As imagens são lindas, a trilha continua espetacular, a história continua poderosa, mas infelizmente nem todo desenho da Disney se traduz bem para uma versão “live-action”. Não achei o filme ruim, mas o compromisso com realismo visual tirou muito da emoção da história, do encanto das sequências musicais, e matou completamente a expressividade dos personagens (que agora dependem 100% das vozes pra transmitirem qualquer emoção). Em termos de tom e valores, o filme se manteve fiel ao original (não tentou ajustar a história para o público atual, o que achei bom). O problema é que não existe quase nada de novo que demonstre talento, criatividade... Tudo o que há de bom no filme basicamente é mérito do original (uma das únicas partes originais pra mim foi a pior cena do filme - a sequência estranha do tufo de cabelo).
A polêmica em relação ao filme do Sonic, as reações divididas ao trailer de Cats que saiu esses dias, e agora ao CGI de O Rei Leão pelo menos servem pra lembrar que não basta ter a tecnologia mais avançada no mundo se você não tem artistas e contadores de história habilidosos fazendo o melhor uso dela.The Lion King / EUA / 2019 / Jon Favreau
NOTA: 6.5
16 comentários:
A sequência do tufo de cabelo segue imediatamente após Timão e Pumba compararem a vida com linhas paralelas que não se cruzam ou se relacionam. Cada vida é uma linha sem relação de causa e efeito e sem influências e consequências nas outras linhas.
O tufo completou o "ciclo da vida" refutando, no campo simbólico, o que Timão e Pumba disseram. A sequência não funcionou porque não expressou corretamente que decisões e comportamentos têm consequências particulares e em sociedade, seja por ação positiva ou por omissão. Mas implicou em destino e em jornada espiritual, reforçando, na verdade, a idéia da vida como predestinada linearmente.
Para Rafiki não foi necessário observar Simba agindo como um nobre rei. Uma representação bastou para que fosse feita a revelação de que a jornada estava incompleta e que aquele tufo pertencia ao hesitante herói. Rafiki expressou as emoções inconscientes do publico, que pauta sua avaliação de obra em objetos simbólicos não necessariamente racionais.
Pode ser bonito visualmente, feito um documentário do Animal Planet, mas não tinha como reproduzir o encanto do original. Se tentassem botar expressões e movimentos humanos nos animais de CGI, o filme ficaria tão falso que cairia no Uncanny Valley. Do jeito que está, já me parece frustrante. Não tem como Timon e Pumba serem engraçados em tons realistas do jeito que eram em animação. Animais de aparência realista, ainda que digitalizados, acabam tornando a história mais artificial que em desenho, onde o papel aceita tudo.
Pedro.
No desenho, esse momento era claramente místico.. o macaco reconhecia a presença de Simba de uma maneira meio mágica.. então vc simplesmente aceitava a fantasia.. agora a ideia do tufo de cabelo parece sugerir algo mais científico.. como se o macaco tivesse de fato reconhecido o cabelo de Simba, como uma impressão digital.. daí acho que ficou mais forçado.. Mas enfim, só acho que se você vai acrescentar uma cena nova a um clássico como O Rei Leão.. que um tufo de cabelo saindo pelas fezes de uma girafa não deve estar entre as ideias consideradas.. rs.
Pedro, verdade... esse realismo mal resolvido têm sido um problema recorrente nos live actions da Disney.. os filmes com protagonistas humanos sofrem menos né.. mas O Rei Leão só tem bicho, daí o problema fica mais evidente... Mas acho que teria sido possível chegar numa solução melhor... no Mogli (que por sinal é do mesmo diretor) tinha bastante bicho falante, e não me incomodou essa questão da inexpressividade.. então sei lá o que houve aqui. abs!
É difícil dizer de forma exata o que ficou errado. Um problema foi mesmo que não tinham como reproduzir num tom hiper-realista cenas coreografadas como as das canções "I Just Can't Wait To Be King" e "Be Prepared". Ficaria horrivelmente falso.
https://www.youtube.com/watch?v=0bGjlvukgHU
https://www.youtube.com/watch?v=XkU23m6yX04
O fato de ser uma animação tradicional possibilitou ao público relevar até os defeitos mais evidentes de O Rei Leão, como aquele absurdo de Simba crescer se alimentando de larvas e insetos, como Timon e Pumba lhe ensinaram. Como era fantasia, não uma história realista, o público deixou passar.
Essa fixação por realismo parece ser uma conseqüência dos avanços tecnológicos, e os estúdios não estando se perguntando se a coisa se aplica bem às histórias ou mesmo se é necessária. Há um momento em O Bom Dinossauro que a câmara para diante de um galho de árvore, apenas para que o espectador admire as folhas perfeitamente digitalizada:
https://pixarplanet.com/blog/the-first-trailer-for-the-good-dinosaur-released/#!prettyPhoto/0/
E a gente acaba pensando se vale a pena tanto esforço para fazer uma imagem que uma máquina fotográfica faria num segundo. E no final se preocuparam tanto com o hiper-realismo dos cenários de O Bom Dinossauro que descuidaram de sua história clichê.
Pedro.
Pois é.. acho que existe uma certa confusão hoje entre o conceito de animação, e o conceito de efeitos especiais, do tipo que vemos em filmes como Jurassic Park, etc.. A animação tradicional não é caricata por falta de tecnologia... ela é assim porque foi concebida pra ser assim mesmo... é um pouco o que discuto no texto O que nos Atrai à Arte?... sobre a criança se sentir atraída pelo universo simplificado e colorido que a animação projeta, etc. Abs!
Sabe o que esse Rei Leão me lembrou? Aquele filme Dinossauro da Disney feito em 2000.
Dinossauro foi um fracasso tão grande que quase ninguém lembra que esse filme existe. Afora isso, não sei nada dele, nunca assisti.
Pedro.
Dinossauro.. Tá aí um filme que vi no cinema mas foi totalmente deletado da minha memória, rs..
E quando vi esse Rei Leão logo lembrei dessa bomba. Acho comparavel a tentativa do Rei Leão e esse filme.
Claro que o que salvou o Rei Leão foi se basear na animação.
Que blasfêmia! Longe de comparar ao Rei Leão, mas Dinossauro marcou a infância de muita gente, rs. Porém, não lembro mais nada do filme também.
Achei válido o relançamento do Rei Leão com essa tecnologia. O legal foi ver a composição da minha sessão de cinema no dia: uns 25% do público eram pessoas acima dos 40 anos de idade. Conheço gente de 60 que estão há mais de três décadas sem ir ao cinema mas foram dessa vez.
Ah sim Rodrigo.. a história é muito universal.. e os trailers foram muito bons né.. criaram um hype que deixou todo mundo curioso..
Do jeito que vai, a Disney daqui a alguns anos, estará lançando remakes dos remakes, a pretexto de usar novas tecnologias. E assim continuará pegando o dinheiro dos fãs.
Pedro.
O negócio é que a Disney não tem tido nenhuma ideia nova para suas produções e as antigas não pode mais vender as remasterizações pro mercado doméstico porque o home vídeo já morreu e a tendência é o Streaming.
Tenho feito um esforço nos últimos meses pra assistir a mais filmes originais (não-sequências, não-remakes, etc).. pois percebi que apesar de reclamar, eu mesmo acabava deixando passar muitos filmes originais que estreavam, e favorecendo as franquias na hora de ir ao cinema.. reforçando ainda mais essa impressão de que é só isso que existe hoje em dia.. acho que é porque com sequências vc se sente meio que "obrigado" a ver.. e é mais fácil embarcar em algo familiar do que entrar num universo totalmente novo, ter que digerir algo do zero, etc.. existe uma mini resistência inicial a coisas que não são familiares.. e os produtores acabam explorando isso.. o problema é que a maioria dos filmes originais novos também não são muito bons, rsss.. daí filme fraco por filme fraco... o público acaba preferindo ficar com o filme fraco porém familiar, rs..
No caso específico da Disney, parece haver mesmo uma escassez de boas novas idéias. Os filmes originais que tem aparecido caem logo no esquecimento, como A Dobra no Tempo e o Quebra Nozes.
Pedro.
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