(Os comentários a seguir foram baseados nas notas feitas durante a sessão.)
- Anticlimático (como sempre) o filme já começar no meio de uma cena de ação exagerada, entregando todos os efeitos especiais, atropelando o Princípio da Ascensão logo de cara.
- Elizabeth Olsen (Wanda) é uma presença interessante — a atuação dela parece mais viva, menos enlatada que o normal nesse tipo de filme. Mas é chato ela ser mais poderosa que o Doutor Estranho. Nunca entendo nos filmes da Marvel quem é de fato o mais poderoso. A cada filme eles parecem inventar que é um novo personagem (geralmente não o protagonista).
- O filme parece supor que o espectador assistiu Wandavision e entende toda a backstory da vilã; não se esforça pra estabelecer o contexto dramático.
- A história é apenas mais uma variação tediosa da busca pelo artefato mágico que irá destruir o vilão. E a trama é bagunçada... A cada 5 minutos eles vão apresentando novos poderes, feitiços, obstáculos, regras, mundos, soluções... Não há um conceito central claro, interessante.
- E o filme se passa num daqueles universos líquidos, flutuantes, onde nada é real, nada tem consequências irreversíveis, tudo é possível, e, portanto, ninguém na plateia liga pra nada que acontece.
- SPOILER: Quando apareceram os Illuminati, foi o momento em que a plateia mais vibrou o filme inteiro — mas vejam como isso nada tem a ver com méritos do roteiro, com a qualidade desta história em particular, e sim com táticas fáceis de fan service. (Eu só reconheci o Professor Xavier; no caso dos outros personagens, nem entendi qual foi a surpresa.)
- Como de costume, há uma relativização do caráter de heróis e vilões... Na conversa com os Illuminati, passamos a considerar que o Doutor Estranho é que é uma ameaça maior para o mundo, e não a vilã — que por sinal já não é uma vilã típica, e sim a Wanda, uma heroína transformada aqui em antagonista. (Como se não bastasse, mais pra frente temos um confronto entre Doutor Estranho e uma outra versão dele mesmo!)
- SPOILER: O filme fez o público vibrar na cena dos Illuminati, mas minutos depois mata todos eles! Tudo que acontece na história é fútil, efêmero... Ninguém nem lamenta as mortes, pois sabemos que com o Multiverso, daqui a pouco estarão todos vivos de novo.
- O tal do Livro de Vishanti foi estabelecido com um dos elementos mais importantes da história — mas num piscar de olhos a Wanda destrói o livro, e o filme continua como se nada tivesse acontecido.
- 13 anos depois de A Origem, e 23 anos depois de Matrix, o filme ainda parece achar que essas distorções da realidade objetiva são originais, "mind bending". Mas é um conceito já desgastado, drenado de qualquer frescor. Bons roteiristas (como os de Black Mirror) ainda conseguem usar a ideia de formas surpreendentes. Mas aqui, quando você vê ideias tolas como a do Doutor Estranho extraindo notas musicais da partitura pra usá-las como armas, você sabe que a tendência já chegou no fim da linha.
- Não só Wanda é mais poderosa que o Doutor Estranho, como no fim parece que até a novata da Chavez é mais poderosa que ele. Tanto que ela é quem chega pra enfrentar Wanda na batalha final (claro, quem pode ser mais poderoso que a latina que tem cara de chinesa e é filha de um casal lésbico?). Doutor Estranho quase não é o protagonista do filme. Wanda tem mais presença que ele, e um arco dramático mais marcante.
- SPOILER: E lógico que o que derrota a Wanda não é um golpe habilidoso, uma estratégia inteligente no mundo externo, e sim a "cura emocional", o fato dela se encontrar com os filhos. (No texto 1999 e o Declínio da Objetividade eu discuto a ligação entre todos esses pontos; desde a liquidez do universo até este foco em soluções emocionais).
- No último Batman, falei da atual tendência de heróis celibatários, que sacrificam a vida romântica e decidem se afastar da pessoa amada no fim... Temos mais um exemplo aqui.
- SPOILER: Há quase um final feliz, a sensação de que o universo voltou à ordem (Benedict caminhando na calçada com trajes normais). Mas é tudo uma ilusão — logo voltamos ao caos, ao universo líquido etc.
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Doctor Strange in the Multiverse of Madness / 2022 / Sam Raimi
Satisfação: 5
Categoria C: Idealismo Corrompido (mistura de Idealismo com diversas más tendências)
Filmes Parecidos: Doutor Estranho (2016) / Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (2021) / Vingadores: Ultimato (2019)
A história também é batida. No jogo The Witcher 3 de 2015, o personagem principal é um bruxo/mago que procura uma jovem capaz de viajar no multiverso e que não consegue controlar seus poderes. E o vilão é um elfo que era do bem mas foi corrompido e que quer o poder desta moça para conquistar outros universos. E um dos confrontos contra o vilão acontece justamente em uma escola para bruxos.
ResponderExcluirNo jogo até aparece o conceito de magos/feiticeiros que são capazes de usar os sonhos das pessoas, a ideia de que os demônios são na verdade seres de outro universo que invadiram o nosso universo e que só com o sacrificio do poder da jovem o vilão pode ser derrotado.
Muito desses conceitos são reaproveitados de algum lugar. O próprio Doutor estranho dos quadrinhos é uma inspiração e um flerte com misticismo. Esses conceitos são sempre reutilizados.
ResponderExcluirNão conheço o jogo... quanto mais "macro" a análise, mais todas as histórias começam a se parecer né (até chegarmos no Monomito etc.). Mas um bruxo ajudando uma jovem que viaja num multiverso, já me parece um pouco específico demais hehe.
ResponderExcluirMesmo o game The Witcher 3 em que um bruxo ajuda uma jovem que viaja pelo multiverso já era conceito batido. Em Bioshock Infinite (o primeiro Bioshock foi até inspirado em A Revolta de Atlas kkk) um homem é contratado para proteger uma jovem que tem o poder de viajar pelo multiverso. O vilão do jogo é uma versão alternativa multiversal deste mesmo homem que precisa salvar ela. No final da história, a unica forma de deter o vilão é sacrificando a versão boa do herói (o vilão é uma versão do futuro, o herói jovem viaja para o multiverso em que ele mesmo é o vilão sem saber, ele morrendo jovem, o vilão do futuro também morre).
ResponderExcluirEssa semana procurando o termo "multiverso" no imdb encontrei também O Confronto com Jet Li de 2001. O que meio que prova que esse conceito já está ultrapassado há pelo menos 20 anos.
Me lembrou o Lightyear onde o vilão é ele mesmo mais velho, vindo do futuro.. Antigamente tinham uns filmes esporádicos que brincavam com realidades alternativas.. tipo A Felicidade Não Se Compra, o próprio O Mágico de Oz.. Mas foi lá pra 98 que começaram a surgir uns filmes dando início a uma tendência real.. como De Caso com o Acaso, Corra Lola Corra.. e em 99 tudo explodiu e se tornou permanente. A única mudança é que o nível de caos permitido em filmes mainstream foi aumentando.. o estilo de multiverso que se consolidou com a animação do Homem-Aranha é uma variante mais moderna e mais niilista do mesmo conceito.. mas que já está ficando "normal" pro público.. daí vem algo como Everything Everywhere all at Once e eleva um pouquinho a barra, etc.
ResponderExcluirNão vi Lightyear ainda, mas vi muita gente reclamando do que fizeram com o vilão Zurg no filme. Agora entendi o pq e achei ridiculo.
ResponderExcluirO Bioshock Infinite é um monte de autossacrificio no final. A mocinha é filha do herói que vira vilão no futuro. Então para deter o vilão, a mocinha sacrifica o próprio pai e também desaparece da existência por nunca ter nascido. Como ela é a responsável por criar o multiverso, ela sacrifica todas as outras realidades junto com ela. Como o vilão é a representação do excepcionalismo americano, toda a filosofia dos EUA vai pelo ralo junto.
Agora o Tudo Em Todo Lugar eu achei extremamente convencional e nada de tão estranho assim. E aqui vão meus motivos: as pessoas são extremamente comuns e os ambientes mais comuns ainda. O filme provoca com uma possível história de aventura pelo universo e tudo acontece em um prédio de escritório comum. Todas as coisas "estranhas" que o filme oferece são pessoas lutando kung-fu (daí que lembrei do filme do Jet Li de 2001) ou fazendo algo bizarro como botar o dedo no nariz. Depois das 10 primeiras vezes que alguém faz uma estranheza para acessar uma versão alternativa de si, as próximas 20 vezes não vão ser tão estranhas assim. As realidades paralelas são coisas que fazemos todos os dias na cama, que é imaginar como seria se fossemos famosos ou uma habilidade que não temos. Então os personagens só fazer 3 coisas estranhas: uma ação socialmente inadequada, lutar kung-fu e estarem em empregos diferentes. Mesmo quando pegam um consolo ou enfiam um plug, não tem importancia nenhuma pq é só para lutarem kung-fu, qualquer outra coisa bizarra terminaria da mesma forma. Quando o ambiente não é uma lavanderia, o estacionamento da lavanderia ou o escritório, e quando as pessoas não estão com roupa comum, o ambiente e as fantasias lembram clipes da Lady Gaga, que acho muito mais estranho, criativo e interessante do que o filme. Daí lá próximo do final os personagens começam a confessar sentimentos, mas como tudo está editado como se fosse um clipe de musica, as vozes viram uma narração reflexiva que não acaba nunca e não diz nada, tipo uma apresentação de escola de Power Point que vc fica vendo imagens jogadas e escutando o professor explicar coisas no fundo. Não seria tão comum se não tivessem feito exatamente a mesma coisa no Um Cadaver para Sobreviver, em que o Daniel Radcliffe começa a refletir sobre a vida e as cenas são momentos aleatórios com a voz do cadáver no fundo. E claro, não poderia ser mais batido que a resolução de um conflito tão complexo fosse pelo "poder do amor". Parecido com aquele meme "Maybe The Real Treasure Was the Friends We Made Along the Way". Por fim, o que me incomodou de verdade foi o filme se apresentar como super inteligente, bem pensado, inovador e mal dava para entender nada, nem a parte "monoverso" do começo. No Matrix eles explicam todas as regras do universo em alguns minutos e o resto vai se desenvolvendo. No Tudo em Todo Lugar, eles ficam explicando regras do começo ao fim, o filme acabando e eles explicando regras. Dá impressão que o filme nunca começa (até pq parece que a aventura vai começar de verdade ao eles sairem do prédio de escritorios, o que nunca acontece).
*hoje em dia me sinto bem mais a vontade pra começar a filmar o roteiro que escrevi quando tinha 5 anos sobre o "ataque dos dinossauros alienigenas de marte contra os insetos gigantes robôs de jupiter lutando na ilha dos demônios canibais no centro do planeta terra"
O Homem Aranha teve um flerte com Multiverso nos anos 90 nos quadrinho, mas parando para pensar muitos dos heróis tiveram esse conceito trabalhado em algum ponto. Era uma maneira de dar um reset em alguma coisa que era feita e tinha desandado, ou quando um escritor novo tomava a frente do personagem.
ResponderExcluirIsso agora se tornou mais rotineiro devido a crise criativa que afeta as Hqs ocidentais.
Ah desculpa, acabei dando um spoiler de Lightyear sem querer, mas quando vc assistir o filme, vai ver que a presença do vilão é bem superficial, e isso é só uma ideia aleatória jogada sem muita preparação dramática.
ResponderExcluirNão sei muito sobre o Bioshock, mas pelo que entendi, eles pegaram as virtudes defendidas pela Rand pra caracterizar o vilão, é isso? Faz sentido então o festival de sacrifícios, hehe.
Verdade, muitos desses filmes que soam “inovadores” como o Everything Everywhere, quando você olha pro conteúdo, são bastante convencionais. O diferencial está mais no estilo, no design… Como desde os anos 2000 já vemos muitos filmes que brincam com universos caóticos (lembrei agora de Brilho Eterno… Guia do Mochileiro…) pra mim o grande diferencial de Everything fica a cargo dessa edição frenética estilo TikTok… e talvez da mistura de sci-fi com uma estética meio de filme estrangeiro. * Não que ser incomum e inovador deva ser o grande objetivo de um filme.. mas incomoda um pouco quando o cineasta parece ter essa pretensão, e na prática segue o que é seguro e mainstream.
Seu roteiro acho que interessaria bastante um Robert Rodriguez.. quem sabe um Nicolas Cage pra estrelar hehe.