O conceito de Aftersun é que a filha, depois de adulta, está assistindo a esses vídeos da viagem e refletindo sobre sua relação com o pai — o lado obscuro dele que ela não tinha acesso quando pequena. Mas esse contexto é sugerido apenas por um flash-forward muito breve em que a garota Sophie aparece adulta. O filme não é de fato sobre uma mulher tentando curar feridas de sua infância. Se fosse isso, pelo menos haveria algum conflito interno, um personagem com um propósito. Também não é sobre os dramas do pai, que também são apenas sugeridos nas entrelinhas. Em 99% do tempo, o que o filme mostra é apenas cenas banais da viagem. Então é daqueles filmes que espera que todo seu valor venha do não-dito, do não-mostrado, de tudo aquilo que a cineasta deixou de fora do filme. Percebemos que há vários dramas mais intensos ocorrendo nas beiradas da história, mas em vez de abordá-los, de desenvolvê-los, o filme acha mais "sofisticado" focar na banalidade, e apenas indicar sutilmente que existe algo além daquilo. E claro que esse "algo" se resume a sofrimento, dor, desesperança. Naturalismo e "senso de vida malevolente" andam sempre de mãos dadas, e se um filme Naturalista está te mostrando pessoas em momentos agradáveis, você pode ter certeza que existe algo deprimente por trás, pois é apenas o pessimismo que justifica tais filmes — enquanto o cineasta não confirmou para o público que a vida é difícil, dolorosa, é como se ele ainda não tivesse feito um filme de verdade. Sofrimento é o que parece metafisicamente importante, real, profundo pra esse tipo de cineasta. A aparente leveza de Aftersun é apenas um Contraste. Enquanto em um filme Idealista, o sofrimeno é usado como Contraste pra acentuar valores positivos, aqui é o contrário. A proposta do filme é mostrar que, por trás de uma viagem agradável e ensolarada da infância, havia coisas tenebrosas ocorrendo no mundo dos adultos que arruinariam toda a experiência caso a criança soubesse da verdade (e se "sol" é sinônimo de vida e de alegria, talvez seja por isso que o filme se chame Aftersun). Se for possível dizer que existe um arco narrativo em Aftersun, seria apenas essa tática do filme ir expondo aos poucos para o público o fato de que, por trás das memórias positivas apresentadas, existia algo deprimente que eventualmente arruinou a vida emocional da menina.
Mas o problema do filme não é nem o pano de fundo melancólico, e sim esse fato dele não encarar e desenvolver seu verdadeiro tema; deixar tudo nas entrelinhas e nas linhas de fato apresentar apenas trivialidades. É uma tática meio fraudulenta, que livra o autor da responsabilidade de ter que escrever bons diálogos, criar cenas memoráveis, emocionar o público, e mostrar se de fato tem algo a dizer.
Aftersun / 2022 / Charlotte Wells
Satisfação: 4
Categoria: NI
Filmes Parecidos: A Filha Perdida (2021) / C'Mon C'Mon (2021) / Sem Rastros (2018)
Olá, Caio.
ResponderExcluirImpressionante como teus textos ficam cada vez melhores. Prova de que o "verdadeiro artista só melhora com o tempo".
Valeu Leonardo! Talvez seja porque os conceitos vão clareando com o tempo hehe. 🙏
ResponderExcluir