quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Cats

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- A produção é boa em termos de direção de arte, fotografia. Os efeitos nem são tão ruins - os gatos são bizarros, mas isso é mais um problema de design do que da qualidade do CGI.

- O começo já não funciona muito bem. Teria sido melhor mostrar como era a vida da Victoria antes dela ser abandonada, apresentar a personagem, o universo dela, os desejos dela, pra daí acontecer a reviravolta e ela ir parar no mundo dos gatos "Jellicle". Do jeito que acontece, não há nenhum contraste entre o que ela era antes e o que ela será agora. É apenas mais uma gata se juntando a um grupo de gatos... Não há uma diferença fundamental entre ela e os "Jellicle". Não é como uma pessoa normal descobrindo um mundo fantástico, tipo Dorothy em O Mágico de Oz. Se Dorothy já fosse uma criatura igual às do mundo de Oz, tipo uma "mulher de lata", não haveria surpresa descobrir esse novo mundo.

- Toda a sequência da gata gordinha (Rebel Wilson) merece um lugar na lista dos piores momentos da história do cinema. Não só o CGI dela ficou ainda mais bizarro que o dos outros gatos, como a parte dos ratos e das baratas dançando é de um mau gosto indescritível.

- As músicas são fracas, e são usadas de maneira ruim - não avançam a história, não surgem em contextos adequados dramaticamente. Até porque não há história nem narrativa (literalmente!). O filme é apenas uma sequência de gatos se apresentando.

- Emoções Irracionais: um dos problemas fundamentais que tornam Cats um musical ruim, é a tentativa de criar significado através de emoções diretamente, não através de história, conteúdo. O filme não tem enredo, protagonistas, não tem personagens bem construídos, são apenas gatos aleatórios se apresentando um atrás do outro... No entanto, o filme espera que o espectador se emocione profundamente a cada cena, só porque todos os gatos indicam que agora é um momento de sentir algo... "Oh, aí vem a velha Deutoronomy!!", e de repente estão todos boquiabertos, chorando, uma música grandiosa começa a tocar, entra a Judi Dench com um olhar solene, e o filme espera que a gente ache tudo comovente e épico, sendo que até 1 minuto atrás nem sabíamos quem era essa personagem, não havia expectativa nenhuma pra esse momento. O mesmo acontece com a principal canção do musical ("Memory") que no fim é uma cena totalmente vazia, apenas uma música aleatória no meio de tantas outras, que "soa" pomposa e importante simplesmente por qualidades melódicas, não porque o momento em si é importante.

- Os vocais do filme são ruins. Provavelmente o diretor Tom Hooper usou a técnica de fazer os atores cantarem ao vivo no set, assim como ele fez em Os Miseráveis, o que acaba estragando as músicas (principalmente as mais românticas). É um compromisso desnecessário com realismo, ainda mais quando se trata de um filme sobre gatos com rostos humanos, braços e pernas. A "protagonista" Francesca Hayward foi contratada por ser bailarina, mas ela não é cantora profissional, o que dá pra perceber.

- Não há nenhum suspense ou interesse em descobrir qual será a "escolha Jellicle". O filme não tem protagonista de fato, ninguém pra gente torcer, não apresenta nenhum conflito interessante.

- O musical da Broadway pra mim nunca teve muita graça. Talvez a única coisa que explique a popularidade e longevidade da peça, é o fato dela parecer ter sido escrita em função dos atores, pra agradar profissionais do meio teatral, afinal a peça dá oportunidade pra 20 atores diferentes (magros, gordos, brancos, negros, jovens, velhos, bailarinos clássicos, sapateadores) terem sua canção solo, seu momento pra bilhar no palco. É perfeito pra audições, ou como plataforma pra atores mostrarem suas habilidades, mas pra plateia não faz o menor sentido.

- Embora o filme seja fantasioso, no fim ele é profundamente Naturalista, não só pela ausência de trama e pelo foco em caracterizações, mas também pela maneira como ele caracteriza os gatos: em vez dos gatos representarem arquétipos universais, valores morais com os quais o espectador possa se identificar, eles são apenas gatos específicos, com nomes exóticos, hábitos particulares. Quando você assiste um filme tipo A Bela e a Fera, por exemplo, você se interessa pelos personagens pois, através de suas ações, eles vão se tornando símbolos de bondade, ou maldade, ou ganância, ou independência, e com base nisso você vai passando a torcer por um, por outro, vai desejando ou temendo que algo aconteça na história. Aqui o filme fica apenas descrevendo vários personagens e suas particularidades irrelevantes que nada interessam à plateia: gato X gosta de fazer tais coisas, se veste de tal jeito, fala com tais maneirismos... gato Y tem outras peculiaridades... Isso é mais próximo do cinema Naturalista, que espera que a gente se interesse pelos personagens não com base em valores, mas porque é importante conhecer outros povos, pessoas com hábitos diferentes, dar visibilidade a outras culturas, etc.

- Quando a Judi Dench chega pra avaliar os gatos e decidir qual será o escolhido, em vez de mudar a estrutura do filme, ele apenas continua a apresentar gatos inéditos. Nem faz sentido. A gente passou 1 hora e meia vendo gatos se apresentando, mas eles não estavam se apresentando diante da Judi Dench ainda, apenas para a plateia e para os outros gatos Jellicle. A Judi Dench só chegou depois e não viu esses primeiros gatos. Então no final, não deveria acontecer uma apresentação / resumo de todos eles pra ela poder avaliar? Ela vai basear a escolha dela só nesses últimos gatos que ela pôde assistir? E todos os outros?

- É estranho o momento da Taylor Swift... Pra que toda essa entrada triunfal, sendo que no fim a música é sobre o Macavity, e ela seria apenas uma assistente introduzindo ele? Não faz sentido ela roubar a cena dessa forma, sendo uma personagem tão secundária (claro, pra uma atriz de musical principiante que quer ter seu momento no palco deve fazer muito sentido ter essa cena).

- Péssimo esse final com teletransporte, o mágico amador tendo que se provar pra resgatar a Judi Dench daquele bote... Deve ser um dos artifícios de trama mais aleatórios já escritos.

- Péssima a performance final de "Memory", que supostamente seria o momento mais bonito do filme. Os vocais são cheios de defeitinhos e toques realistas (deixados de propósito), sem falar na expressão feia da Jennifer Hudson, no ranho escorrendo do nariz o filme inteiro. É a noção de que o que é visceral e imperfeito é mais "belo". E por que ela é a escolhida no final? Não há nada de especial nela em comparação com os outros gatos... A única "virtude" dela é ela se parecer com uma mendiga, aparentar ser a mais sofrida... E segundo as regras do altruísmo, quem sofre mais merece todas as honras, mesmo que não tenha qualidades positivas.

- Judi Dench é uma grande atriz, mas está sofrendo aqui pra cantar. Toda essa sequência após a escolha do gato parece arrastada e anticlimática.

Cats (Reino Unido, EUA / 2019 / Tom Hooper)

NOTA: 1.0

3 comentários:

Josiberto disse...

Fiquei impressionado, pois no fim da critica ainda vi nota 1. Hahahahah

Caio Amaral disse...

Dei 1 pontinho só pra não ser visto como radical e perder credibilidade kkkk.

Anônimo disse...

Só vi um pedaço de "Cats" na TV um tempo atrás, mas logo notei que a escolhida era a que cantou "Memory", diante daquela sofrência toda. A peça ficaria ainda mais boba se fosse outro.
Pedro.