domingo, 1 de setembro de 2019

Parasita

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- Como o filme foi o grande vencedor de Cannes, já imagino que a história será em grande parte Naturalista e motivada por uma ideologia de esquerda, mas pelo menos no começo, o filme tem elementos narrativos o bastante pra prender o espectador "normal": o ritmo é estimulante, a direção guia a atenção da plateia a todo momento, se comunica objetivamente, os personagens apesar de não serem admiráveis são divertidos pois são mostrados sob uma lente de humor (é pra rirmos deles e não sentirmos pena), a situação é envolvente pois o protagonista está mentindo no trabalho, o que gera certo suspense (a história é sobre uma situação incomum, tem um gancho narrativo, não é um retrato social monótono como de costume, etc).

- Em geral nesse tipo de filme os ricos são os vilões e os empregados são retratados como vítimas. Aqui o filme surpreende, pois deixa claro que o que os empregados estão fazendo é imoral. Ele também não vilaniza os patrões só por serem ricos. O grande problema é que o filme trata as atitudes dos empregados de maneira leve, como se fosse algo cômico, uma desonestidade perdoável, quando na verdade é algo odioso.

- A situação é um pouco artificial. Se os empregados fossem tão competentes assim a ponto de trabalharem pra uma família de padrão elevado e impressioná-los com seus serviços, será que eles seriam tão pobres de fato? Será que teriam que apelar pra algo tão desonesto e radical pra conseguirem trabalhar? Não conseguiriam um emprego honestamente? E se os ricos fossem tão ingênuos assim, sem o menor senso de julgamento, será que eles seriam ricos?

- O roteiro é criativo, bem escrito. A maneira como eles vão conseguindo se livrar dos antigos empregados é muito imaginativa (e revoltante). Ou pequenos toques como o filho estranhar que todos têm o mesmo cheiro (e colocar a mentira em risco).

- Vai ficando cada vez mais incômodo o fato do filme não condenar as atitudes dos empregados (a maldade que eles fazem com os outros funcionários, eles usufruindo da casa enquanto os patrões viajam, etc). O filme não responsabiliza totalmente os personagens pois parece acreditar que isso tudo é culpa do "sistema", da "desigualdade", e portanto eles não são pessoas tão condenáveis assim - a noção de que o pobre não tem opção a não ser agir imoralmente numa sociedade capitalista (a mãe sugere isso quando diz que, se fosse rica, ela seria uma boa pessoa também, assim como a patroa).

- SPOILER: Divertida a reviravolta envolvendo a antiga empregada e o marido dela no subsolo. E também os patrões resolverem voltar mais cedo de viagem. A situação vai ficando cada vez mais tensa e absurda.

- É genial a maneira como o filme cria a metáfora dos pobres como "parasitas". Claro que o filme não acredita que eles sejam parasitas de fato (é mais provável o diretor acreditar que os ricos é que são os parasitas), mas a narrativa sugere que os pobres se tornam parasitas ou acabam tendo que agir como parasitas na sociedade atual - se escondendo debaixo de móveis e se arrastando (literalmente) pelo chão feito baratas, ou mais tarde na cena da tempestade onde eles parecem ratos nadando em esgotos. Discordo totalmente da análise social que o filme faz, mas a maneira como ele apresenta o tema é inteligente.

- O senso de humilhação do pobre (por causa da desigualdade) também é muito bem retratado (as observações casuais do patrão sobre o cheiro do motorista, etc). Leva a discussão da desigualdade além da questão financeira, mais pra um lado pessoal.

- O filme deveria ser sobre o mal da desonestidade - nada disso teria acontecido se os protagonistas fossem honestos, minimamente decentes. Mas o filme quer fazer parecer que isso não é culpa deles totalmente, que o problema no fundo é a desigualdade. Começa a querer que a gente sinta pena deles, os veja como vítimas.

- A cena da tempestade parece não ter muita função na trama - só serve pra enfatizar como é difícil a vida do pobre, que tem que lidar com tragédias pessoais todo dia e ainda manter uma aparência civilizada no trabalho pra cuidar das futilidades dos ricos (o motorista tendo que se fantasiar de índio na festinha infantil, etc).

- SPOILER: Outra metáfora bem feita é a da pedra que simboliza a riqueza, a boa sorte, o desejo de se tornar rico - e como no final ela se torna uma arma, um instrumento para o mal. Também discordo da crítica (da ideia de que o capitalismo é um sistema perverso), mas acho válida a maneira como o filme faz uso do simbolismo.

- SPOILER: Claro que no fim isso tudo resultaria nos pobres se revoltando e assassinando os ricos (curioso que o que dispara o gatilho do pai no fim antes dele matar o patrão é o detalhe do cheiro - a desigualdade de autoestima, de valor próprio, e nem tanto econômica).

- SPOILER: Sintomático dos tempos atuais que, assim como Bacurau, este é mais um filme aclamado em Cannes que mostra uma vingança brutal dos "excluídos da sociedade" contra os ricos.

- Meio forçada essa ideia da mensagem via código morse (mas é interessante e simbólica a ideia do pai decidir viver escondido no subsolo da mansão).

CONCLUSÃO: Acho a discussão equivocada, as ideias do filme totalmente falsas, imorais - mas a maneira como ele desenvolve o tema é inteligente e rica cinematograficamente.

(Parasite / Coreia do Sul / 2019 / Bong Joon Ho)

NOTA: 7.5

6 comentários:

Anônimo disse...

Olá.

A lista "Dicas do Caio" do IMDB está restrita ao público, marcada como não disponível para visualização.

Caio Amaral disse...

Ah, é que ainda estava testando o layout hehe, mas vê se funcionou... liberei agora, tks!!

Anônimo disse...

Funcionou. Deu certinho.

Tkns eu. kk

Obrigado pela lista. Acompanho seu blog desde 2013 mas comentei raríssimas vezes aqui. Apenas situações pontuais como esta. Continue com o bom trabalho. Melhor crítico que eu conheço.

Caio Amaral disse...

obrigado!! fico feliz pelos que me acompanham aqui.. não sou crítico profissionalmente, mas de tudo que faço na vida, acho que é daqui que vem minha fonte mais estável de satisfação; todo esse processo de reflexão, de ir formando e polindo as ideias ao longo dos anos.. é um grande prazer, então fico feliz quando outros se interessam também. abs!

Anônimo disse...

Claramente você não é um crítico profissionalmente. Sua reflexão gira em torno do próprio umbigo, onde o que vale é seu ponto de vista formado antes do filme, e não a reflexão que ele traz. Abraços, creio que deva rever seus ideais - sobre cinema e o sistema capitalista.

Caio Amaral disse...

Isso porque eu elogiei a qualidade do filme, apesar de discordar da mensagem.. O que seria um "crítico profissional" na sua opinião então, alguém que além de ser objetivo e julgar o filme com base em méritos estéticos, também fosse convertido pela ideologia? Se eu fosse esquerdista minha análise do filme seria mais "profissional" pra você então? É o que parece..