Quando vi Grave, eu já tinha desconfiado que era um filme vazio, querendo apenas chocar, mas como era o primeiro longa de Julia Ducournau, ainda dei o benefício da dúvida (eu podia não ter entendido sua "profundidade" ainda). Mas agora a máscara caiu... Vendo o filme, lembrei da minha madrasta, que vivia brincando que pra ficar famosa como artista plástica, um dia ela iria pegar uma tela, ir em frente a um hospital público em São Paulo, e pintar um quadro completamente nua. Não tenho dúvidas de que teria dado certo. Por que um hospital? Por que pintar pelada? Não precisa ter um sentido... Um hospital público é uma locação ótima pra um ato do tipo. Certamente iria gerar interpretações fascinantes. E uma mulher pelada então, nem se fala! Sempre que você pega elementos ligados a sexo, violência, religião, tecnologia, dinheiro, política, e os usa de maneira contrastante e provocativa numa obra, você não precisa realmente ter algo a dizer. O público inventará um significado sozinho. Por exemplo: pegue uma figura de Jesus (religião), e coloque um "M" do McDonald's (capitalismo) em cima da cruz — trabalho feito! Pinte uma mulher nua (sexo), mas com o botão de "Unlock" do iPhone (tecnologia) no lugar do órgão genital — já será o suficiente pra todos acharem sua "crítica" genial (e se a mulher estiver cheia de hematomas então [violência], melhor ainda). O que Titane quer dizer com seu tratamento brutal do corpo feminino? E com carros? O fato de Alexia sentir atração por carros (aquilo que a machucou na infância) discute algum tipo de codependência entre abusado e abusador? Será que somos movidos por nossos traumas? Ou será que carros representam o "masculino", e é tudo uma reflexão sobre a vitimização da mulher? Ou será que é sobre como as máquinas destroem nossa humanidade, e ainda assim somos obcecados por elas? Há um pouco pra todo mundo: pra quem quiser achar mensagens sobre ambientalismo, sobre identidade de gênero, relações familiares, fragilidade masculina, objetificação do corpo da mulher — e talvez essa salada de símbolos ambíguos seja o grande trunfo de Titane. Tenho certeza que Ducournau tem explicações incríveis para o filme, mas o que vi na tela infelizmente não tinha mais substância que o plano da minha madrasta.
Titane / 2021 / Julia Ducournau
Nível de Satisfação: 0
Categoria D: Não Idealismo (experimentalismo / subjetivismo / simbolismo)
Filmes parecidos: Grave (2016) / Corpo e Alma (2017) / Azul é a Cor Mais Quente (2013) / Irreversível (2002)
Não vi o filme e vendo que Irreversível está entre os parecidos, tenho certeza de que não pretendo ver (o filme me causou um trauma tão grande que só de ver a capa da mulher naquele corredor eu começo a passar mal). Mas pelo seu texto o máximo de simbolismo ou relação com a realidade que eu consegui pensar foi com base em um documentário que assisti no youtube há muito tempo. O documentário falava de pessoas que tiveram acidentes no cérebro e desenvolveram gostos ou habilidades estranhas. Tinha um homem que conseguia "ouvir" cores e fazia contas matemáticas complexas usando apenas borrões coloridos (e chegava nos resultados como se fosse um Rain Man) e pessoas com fetiche por máquinas, como um cara que era tarado por uma roda gigante e chegava a guardar a graxa das engrenagens para se masturbar com ela. Mas o mais comum eram pessoas com fetiche por carros, que passavam várias horas todos os dias dentro do carro, polindo eles, conversando com o volante, beijando os faróis. Depois disso toda vez que eu vejo que saiu um novo velozes e furiosos, eu fico imaginando que é como um pornô pra eles e que ver em IMAX deve ser o maior êxtase de suas vidas.
ResponderExcluirEntão lá vai a minha interpretação do filme com base no texto. A diretora assistiu o mesmo documentário que eu. Resolveu contar a história fictícia de uma mulher com dano no cérebro e que desenvolveu gostos sexuais estranhos. Como o cérebro não funciona direito, todas as coisas bizarras e simbólicas do filme são alucinação esquizofrênica dela que só ela vê. E para a plateia poder fazer a conexão das coisas, tem que assistir o filme 10x, sofrer danos cerebrais de verdade, "entrar no personagem" e alucinar igual a mulher. Decerto de tanto filme igual Irreversível, o juri de Cannes já deve ter sofrido esse dano há muito tempo e pra eles é mais fácil entender alguém com dano cerebral.
Heheh.. o filme Crash: Estranhos Prazeres (1996) já mostrava esses fetiches bizarros por carros, acidentes de carro, e aliás também ganhou prêmio em Cannes, rs. Bem que eu teria achado melhor se o filme fosse apenas um estudo sobre distúrbios psicológicos, sem outras pretensões.. mas quando vc leva em conta todos os elementos e símbolos que são jogados, a conta não fecha, rs.. abs!
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