Na psicologia cognitiva, o Fator G representa a habilidade cognitiva geral de uma pessoa: uma capacidade central, mais ampla que o QI, que influencia seu desempenho em diversas tarefas, como resolução de problemas, aprendizado, raciocínio lógico, memória, cognição social, etc.
Podemos dizer que todo filme também tem um "fator geral de inteligência", estabelecido principalmente pelo diretor (quando ele tem controle criativo sobre a obra), com grande influência do roteirista.
Assim como a Intenção de um filme, essa é uma qualidade menos tangível da arte, mas que acaba sendo tão determinante para a qualidade de um filme quanto aspectos mais mensuráveis, como a estrutura narrativa ou as atuações.
O Fator G se manifesta não apenas nos elementos óbvios pelos quais costumamos julgar um filme, mas especialmente nos detalhes: em um conjunto de boas decisões e observações inteligentes que refletem a capacidade do criador da obra.
Filmes do Kubrick, por exemplo, têm sempre um Fator G elevado porque Kubrick tinha um Fator G elevado. É fácil observar isso comparando 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) com a sequência 2010: O Ano em que Faremos Contato (1984). Apesar de também ter Arthur C. Clarke no roteiro, 2010 foi dirigido por um cineasta mais convencional e, portanto, é bem menos estimulante intelectualmente do que 2001. O filme abre recapitulando tudo o que houve no primeiro filme, mastigando aspectos já claros da história, e prossegue com uma série de cenas expositivas preguiçosas, que sugerem que ele não contará com a inteligência do espectador para muita coisa. Contraste isso com 2001 e como o filme omite diversas conexões, contando com o público para fazê-las sozinho: na cena em que o macaco tem o insight de que o osso pode ser usado como arma/ferramenta, um espectador desatento pode não conectar a descoberta com a aparição do monolito minutos antes, ou com a espaçonave milhões de anos depois.
Isso nos dá algumas pistas sobre o Fator G. Filmes com um Fator G elevado tendem a estimular o raciocínio do espectador. Claro, apenas a pessoa mais inteligente do mundo poderia ser estimulante para todos os níveis de raciocínio. Há algo de relativo nessa dinâmica, mas, como regra geral, o artista deveria estar acima do Fator G médio da população e, certamente, acima do Fator G médio de seu público-alvo.
Filmes com um Fator G elevado apresentam observações profundas e perspicazes sobre o mundo e o ser humano, que fogem do lugar-comum (repetições, imitações e clichês rebaixam o Fator G de uma obra). O Fator G elevado costuma demonstrar preocupação com ordem, estrutura, processos, precisão e integração de elementos, buscando coerência e eliminando contradições. Há um foco maior em conceitos, ideias, fatos universais/atemporais, em vez de emoções espontâneas, convenções culturais ou tendências passageiras. Ele também busca economia, eficiência e alcançar o máximo de resultado com o mínimo necessário, evitando o que é redundante ou supérfluo.
Essas características não se apresentam de forma direta e explícita nos filmes, mas percebemos isso em um nível subconsciente.
2010, por exemplo, começa com "Assim falou Zaratustra", de Strauss, tocando sobre os créditos iniciais, assim como 2001. Mas, desta vez, mostrando antenas parabólicas durante um nascer do Sol. A cena é brochante, pois parece tentar repetir o mesmo impacto da abertura do primeiro filme, mas com uma imagem mais genérica e menos emblemática, que não reflete o tom épico da música. Além disso, o nascer do Sol e os títulos perderam qualquer sincronia com a estrutura da composição. Não há nenhum defeito óbvio nessa sequência, mas é interessante notar como, a esta altura, 2001 já comunicava uma série de qualidades evocativas de um alto Fator G.
O Fator G é uma das características que menos mudam ao longo da carreira de um artista. Um artista pode ter um desempenho melhor em um trabalho, pior em outro, mas seu padrão cognitivo não costuma sofrer grandes oscilações (exceto, talvez, um declínio em idades mais avançadas). Um artista com um Fator G alto, no entanto, não pode se acomodar e achar que tudo o que fizer será brilhante. Sua capacidade precisa ser demonstrada concretamente no estilo e no conteúdo de cada obra. Woody Allen, por exemplo, já fez diversos filmes medianos, até mesmo fracos, apesar de o Fator G de seus filmes geralmente permanecer alto. Há também muitos artistas com Fator G elevado que simplesmente não possuem grande talento. O Fator G se relaciona com o conceito de talento, mas não é a mesma coisa. Ele tende a conferir à obra um mínimo de interesse e originalidade, mas não garante qualidade artística.
Uma das tendências mais preocupantes em Hollywood nos últimos anos é o declínio no Fator G dos filmes. Já se tornou raro encontrar tramas com um mínimo de coerência, ou filmes de gênero que não pareçam ignorar totalmente as leis da física. (Não estou falando de filmes propositalmente subjetivos ou fantasiosos, mas da falta de realismo que aponto em filmes como A Substância, Interestelar, Fragmentado, ou na franquia Um Lugar Silencioso.) Uma das coisas mais surpreendentes ao ver clássicos é perceber o quanto a inteligência média dos filmes costumava ser superior. Se um cinéfilo tivesse hibernado nos anos 60 e acordasse hoje, provavelmente teria a mesma reação da Sigourney Weaver em Aliens, quando diz para os executivos da Weyland: "Os QIs caíram drasticamente enquanto eu estava fora?"
As causas desse declínio são várias: a fuga de talentos da indústria (especialmente na área de roteiro), o excesso de pretensão de cineastas autorais que agora querem ser artistas "completos" e não delegam a escrita do roteiro, levando ao fenômeno da Pseudo-Sofisticação; o fato dos filmes serem cada vez mais feitos por comitês e executivos, não por artistas; um possível declínio na cognição geral da população, causado por smartphones e redes sociais; e a falta de ambição promovida pelas tendências Anti-Idealistas. Assim como heróis foram corrompidos porque os filmes, em vez de inspirar, passaram a querer confortar o público, representando figuras mais parecidas com o cidadão médio, intelectualmente, os filmes também deixaram de querer elevar o público para níveis mais ambiciosos de funcionamento mental, se nivelando por baixo.
Nas últimas décadas, passamos pela fase em que o cinema se tornou sombrio, pela fase em que tudo se tornou subjetivo/psicológico, pela fase em que tudo foi politizado, mas um declínio nos padrões cognitivos acompanhou todas essas tendências, e pode se tornar o foco da próxima crise.
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