Christopher Nolan de certa forma — criam um universo paradoxal, desorientam a plateia, mas no meio do nonsense, inserem uma ou outra conexão lógica, detalhes mínimos que percebemos de relance e que têm algum sentido, criando a ilusão de que os cineastas pensaram em tudo meticulosamente, que o filme inteiro é feito de conexões geniais e simbologias que vão além do nosso QI. (Emoções Irracionais / Pseudo-Sofisticação)

- Com tanta coisa acontecendo, claro que de vez em quando acabam surgindo ideias engraçadas, boas sacadas (eu ri do plug anal, por exemplo). Mas assim como vídeos do TikTok, é tudo meio arbitrário e evapora em segundos.

- No começo dá a impressão que as viagens pelo multiverso serão apenas um trecho do filme, e que em algum momento ele voltará pra uma linha do tempo mais sólida (quando começa a Parte 2, por exemplo). Mas o caos nunca termina...

- O Senso de Vida negativo do filme é resumido bem na cena das pedras: o mundo é incompreensível, somos todos insignificantes, apenas pedaços de m****, portanto, resta sermos gentis uns com os outros.

- SPOILER: E tudo é sobre a "cura emocional" no fim (recomendo fortemente que leiam meu texto 1999 e o Declínio da Objetividade). A aventura, a ficção-científica, a salvação do mundo, tudo é apenas um pano de fundo, uma metáfora pra discutir o drama da garota lésbica que se sente mal pelo fato da mãe não aceitá-la 100%. E o conflito dessa vez nem é tão extremo, grandes traumas ou humilhações. Pelo que é mostrado, a filha até que se dá bem com a mãe, o avô não parece particularmente mau ou preconceituoso. É tudo baseado num certo incômodo; a mãe aceita a filha uns 80%, mas os 20% que faltam é o que provoca todo o caos. Em vez do "fim do mundo" ocorrer por causa de meteoros, tsunamis, invasões alienígenas como no cinema do passado, agora é um certo desconforto emocional que ameaça todo o tecido da realidade.

- Do lado positivo, o filme é incrivelmente bem realizado, feito com uma paixão e uma dedicação que são incomuns hoje. Não é um filme tão inovador quanto alguns podem pensar, porém ele sintetiza as tendências e o momento atual da cultura de forma memorável, e acaba se tornando um filme-referência, uma espécie de "clássico" instantâneo pro cinéfilo padrão.

- A performance de Michelle Yeoh é realmente estelar: ela consegue ser carismática como mãe, como heroína, como mulher comum, como estrela de Hollywood, convence em momentos dramáticos, cômicos, em cenas de ação etc. Adorei também ver o Ke Huy Quan, que faz o marido dela, e era o garotinho de Indiana Jones e o Templo da Perdição.

- A cena final é esperta, mas é um daqueles truques pra dar a impressão que estava tudo conectado, que tudo fazia sentido, quando na prática não havia essa racionalidade toda na construção da trama.

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Everything Everywhere All at Once / 2022 / Dan Kwan, Daniel Scheinert

Satisfação: 5

Categoria C: Idealismo Corrompido / toques de Anti-Idealismo

Filmes Parecidos: Corra, Lola, Corra (1998) / Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004) / Quero Ser John Malkovich (1999) / Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022) / Minari (2020) / Matrix (1999) / Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010)

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