domingo, 30 de janeiro de 2022

O Beco do Pesadelo

Refilmagem de Guillermo del Toro do noir O Beco das Almas Perdidas (1947), que conta a história da ascensão e queda de Stanton Carlisle (Bradley Cooper), um homem que aprende técnicas de mentalismo num circo e decide usá-las fora do show para ganhar dinheiro, se aproveitando da ingenuidade das pessoas. Continuo achando del Toro um produtor competente, um ótimo criador de imagens, mas um contador de histórias apenas mediano. Por se tratar de um remake, aqui pelo menos ele parte de uma base mais sólida, e o resultado não é ruim. Mas algumas escolhas criativas prejudicam a narrativa, principalmente na primeira parte, que deveria ser apenas uma introdução resumida pra mostrar como o protagonista aprendeu seus truques (e introduzir a simbologia do "geek" que será relevante mais tarde), mas acaba se estendendo por quase 1 hora, deixando a gente sem entender pra onde a história está caminhando, ou qual a motivação do protagonista. É apenas quando ele sai do circo e se torna um vigarista que a história ganha mais energia, e a partir daí temos um filme razoavelmente interessante (História Idealista #5). Bradley Cooper, com seu jeito de galã bem nascido, até se sai bem na segunda parte, mas nunca convence como um "pé-rapado" ganancioso que saiu do nada, o que o deixa meio sem carisma na história — Tyrone Power convencia muito mais como vigarista no clássico, o que tornava sua jornada autodestrutiva mais fascinante de acompanhar. De qualquer forma, gostei de ver del Toro exercitando seus músculos narrativos, tentando contar uma história de forma tradicional, sem apelar para os discursos polêmicos que facilitaram o sucesso de A Forma da Água.

Nightmare Alley / 2021 / Guillermo del Toro

Nível de Satisfação: 6

Categoria B: Idealismo Crítico com algumas fraquezas de roteiro

Filmes Parecidos: O Grande Gatsby (2013) / Ilha do Medo (2010) / Dália Negra (2006)

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

C'mon C'mon

Drama em preto e branco da A24 dirigido por Mike Mills (Mulheres do Século 20), sobre um jornalista (Joaquin Phoenix) que precisa cuidar de seu sobrinho de 9 anos durante alguns dias enquanto sua mãe faz uma viagem de emergência. O filme é focado nas caracterizações e na relação entre o tio e o garoto. Assim como Belfast, é um filme Naturalista sobre pessoas e eventos ordinários, mas que não é desagradável de ver, por mostrar relações de ternura, ter boas atuações, além de uma fotografia bonita. Lembrando A Filha Perdida em outro aspecto, é um filme que busca trazer um senso de conforto para adultos que se sentem perdidos, falhando no papel de pai/mãe — a geração atual de pais que cresceu, mas que por algum motivo nunca adquiriu o mesmo senso de responsabilidade e maturidade dos adultos do passado, e portanto não se sente apta a orientar, dar convicções às crianças, exceto talvez a convicção de que "tudo bem não estar tudo bem", de que não há problemas em estar confuso, com raiva, e que a única coisa que sabemos é que não há certezas e que o futuro não está em nossas mãos. O filme é intercalado por entrevistas com crianças que o protagonista está gravando pelo país para um projeto de rádio, onde elas falam sobre suas vidas e expectativas para o futuro. O que as entrevistas revelam são crianças que às vezes parecem mais adultas do que os próprios adultos, sem a inocência que caracterizava as crianças do passado, e altamente preocupadas com conflitos sociais, ameaças climáticas, além de saberem tudo sobre psicologia e estratégias de "coping". Um retrato um tanto sinistro dos tempos atuais, mas feito com sensibilidade.

C'mon C'mon / 2021 / Mike Mills

Nível de Satisfação: 6

Categoria D: Não Idealismo (Naturalismo / filme de "conforto")

Filmes Parecidos: Belfast (2021) / A Filha Perdida (2021) / História de um Casamento (2019) / Kramer vs. Kramer (1979)

domingo, 16 de janeiro de 2022

A Tragédia de Macbeth

Gravado inteiramente em estúdio e em preto e branco, este primeiro filme de Joel Coen sem o irmão Ethan é marcado por uma fotografia estilizada, essencialista, que honra a teatralidade do material. É preciso gostar de Shakespeare e ter certa familiaridade com a peça pra aproveitar melhor a história, pois o texto não foi modernizado, o que torna os diálogos e a trama difíceis de acompanhar. Há quem veja isso como mérito, mas pra mim é uma falha estética e um sinal de desconsideração pelo espectador. Cinema é uma arte primeiramente visual, e histórias que dependem demais de texto para funcionar já costumam me distanciar mesmo quando os diálogos são perfeitamente compreensíveis. Além disso, a verdade é que mesmo uma versão modernizada de Macbeth dificilmente me agradaria totalmente, pela simples natureza da trama. No texto "As 5 Histórias Idealistas" eu discuto como é possível transformar uma história trágica, sobre personagens falhos, em uma experiência satisfatória para o espectador — algo que Kurosawa fez bem em algumas de suas adaptações, mas que não foi uma grande prioridade de Joel Coen. Há muito o que admirar tecnicamente em A Tragédia de Macbeth, desde o visual meticuloso ao contorcionismo impressionante de Kathryn Hunter no papel das bruxas, mas se o que você busca no cinema é se conectar com os personagens, se envolver no drama, sentir qualquer tipo de emoção positiva, este filme não foi feito com você em mente.

The Tragedy of Macbeth / 2021 / Joel Coen

Nível de Satisfação: 4

Categoria D: Não Idealismo (filme de autor / exercício de estilo)

Filmes Parecidos: Macbeth - Reinado de Sangue (1948) / Otelo (1951) / Macbeth: Ambição e Guerra (2015) / Aurora (1927) / O Martírio de Joana D'Arc (1928)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Pânico

Assim como Matrix Resurrections, temos aqui mais uma sessão-nostalgia dos anos 90; uma sequência cheia de metalinguagem e autorreferências, que torna explícita sua consciência sobre as expectativas do público e sobre a franquia em si enquanto produto cultural. Há inúmeras discussões irônicas (e muito espertas) sobre tendências cinematográficas, e um dos personagens dá o nome de "requel" pra esse novo tipo de sequência que anda em alta em Hollywood: um misto de "reboot" com "sequel" que é a fórmula do momento para tentar agradar tanto fãs tradicionais quanto espectadores mais jovens. Como o Pânico original já era marcado por esse tipo de discussão e ironia, não vi isso como uma tentativa de subverter o gênero (como em Rua do Medo ou Halloween Kills) e sim como fidelidade aos elementos tradicionais da série. Pode-se dizer que o original é que foi o filme subversivo, mas uma coisa que ajuda Pânico é o fato das piadas ficarem a cargo dos personagens secundários; quando Sidney entra em cena, ela leva tudo bastante a sério, e o filme a retrata como uma heroína legítima — ela é a âncora que impede o filme de descambar pro "Idealismo Corrompido". Achei muito divertida a maneira em que os cineastas brincam com os clichês do gênero e com os padrões estabelecidos dentro da própria franquia, mas há boas mortes e ideias o suficiente pra que o filme não pareça apenas um receptáculo barato para fan-service.

Scream / 2022 / Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett

Nível de Satisfação: 8

Categoria A: Idealismo com toques de Idealismo Corrompido

Filmes Parecidos: Halloween (2018) / O Homem Invisível (2020) / Matrix Resurrections (2021) / Ghostbusters: Mais Além (2021) / Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997) / Pânico (1996)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

O Cavaleiro Verde

Épico de fantasia escrito e dirigido por David Lowery baseado nas lendas do rei Artur, onde Sir Gawain (Dev Patel), sobrinho do rei, aceita um desafio de um cavaleiro misterioso, e pra provar sua coragem, acaba colocando seu futuro em risco. No meu texto "As 5 Histórias Idealistas" eu explico meu problema com filmes que se baseiam na Jornada do Herói, e parte do que me incomoda nessa história tem a ver com isso: o fato da missão ser totalmente aleatória, sem base alguma em desejos e valores autênticos do personagem, algo que faça sentido para o espectador. Tudo o que ele faz parece em nome de um senso de dever, de cumprir seu "destino", o que torna a aventura impessoal e desinteressante. É uma história para aqueles que acreditam que honra vem de sacrifício, sofrimento, de abrir mão de sua vida em nome de tradições e convenções dos tempos — Gawain parece achar que o ápice da coragem e da respeitabilidade é se ajoelhar e permitir que um estranho corte sua cabeça com um machado; não por um senso de justiça, por achar ser merecido, mas simplesmente porque é doloroso, requer abnegação, autocontrole (uma daquelas esquisitices cristãs que só faz sentido pra quem é do meio) mesmo quando o sacrifício é baseado num grande nada: num desafio idiota do primeiro valentão que cruzou seu caminho; o que no fundo só prova o quão passivo e facilmente dominado pelas irracionalidades dos outros ele é. Como se não bastasse a narrativa tediosa e a base moral arcaica da história, tudo é contado pelo verniz Pseudo-Sofisticado da A24, que descobriu que o terror não é o único gênero mainstream que pode ser desconstruído pra fazer seu público pensar estar consumindo algo mais "artístico". Lowery aposta na direção pretensiosa que fez seu nome em A Ghost Story, e acha que atores sussurrando em tom melancólico podem transformar diálogos tolos em algo épico, e que uma linguagem não-objetiva, estrategicamente confusa, é capaz de transformar um roteiro vazio e formulaico em algo além disso.

The Green Knight / 2021 / David Lowery

Nível de Satisfação: 2

Categoria C: Idealismo Corrompido (Pseudo-Sofisticação)

Filmes Parecidos: Saint Maud (2019) / Pig (2021) / A Ghost Story (2017) / A Bruxa (2015) / O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (2001)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

O Festival do Amor

Se você é fã de Woody Allen, você vai ter a sensação de já ter visto esta história várias vezes antes: um intelectual inseguro de meia-idade (Wallace Shawn — Woody não aparece como ator) acompanha a esposa ao festival de cinema de San Sebastián, onde ele começa suspeitar que ela está tendo um caso com um cineasta jovem e cool com quem ela trabalha, o que desperta nele seus próprios desejos de sair com outras mulheres.

Mesmo em suas produções mais rotineiras, Woody costuma sempre apresentar alguma sacada que justifique o trabalho — algum conceito criativo de trama que dê novos ares aos seus velhos temas. A trama aqui é simples, sem grandes ideias — são as sequências de sonho que intercalam a história que trazem algo de memorável à produção. Em parceria mais uma vez com o grande fotógrafo Vittorio Storaro, Woody faz sua "carta de amor" ao cinema europeu e a diretores como Bergman, Godard, Truffaut, Fellini, reproduzindo cenas icônicas de seus filmes mais conhecidos. Embora não seja necessário conhecer os clássicos pra acompanhar a história, ainda é um filme feito por cinéfilos para cinéfilos, e muito da graça vai se perder pra quem não fizer parte do "clube", até porque vários dos diálogos são sobre filmes e têm piadinhas internas que só quem entende do assunto vai aproveitar. Não é dos filmes mais ambiciosos do diretor, mas comparado aos 3, 4 últimos, este me pareceu um dos mais autênticos e pessoais, não só pelos temas discutidos, mas também porque pra mim as histórias de Woody sempre convencem mais com "velhos chatos" no papel principal do que quando ele traz os novinhos em alta de Hollywood pra parecer antenado.

Rifkin's Festival / 2020 / Woody Allen

Nível de Satisfação: 7

Categoria B/D: Idealismo "soft", temperado por realismo / filme de autor

Filmes Parecidos: Café Society (2016) / Um Dia de Chuva em Nova York (2019) / Meia-Noite em Paris (2011)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

A Filha Perdida

Primeiro longa dirigido pela atriz Maggie Gyllenhaal, sobre uma professora (Olivia Colman) de férias numa praia da Grécia, que ao conhecer uma mulher mais jovem e sua filha, começa a lidar com memórias difíceis de seu próprio passado como mãe. É um desses filmes sem trama, cujo foco é o estudo de personagem — acompanhamos a protagonista em uma série de situações cotidianas, conhecendo pessoas novas, se envolvendo em pequenos conflitos, enquanto informações sobre seu passado vão sendo reveladas aos poucos via flashbacks. Pra que esse tipo de filme não seja tedioso, ou o objeto de estudo precisa ser realmente fascinante, ou o filme precisa ter muita profundidade, muita sensibilidade psicológica, pra que a análise em si seja rica, independentemente dos atrativos do personagem. A Filha Perdida não tem nem uma coisa, nem outra. O filme parece ansioso pra soar maduro, complexo, mas há algo de fajuto em seu núcleo. Os personagens estão sempre agindo de maneira estranha, tendo reações antinaturais, autodestrutivas, e é através desses toques de excentricidade e de malevolência que ele ganha um ar de "complexidade", não através de real substância. Um dos grandes propósitos da história, por exemplo, é o de ir contra a idealização da maternidade: mostrar que mães erram, traem, são seres sexuais, contraditórios, podem desprezar os próprios filhos e até fantasiar abandoná-los. É com esse tipo de "desconstrução" que o filme busca sua relevância; mas quando você para pra analisar os diálogos, as caracterizações, os eventos do roteiro, não há nada de realmente sensível ou inteligente sendo apresentado. Talvez sirva como terapia para mães atormentadas por seus erros e imperfeições, e que enxergarão em Leda algum tipo de conforto. Mas pra mim, pareceu um filme de estudante pretensioso tentando se passar por cinema europeu. Olivia Colman é a única coisa que se salva, mas ela empresta ao filme uma respeitabilidade que ele não merece.

The Lost Daughter / 2021 / Maggie Gyllenhaal

Nível de Satisfação: 3

Categoria D/F: Naturalismo / toques de Anti-Idealismo

Filmes Parecidos: Nomadland (2020) / Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (2020) / Tully (2018) / Pedaços de uma Mulher (2020) / Me Chame pelo Seu Nome (2017) / A Liberdade é Azul (1993)