sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Coringa

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- A performance do Joaquin Phoenix é forte porém um pouco forçada já desde o início. O filme mal começa e ele já está rindo loucamente, chorando, fazendo caretas bizarras, sendo que ainda não temos nenhuma informação sobre o personagem, não sabemos quem ele é, por que ele é assim. A atuação deveria servir à história em primeiro lugar, se não corre o risco de virar exibicionismo (o fato dele já parecer insano e ameaçador desde a primeira imagem também enfraquece o arco do personagem, pois não há uma diferença tão grande entre o que ele é no começo e o que ele se torna no final).

- O personagem não parece ter nada a ver com o Coringa do Batman. É como se fosse um remake de Taxi Driver (sem muita autenticidade) onde simplesmente trocaram algumas páginas do roteiro, mudaram a profissão do protagonista pra palhaço e chamaram a cidade de Gotham.

- Pseudo-sofisticação: o filme acha que é mais artístico e profundo (que um filme tradicional do gênero) por ser Anti-Idealista. Em vez de um verdadeiro entretenimento, agora a franquia está flertando com o cinema Naturalista, transformou o Coringa num americano comum, pobre, que cuida da mãe idosa (não é mais um super-vilão - no Naturalismo nada pode ser "super"), quer discutir questões sociais, problemas psicológicos, fazer um estudo de personagem intimista em vez de criar um grande espetáculo (mais ou menos como Logan fez pra conseguir respeito da crítica). Sem falar na ênfase na feiúra do Joaquin Phoenix (quando um ator abre mão do ego e se mostra horrível em cena, é garantia de prêmios).

- Alerta Vermelho: o filme é anti-americano, anti-ricos... É como se a "América malvada" fosse a culpada pelos problemas do Coringa (e de todos os americanos "excluídos pela sociedade") por não ter lhe dado o sonho prometido. O Coringa se tornou a vítima, e os Wayne (ou seja, o Batman) é o grande vilão por representar os ricos. Há uma completa inversão de valores.

- O filme se torna moralmente condenável por querer justificar a maldade do Coringa e pedir pro espectador ter empatia por ele, torcer por ele. É possível criar um vilão forte, carismático, como Hannibal Lecter por exemplo, mas sem pedir que o espectador tenha pena, o veja como vítima.

- O Coringa não tem o menor talento, a menor vocação pra ser comediante, e o culpado no fim não é ele, mas o capitalismo, o “sistema” - como se a América tivesse o dever de realizar os sonhos irracionais de todos os cidadãos (talvez o filme seja tão popular pois é muito mais agradável culpar o sistema por suas frustrações do que assumir responsabilidade).

- A capa do jornal diz "MATEM OS RICOS - Um novo movimento?" - parece até um comentário sobre o cinema de 2019, considerando que vários dos filmes mais aclamados do ano como Parasita, Bacurau, são justamente sobre matar os ricos.

- Não há uma boa trama, um bom enredo de fato. Em termos de narrativa o filme é apenas uma série de coisas ruins acontecendo ao Coringa pra mostrar como a vida é cruel com ele. O máximo de interesse narrativo que isso gera é o senso de que no final ele irá explodir e sair matando todo mundo. Mas isso só será um clímax satisfatório pro espectador que estiver torcendo pelo Coringa, simpatizando pelas queixas do personagem. Para os outros, não há algo de muito positivo a ser aguardado.

- A direção tenta glamourizar o Coringa, torná-lo cool... Não há problemas em tornar um vilão cool no contexto de um filme que claramente o condena moralmente (tipo Darth Vader, Alien, etc), onde o foco é o herói, os personagens "do bem", e o vilão é apenas algo ameaçador a ser derrotado. Mas aqui todo o foco é no mal. Não temos um herói pra nos apoiarmos, pra servir de contraponto. SPOILER: No final o Coringa termina em cima do carro sendo aplaudido, aclamado pela população, vitorioso, rindo ao som de uma música alegre. O filme acaba cultuando a violência, é feito pra "empoderar" o espectador revoltado, que também se sente um dos excluídos e deseja vingança.

Joker (Canadá, EUA / 2019 / Todd Phillips)

NOTA: 4.0

18 comentários:

Dood disse...

O mais engraçado é que o filme claramente passa valores comafinidade com a esquerda e certos críticos aí ficam dizendo que ele faz apologia ao comportamento incel e que icentivaria isso dizendo que os incels seriam terroristas em potencial.

Caio Amaral disse...

Não conhecia esse movimento, Dood.. mas no filme, o Coringa tem uma relação com uma mulher, não parece ser esse o problema dele.. e sim o fato dele não ser rico, não ter sucesso profissional, qualidade de vida, prestígio e tudo mais... abs!

Dood disse...

Realmente fico sem entender o critério de julgamento de quem analisou esse prisma nesta pelicula. Então não há outra explicação que não seja o ataque gratuito em cima de um grupo deslocado que consome material de heróis e compania.

Caio Amaral disse...

Bom.. o discurso explícito é de esquerda, anti-ricos.. mas claro que existe um subtexto que pode levar a essa outra interpretação.. afinal o Coringa não se parece com um típico ativista de esquerda.. a esquerda quase sempre se manifesta em grupos e não sozinha.. contra o governo e não contra cidadãos específicos.. se identificam com minorias, já o Coringa é homem, hétero, branco, americano.. então ele não se parece com uma figura da esquerda, e sim com um desses lobos solitários que saem atirando em escolas, etc.. homens que ressentem os outros não por questões econômicas, mas mais por questões interpessoais, etc.. e que estão mais associados à mentalidade conservadora.. Então o personagem acaba servindo de espelho pros "revoltados" dos 2 lados, em níveis diferentes.. talvez por isso agrade o público de maneira tão unânime.. abs!

Dood disse...

Sim, só que no caso dos Incels como você vai condenar alguém cujo tem como a repulsa por um relacionamento involuntário. Já que há casos e casos e que psicopatia é muito mais que um isolamento social, essas pessoas acabam mais segregadas do que já são.

Eu pego por exemplo os próprios nerds, eles continuam sendo segregados por mais que sua cultura seja moda os que a consomem em massa atualmente estão longe do estereótipo de nerd.

Caio Amaral disse...

Não entendi direito o que você quis dizer sobre os Incels (a primeira frase).. Mas não acho que o Coringa faça uma crítica muito clara e específica sobre esse grupo... o personagem acaba apenas representando um sentimento generalizado de exclusão, revolta contra a sociedade, insatisfação com a própria vida.. e isso ressoa com muita gente, pois é muito mais fácil culpar o sistema, a sociedade, do que assumir responsabilidade..

Dood disse...

É que o Coringa do filme é mais um personagem revoltado contra um sistema do que um incompreendido por um grupo que o hostiliza por não o compreender.

O deslocado não necessariamente se revolta contra um sistema.



Anônimo disse...

Até falando mal do filme, você é charmoso! Entendo e respeito seu ponto de vista, mas pra mim o filme foi impecável! O ator tá perfeito

XX ;)

Caio Amaral disse...

Obrigado..! rs.
O Joaquin Phoenix é um ator excepcional.. acho que ele está muito bem no filme, exceto por alguns exageros como esse do começo. abs!

Caio Amaral disse...

Dood.. no filme, o fato dele ser deslocado e "ignorado" pelo sistema é justamente o que o leva a se revoltar.. uma coisa é consequência da outra, mas concordo que nem todo deslocado é perigoso assim hehe. abs!

Dood disse...

Caio todo mundo se revolta, aliás a revolta é parte do processo de auto conhecimento e conhecimento de como a vida funciona.

Falo isso por experiência própria e por ter sido muito descolado na infância e adolescência e ter sido praticamente o que chamam hoje de Incel.

Caio Amaral disse...

Hmm, entendi! Sim.. insatisfação com a humanidade, com a cultura.. isso acho que é normal.. o que é problemático é quando a pessoa culpa o resto do mundo por problemas que no fundo são dela.. ou que são apenas fatos da vida, sem culpados em particular.. acho que esse é o mal do Coringa no filme né. abs.

Dood disse...

Sim, aliás vi uma postagem no facebook interessante sobre isso: que as pessoas não podem enxergar o Coringa como um rebelde com boas intenções. Porque ele é praticamente um cara que culpa a sociedade pelos seus defeitos. Na HQ a tragédia que o transforma nesse louco psicopata foi justamente um ato ilícito que poderia ter sido evitado, ele tinha a escolha de não fazer.

Aliás tem uma exata descrição dele feita por Batman do personagem nos quadrinhos:

Meu pior inimigo começou sua carreira como um ladrão conhecido como Capuz Vermelho. Na primeira vez que nos enfrentamos, ele caiu num recipiente de resíduos químicos numa fábrica de cartas em Gothan City. Os produtos alteraram as características do ladrão, exarcebando suas feições.

Acreditando que esse acidente foi um presságio, eleabraçou sua nova aparência e a ironia que aconteceu no local. O capuz vermelho se tornou Coringa.

Ele adotou uma série de piadas com armas mortais - incluindo aperto de mão elétricos, flores de lapela que esquicham ácido e muito mais.

Estou convencido de que, embora seu instinto assassino, sua risada maníaca e seu comportamento enlouquecido são aspectos do seu eu insano, ele está bem distante do que aparenta ser loucura. A maior piada do Coringa foi ludibriar a sociedade durante todos esses anos, mascarando-se como um homem louco, como o o objetivo de ser atirado na instituição e ser tratado como louco, para ser reabilitado e não punido em uma penitenciária. É uma estratégia digna de um jogador de cartas, talvez justifique a alcunha que recebeu, honrando o nome dessa carta do baralho.

Anônimo disse...

E ninguém estranha um filme anti-ricos feito por uma corporação milionária.

Caio Amaral disse...

É que nem político que se torna popular com um discurso anti-ricos.. mas no fim é milionário, hehe.

Anônimo disse...

Muitos veem como inspiração do "Coringa" o filme "O Rei da Comédia" de Martin Scorsese. Este último passou domingo passado no TCM. Uma grande diferença, na minha opinião, é que o comediante fracassado interpretado pelo Robert de Niro não é retratado como uma vítima, mas como um maluco obcecado pela fama. No filme de Scorsese, a única vítima verdadeira é o apresentador de talk show vivido pelo Jerry Lewis, atormentado por interesseiros e fãs desequilibrados. o espectador nunca chega a saber o que é verdade sobre Rupert, o personagem do de Niro, afora o fato de que ele sequestra o personagem de Lewis para poder aparecer na TV. O filme de Scorsese não chega a ser contra ricos, mas sim contra a cultura americana do sucesso a qualquer preço, que atinge o ápice no final ambíguo, que mostra um triunfo total de Rupert que o espectador não sabe se é mais delírio de grandeza dele, ou se é real.
https://www.youtube.com/watch?v=NCWNs3MnVH8
Pedro.

Caio Amaral disse...

Verdade, há vários paralelos, mas a mensagem é bem diferente da de Coringa mesmo.. Pelo que lembro, o filme do Scorsese tem um discurso mais equilibrado, que por um lado tem críticas à cultura americana da época.. mas por outro, mostra o De Niro como uma espécie de loser/sem noção, e não como vítima de um sistema maléfico que deve ser derrubado. Há vários filmes com um tom crítico ao "sistema" que acho bons.. tipo Rede de Intrigas, ou até aquele Eighth Grade, que mostra como as redes sociais impactam uma menina comum, tímida.. é possível criticar aspectos da cultura americana sem tombar pra um discurso niilista, romantizar o mal etc.

Dood disse...

Agora tô curioso com o Rei da Comédia, vou assistir quando der.