(Capítulo 21 do livro Idealismo: Os Princípios Esquecidos do Cinema Americano)
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Essa é uma maneira comum que até filmes populares apelam para o Subjetivismo e rompem com o pilar da Objetividade. Não estou sugerindo aqui que esses recursos (trilha sonora, interpretação) sejam ruins — apenas que eles não devem tentar substituir os fatos e o conteúdo da história. Nos bons filmes, as duas coisas acontecem em conjunto: os fatos da história te conduzem a uma certa emoção, e daí o cineasta utiliza todos os “truques” cinematográficos junto com os atores para tornar aquela emoção mais vívida, intensa e real.
Os bons cineastas pressupõem sempre que o espectador seja racional e não esteja sujeito a manipulações baratas. Infelizmente, a verdade é que a maior parte da plateia está sim sujeita a essas manipulações, e responde prontamente a impressões superficiais, aparências, sugestões vagas, como se fossem equivalentes a fatos e acontecimentos concretos.
Por causa dessa deficiência, alguns filmes e cineastas conseguem se tornar extremamente populares apenas por saberem apertar esses “botões” e apelar para o lado emotivo dos espectadores, assim como um político pode chegar à presidência de um país hoje em dia sem ter nada de coerente a dizer, sem explicar claramente seus planos, apenas conseguindo criar certas emoções em seus discursos, sendo um bom showman, passando um ar de poder e respeitabilidade através de sua aparência e atitude, sem que nada disso esteja fundado na realidade.
Para ilustrar o que seriam emoções racionais, vamos pegar o filme E.T.: O Extraterrestre (1982), mais uma vez. Certamente a performance de Henry Thomas, os efeitos especiais e a música poderosa de John Williams contribuem muito para o impacto emocional do filme. Mas se o espectador se emociona no final, na sequência de despedida, por exemplo, não é apenas porque os personagens estão chorando em sua frente e a orquestra está tocando uma música bonita —, e sim porque os eventos da história o prepararam para aquele estado (talvez para o espectador puramente emocional, bastassem as lágrimas, as reações e a música fora de contexto, mas um bom filme sempre tentará atingir o espectador focado, consciente).
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Estou focando aqui na emoção de tristeza, mas isso vale pra todas as emoções e reações que um filme pode causar: um senso de vitória, surpresa, esperança, medo etc. Há sempre a maneira racional de provocar essas emoções, e a maneira fajuta, enganosa, que apela para impressões, aparências e clichês.
Imagine, por exemplo, um filme de esporte no qual os heróis precisam vencer a disputa final. Para o espectador ficar feliz com a vitória, algumas coisas teriam que ser estabelecidas antes. Primeiro, os protagonistas têm que fazer coisas concretas para que se tornem gostáveis, e, com isso, o espectador queira torcer por eles. Depois temos que ter uma noção da importância da vitória para eles: o que aquilo significará, que mudança irá trazer para suas vidas. E temos que saber do lado negativo também: o que de ruim pode acontecer caso eles não conquistem esse objetivo, e também por que os adversários não merecem a vitória. Obedecendo o Princípio do Contraste, precisamos também sentir um gostinho das emoções negativas associadas à perda, para que o objetivo não pareça fácil demais. Os adversários precisam parecer fortes, ameaçadores. E a vitória, quando ocorrer, tem que ser mostrada de maneira convincente. Esta seria a forma de criar uma emoção legítima.
Ainda assim, através do poder do cinema, é possível provocar arrepios e reações no espectador simplesmente através de técnicas, manipulação, apelando diretamente para as emoções, para o subconsciente. E, muitas vezes, mesmo o espectador objetivo pode se ver caindo nessa manipulação — se arrepiando contra sua vontade, com um misto de prazer e resistência. Mas essas serão sempre emoções superficiais se elas não forem apoiadas pelos eventos e elementos concretos que o espectador observou na história.
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É uma regra conhecida na literatura que o uso de adjetivos deve ser limitado — que o bom escritor deve mostrar ao invés de contar. Esse tipo de atalho no cinema é o equivalente ao uso excessivo de adjetivos na literatura.
Em todos os seus filmes, Nolan usa métodos parecidos para dar a impressão de que algo inteligente ou profundo está acontecendo. Em vez de apresentar uma série de fatos e ideias palpáveis, esperar que a plateia enxergue sozinha a inteligência naquelas associações, e, com isso, fique admirada, Nolan apela para emoções irracionais: confunde o espectador com tramas obscuras, impedindo que ele tenha uma medida exata daquilo que está sendo dito, toca em temas técnicos e confusos como viagem no tempo, física quântica, o funcionamento do cérebro, deixando o espectador desarmado, sem tempo de julgar as ideias com clareza, e, em cima disso, usa suas habilidades como cineasta para criar a impressão de um acontecimento profundo, arrebatador, com atores fazendo expressões de espanto, uma música épica tocando no último volume — imitando o estilo de uma cena dramática, mas sem o conteúdo que a tornaria de fato dramática.
Pegue, por exemplo, a cena de A Origem (2008) onde Leonardo DiCaprio desafia a personagem da Ellen Page a desenhar um labirinto que leve um minuto para ser solucionado. Ela tenta duas vezes, mas DiCaprio resolve o labirinto antes do tempo. Na terceira tentativa, Page é bem-sucedida, pois tem a ideia de desenhar um labirinto redondo, em vez de quadrado. Mas por que um labirinto redondo leva mais tempo para resolver do que um quadrado? Não fazemos ideia. A cena apenas cria a impressão de que ela foi inteligente, pensou “fora da caixa”, mas a ideia em si não faz sentido para o espectador (assim como a trama do filme todo). É bem diferente da cena de Contato (1997), de Robert Zemeckis, onde os cientistas tentam por dias sem sucesso encaixar as páginas de dados enviadas pelos extraterrestres, até que Hadden encontra a solução, pensando fora da caixa — imaginando uma estrutura em 3D em vez de um quebra-cabeça bidimensional. Ali nós entendemos a solução, e temos uma reação do tipo: “claro, por que não pensei nisso antes?!” — a ideia está conectada à realidade, então a descoberta vem seguida de uma satisfação genuína, e convence que o personagem foi inteligente.
Filmes do Nolan são um verdadeiro pesadelo epistemológico para um espectador com uma mentalidade objetiva. Assista as cenas de ação de Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008), como a luta na garagem com os múltiplos Batmans, ou a do Batman contra o time da SWAT no prédio, e repare no senso de caos, como o espectador nunca sabe exatamente o que está acontecendo, quem está onde, quem atirou em quem, como tudo parece uma colagem de imagens desconectadas — e compare isso com qualquer sequência de ação num filme de James Cameron. Estudem a excelente perseguição de moto no canal de O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final (1991), e repare como temos uma noção espacial perfeita a todo momento, como conseguimos observar e entender cada ação de cada personagem, como existe um senso de unidade, de causalidade, e como a cena segue uma linha inquebrada de raciocínio.
Embora Cameron goste de ficção científica e lide com acontecimentos impossíveis, ele sempre demonstra um enorme respeito pela razão em seus filmes, não só na maneira de contar a história e se comunicar com o espectador, como também apresentando heróis e heroínas que explicitamente funcionam com base na razão (me vem à mente Sigourney Weaver em Aliens – O Resgate perguntando aos seus empregadores da Weiland Corporation se os Q.I.s despencaram durante os anos que ela ficou hibernando no espaço). Nolan, por outro lado, não tem concepção de Objetividade, e isso se reflete tanto em suas histórias, que são sempre sobre realidades inconsistentes, universos paradoxais, personagens que não distinguem sonho de realidade, como também em seu estilo e sua maneira de se comunicar com o espectador.
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No livro The Romantic Manifesto, Ayn Rand faz uma comparação entre os estilos de literatura de Thomas Wolfe e Mickey Spillane que têm a ver exatamente com isso. Ela analisa trechos onde os dois autores fazem uma descrição da cidade de Nova York:
[...] os 2 artistas tiveram que recriar uma cena visual e transmitir certa atmosfera. Observe a diferença no método deles. Não há 1 único adjetivo ou palavra emocional na descrição de Spillane; ele não apresenta nada além de fatos visuais; porém ele seleciona apenas aqueles fatos e detalhes eloquentes que transmitem a realidade visual da cena e criam o clima de solidão.
Wolfe não descreve a cidade; ele não nos dá 1 única característica visual. Ele afirma que a cidade é “bonita”, mas não nos diz o que a torna bonita. Palavras como “bonita”, “espantosa”, “incomparável”, “excitante”, “adorável” são estimativas; na ausência de qualquer indicação do que foi que levou a essas estimativas, elas são afirmações arbitrárias e generalizações sem sentido.
O estilo de Spillane é orientado para a realidade e se dirige a uma mentalidade objetiva: ele fornece os fatos e espera que o leitor reaja de acordo. O estilo de Wolfe é orientado para emoções e se dirige a uma mentalidade subjetiva: ele espera que o leitor aceite emoções divorciadas de fatos, e que as aceite de segunda mão.
Spillane tem que ser lido em foco, pois a mente do próprio leitor é que tem que estimar os fatos apresentados e responder com as emoções apropriadas; se você o lê fora de foco, nada acontece — não existem generalizações soltas, pré-fabricadas, emoções pré-digeridas. Se você lê Wolfe fora de foco, você tem uma aproximação vaga, grandiloquente, sugerindo que ele disse algo importante ou inspirador; mas se você o lê em total foco, você percebe que ele não disse nada.
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